O Desafio Ambiental na Produção de leite – Fernando Cardoso

A produção de leite em Portugal evidenciou nos últimos anos uma tendência vincada para a intensificação e para a especialização, que é ilustrada pelo declínio do número de animais, e por aumentos da dimensão da “exploração média” e da produção média por animal. No entanto, estes indicadores ainda estão longe dos respectivos homólogos médios na UE. Não é portanto improvável o reforço daquelas tendências nos próximos anos. Pelo contrário, afigura-se certo, porque imprescindível para sobreviver.

A concentração da produção em menos e maiores explorações aumentou, registando-se paralelamente a sua concentração locacional em regiões com maior aptidão para a actividade.

Gráfico I – Evolução do número de Produtores e da Entrega média em Portugal

Fonte : INGA

Estes ajustamentos são atribuíveis à necessidade de aumentar a eficiência económica dos sistemas de produção, resultante das pressões de um mercado progressivamente mais exigente e competitivo. Têm todavia sido acompanhados pelo surgimento de problemas de natureza ambiental.

A FENALAC, consciente do caracter decisivo do desafio que os Produtores começam a enfrentar neste plano, tem promovido a divulgação das “Boas Práticas Agrícolas”, e patrocinou a realização de um diagnóstico do impacto ambiental da produção de leite. Esse diagnóstico está na fase final de preparo, e será um instrumento essencial para a concepção de uma estratégia de ataque ao problema.

Assinale-se desde já que a resolução da questão ambiental não passa por soluções teóricas fáceis que têm, de resto, sido avançadas e que enunciam a reorientação da produção ou mesmo a sua deslocalização espacial enter Regiões. Além disso, convém ter presente as consequências sociais e económicas que tais “soluções” comportariam, e o facto de só em plano teórico ser viável encarar a transferência espacial maciça de produções agrícolas (como se produções industriais fossem). Na realidade, os aparelhos de produção em agricultura não revestem a flexibilidade dos seus congéneres nos outros sectores da Economia…

Por outro lado, a pretensão de considerar a extensificação da produção como a melhor – senão a única- solução para a minimização dos problemas ambientais na Agricultura, denuncia uma perspectiva excessivamente redutora. Encare-se, a este propósito e por analogia, a situação de ridículo em que poderia incorrer alguém que defendesse solução idêntica para a produção industrial.

Obviamente que os sistemas agrícolas mais intensivos comportam riscos ambientais, da mesma forma que os fenómenos de concentração industrial e/ou urbana, para além de poderem prejudicar seriamente o ambiente, se traduzem, em muitos casos, na degradação da qualidade de vida das populações.

A preservação desses sistemas, e a sua compatibilização com o objectivo da sustentabilidade ambiental, reclama a realização de investimentos importantes (transferência de estábulos, estações colectivas ou individuais de tratamento de efluentes,…) visando a redução dos riscos que lhe estão associados.

Mas não se pode visionar que a produção leiteira nas regiões com aptidão edafo-climática se mantenha à custa de densidades animais significativamente mais baixas, que poderiam inviabilizar os delicados e difíceis equilíbrios económicos em que assenta a actividade.

O Caso dos Países Baixos

A FENALAC tem investigado a abordagem desta questão noutros Estados da UE. As acções desenvolvidas nesta matéria na Dinamarca, França e Países Baixos são relevantes e têm retido a nossa atenção.

O sistema de produção que prevalece nos Países Baixos, apresenta uma configuração idêntica ao predominante em Portugal. Sendo assim, interessa conhecer as principais directrizes do plano delineado pelas Autoridades holandesas para a resolução dos citados problemas.

Apesar das disparidades existentes entre os dois países, relativamente às condições edafo-climáticas, às estruturas agrícolas, e inclusive à capacidade financeira dos Produtores, as medidas implementadas nos Países Baixos podem fornecer pistas válidas para a resolução do problema entre nós.

Nos Países Baixos

A Produção Animal nos Países Baixos evidencia um grau de intensificação elevado, ilustrado pelos níveis do encabeçamento, da utilização de alimentos compostos, e da incorporação de fertilizantes minerais e orgânicos no solo.

Estes vectores, associados ao elevado desenvolvimento técnico, determinam uma elevada competitividade, nomeadamente da Produção Leiteira.

Como é ilustrado pelo Gráfico seguinte, encontram-se nos Países Baixos as densidades animais mais elevadas da UE.

Gráfico II – Encabeçamento na UE

Fonte : LEI, 1995

Todavia, o sistema de produção tem custos ambientais elevados. As estimativas existentes indicam que o Sector Agrícola é fonte de 56% da poluição com nitratos das águas superficiais e de 40% da poluição com fosfatos, enquanto que as emissões “agrícolas” de amónia, que causam desequilíbrios graves nos ecossistemas, são responsáveis por 42% da acidificação dos solos.

As Autoridades atacaram a resolução do impacto ambiental da pecuária já desde meados da década de 80.

Numa primeira fase (87/90), os esforços concentram-se na estabilização da produção de efluentes pecuários, através de medidas de controlo dos efectivos.

A segunda fase (90/98) teve por objectivo reduzir substancialmente o impacto ambiental dos efluentes pecuários, e consistiu fundamentalmente na instalação de estações de tratamento de grandes dimensões.

Esta solução foi progressivamente abandonada, face aos elevados custos que implicava, e foi decidido alterar a abordagem do problema através da introdução da “gestão de minerais” na exploração. Foi assim iniciada em 1998 a terceira fase, cujo final está previsto para 2003.

Sistema de registo dos minerais (MINAS)

Face à coexistência dos diversos segmentos pecuários (avicultura, suinicultura, produção de leite,…) no território, foi concebido um plano global para resolver os seus efeitos ambientais, apesar de existirem paralelamente medidas especificas visando cada um dos sub-sectores.

A gestão dos minerais (principalmente azoto e fósforo) ao nível da exploração assume um papel nuclear, sendo que a minimização do impacto ambiental da pecuária depende em grande parte da sua eficiência.

O sistema MINAS consiste na elaboração do balanço de minerais em cada exploração pecuária, através do registo das “entradas” (inputs) e das “saídas” (outputs) de minerais. O diagrama seguinte ilustra o conteúdo destas entradas e saídas.

Diagrama do MINAS

O saldo entre “entradas” e “saídas” é calculado anualmente, e, sendo sempre positivo, representa a perda de minerais na exploração. Esta perda, que é o excesso de minerais da exploração, é a principal fonte de contaminação do Ambiente.

Os teores em minerais dos fertilizantes químicos e orgânicos, e dos alimentos concentrados são indicados pelos fabricantes, enquanto que os efluentes que saem da exploração para tratamento e eventual venda são analisados por laboratórios autorizados.

Os minerais incorporados nas “entradas” e “saídas” de animais e produtos de origem animal são calculados com base em valores padrão, por animal ou por unidade de produto (leite, carne,…). Por outro lado, os minerais correspondentes às “saídas” dos produtos vegetais são estimados a partir de valores padrão, por hectare cultivado.

São sempre descontadas as perdas inevitáveis de nutrientes que decorrem da aplicação de efluentes no solo e da alimentação dos animais, estando fixados valores máximos para as perdas (excessos) permitidas de azoto e fósforo, as denominadas perdas-padrão. Como se observa no Quadro I, os valores fixados para as perdas padrão são decrescentes no tempo, e portanto crescentemente restritivos.

Quadro I – Perdas-padrão para nitratos, em kg/ha/ano

Ano Perdas-padrão
  Fosfatos                       Nitratos
Solos aráveis Pastag Solos aráveis Pastagens
Normal Argiloso Arenoso Norm. Argil. Aren.
1998/99 40 175 300
2000 35 150 275
2001 35 125 150 125 250
2002 30 25 110 150 100 220 190
2003 20 100 60 180 140

Quando a perda de minerais da exploração ultrapassa os valores das perdas-padrão, há lugar ao pagamento de multas, com valor proporcional ao volume de nutrientes em excesso. Devido ao montante elevado que aquelas podem atingir, o sistema estimula os Produtores a aumentar a eficiência na utilização dos minerais.

As Autoridades que gerem o sistema MINAS não o encaram como uma fonte de proveitos, mas como um instrumento ao serviço dos Produtores para aferir e aperfeiçoar a gestão de minerais.

O valor das taxas a cobrar pela “perda de minerais” nas explorações registou evolução crescente desde 1998, que expressa uma exigência também crescente no relacionamento entre as Explorações pecuárias e o Ambiente. Obviamente, foi programada uma adaptação faseada dos Produtores às normas de protecção ambiental.

Desde o início do ano corrente a aplicação do MINAS abrange a totalidade dos produtores pecuários, após uma fase inicial (1998-2000) em que a sua aplicação apenas foi obrigatória nas explorações com encabeçamentos superiores a 2,5 CN/ha.

Em simultâneo com a introdução do MINAS, foram estabelecidas restrições ao espalhamento de efluentes no solo, nomeadamente a interdição entre Setembro e Outubro (devido aos riscos de contaminação das águas), assim como foi limitada a quantidade de azoto aplicável anualmente. A aplicação de fertilizantes minerais no Inverno será também proibida a curto prazo.

Os Países Baixos obtiveram uma derrogação da Directiva CE 91/76* para as pastagens, sendo nestes casos permitida a aplicação de 250 kg de azoto/ha devido à sua elevada absorção de minerais do solo.

Quadro II – Aplicação máxima de azoto

(Kg/ha/ano) 2002 2003
Pastagens 300 250
Solos  aráveis  210 170

* estabelece em 170 kg/ha a aplicação anual máxima de azoto no solo

O cumprimento dos parâmetros apresentados no Quadro antecedente pressupõe um encabeçamento máximo próximo das 2.0 CN/ha, pelo que os Produtores são conduzidos a reduzir os efectivos ou a aumentar a superfície agrícola da exploração. Como estas opções nem sempre são viáveis, podem em alternativa efectuar contratos com outros Produtores agrícolas ou entidades processadoras de resíduos, com o objectivo de retirar da exploração os efluentes em excesso, que não podem ser aplicados nos solos da sua exploração.

No caso de transferência de efluentes entre explorações, é necessário comprovar o défice de minerais por parte da exploração receptora.

Com o objectivo de aumentar a eficiência do processamento de efluentes, decorrem diversos estudos no campo da compostagem e do desenvolvimento de concentrados minerais.

As explorações devem também dispor de uma capacidade de armazenagem de efluentes adequada, que seja adequada ao respectivo volume produzido e ao período de interdição do espalhamento.

Para minimizar as perdas de amónia para a atmosfera, as estruturas de armazenagem devem ser cobertas, enquanto que a aplicação de chorumes deve ser efectuada preferencialmente por injecção no solo (obrigatória nas pastagens).

A legislação ambiental dos Países Baixos contem normas objectivas e exigentes, mas permite que o Produtor utilize os métodos que melhor se ajustam às condições específicas da sua exploração. Assim, é possível minimizar o impacto ambiental da actividade, sem colocar em risco a sua viabilidade económica.

Em Portugal

Entre nós, muito pouco está feito neste domínio. A sensibilização e o esclarecimento sistemáticos dos Produtores às Boas Práticas Agrícolas está por fazer, apesar de haver atribuição regulamentar de responsabilidades públicas no caso; ainda não é conhecido com rigor o grau dos problemas que possam existir nas relações entre a produção leiteira e o ambiente, embora essa lacuna possa ser colmatada com a conclusão do diagnóstico atrás citado; a legislação existente está parcialmente desactualizada e dispersa, existindo além disso discriminações regionais na sua aplicação; os encabeçamentos regionais não são conhecidos, pelo que não se conhecem as regiões prioritárias para ataque aos eventuais problemas que possam existir; a “urbanização” do meio rural continua a registar avanços desordenados, sem que sejam tidos em conta os problemas económicos e sociais assim criados aos Produtores.

A letargia que parece afectar todas as entidades envolvidas no processo é preocupante. Mas existem responsabilidades partilhadas, publicas, colectivas e privadas, que têm que ser assumidas.

A FENALAC tem em curso diversas acções para intervir nesta área, que pode ser um excelente exemplo da colaboração e concertação entre os Poderes Públicos e as Organizações Agrícolas. Na realidade, é urgente incentivar e reforçar todas as acções que visem a resolução destes problemas, que incorporam a esfera colectiva e que têm expressão nacional.

Do ponto de vista dos Produtores, o assunto não deve ser encarado como uma penalização adicional, seja porque todos as Partes envolvidas têm que assumir intervenção responsável na resolução dos problemas existentes, seja porque podem existir oportunidades para a valorização económica dos efluentes como fonte energéticas ou de fertilização do solo.

A evolução da PAC no sentido de sintonizar a rentabilidade das actividades agrícolas com o respectivo desempenho ambiental é inexorável. Importa pois avaliar com urgência e rigor a situação e a amplitude dos problemas existentes, e identificar e activar meios de acção para os atacar.

Fernando Cardoso, FENALAC


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