O Erro de Sócrates… e mais alguns erros – Carlos Neves

Passámos quatro anos tão ocupados a “malhar” no Ministro da Agricultura (como diria o seu colega do Governo, o Ministro Santos Silva) que tarde reparámos quem estava por cima a mexer os cordelinhos.

Durante meses, anos até, repetiram-se os apelos para a intervenção do Primeiro-Ministro na resolução de problemas agrícolas sem que nada de concreto se visse. Pelo contrário, foi repetidamente reiterada a confiança ao ministro mais contestado na rua e nos espaços de opinião.

Se repararmos bem, desde a derrota nas europeias em Junho passado, Sócrates já reconheceu que investiu pouco dinheiro na cultura e que o tratamento dos professores não terá sido o mais correcto; Antes disso, substituíra o contestado Ministro da Saúde. Que disse Sócrates da agricultura? Nada. Quantas vezes escolheu a agricultura para tema nos debates quinzenais do parlamento, nos últimos 4 anos? Nunca.

Deliberadamente, Sócrates apostou nas empresas de novas tecnologias (como a Quimonda), na banda larga, no Magalhães, inglês nas escolas… mas a agricultura não fez parte do Portugal moderno que sonhou. Pelo contrário, fez parte dos cortes orçamentais que azedaram a relação com os agricultores. Talvez o Primeiro-Ministro leia pela mesma cartilha de quem acusou as organizações agrícolas de serem da “extrema-esquerda ou da direita mais conservadora” e tenha perdido a esperança (se é que alguma vez a teve) de conseguir algum voto no eleitorado agrícola.

Preocupante é também a opinião de outros dirigentes socialistas sobre a importância da agricultura; Recordo-me de António Costa (que na altura ainda seria Ministro da Administração Interna) mostrar-se indignado num debate porque a Europa gastava muito coma agricultura em comparação com a segurança; recordo também João Soares, a propósito da crise económica, sugerir que a Europa retirasse verbas do orçamento agrícola para combater a crise noutras actividades (se a memória não me falha, as duas intervenções foram na SIC Notícias). Esta “inveja” do orçamento agrícola comunitário só é possível pelo esquecimento de um aspecto fundamental: A PAC é a única política verdadeiramente europeia. Há algum sector do país (segurança, educação, saúde, etc) cujas competências dependam tanto de Bruxelas? Desde o calibre da fruta ao espaço para criar vitelos, tudo se transferiu para Bruxelas: a política e o orçamento para a executar. Não é sério comparar a PAC com qualquer outra política europeia onde os governos têm mais soberania política e orçamental.

Admitindo a hipótese de uma vitória socialista a 27 de Novembro, ninguém acredita que o actual ministro continue na área agrícola e o próprio já disse não estar agarrado ao lugar; Contudo, além da mudança de rosto e de estilo, importa que mude também a atitude, para que os próximos anos sejam de mais trabalho e menos guerrilhas.

Do lado da oposição, no início desta campanha continua tudo na mesma. Portas levanta bem alto (e muito bem!) a bandeira da agricultura, tal como fez ao longo dos últimos quatro anos, numa marcação cerrada ao ministro do sector, focada em aspectos concretos que passaram ao lado de outros líderes partidários. Falta-lhe apenas ouvir e expressar as preocupações e pontos de vista de todas as organizações agrícolas e não apenas de uma delas, por muito valor que tenha, porque a agricultura portuguesa é uma realidade diversificada com vários actores e várias perspectivas que podem e devem ser valorizadas.

Sendo menos mediática a intervenção da CDU, é justo reconhecer o trabalho intenso do seu grupo parlamentar na área agrícola, de que destaco a autoria de uma recente resolução sobre a crise do leite, aprovada por unanimidade na Assembleia da República.

Mais preocupante (para uns, para outros será um alívio) é o quase silêncio do Bloco de Esquerda sobre a agricultura. O “partido da moda”, que aposta no eleitorado jovem e urbano, passa ao lado da agricultura no seu discurso principal, excepção para uma “piada” de Louçã sobre Ferraris comprados com “subsídios agrícolas para não produzir”, num debate recente.

Das sucessivas lideranças do PSD nos últimos quatro anos pouco se ouviu sobre agricultura e o pouco foram essencialmente críticas aos atrasos nos subsídios, criticas justificadas mas que tal como as do PP ou das organizações agrícolas provocaram todo o tipo de afirmações do Ministro que nem vale a pena lembrar, até porque já passamos os últimos quatro anos a ser prejudicados por essas afirmações que atiraram poeira para o ar e sujaram a imagem dos agricultores por muito tempo. Voltando ao PSD, foi pouca atenção e pouca importância à situação da agricultura da parte de um partido que tem aspirações de voltar ao Governo.

Entre a “extrema esquerda ou a direita mais retrógrada”, entre as massas e as elites, todos, dirigentes, militantes ou simplesmente “votantes” precisam todos os dias dos alimentos que os agricultores produzem, do território que ocupam e da paisagem que preservam, hoje como amanhã. Por isso temos de lhes sugerir, a todos, mas sobretudo aos chefes, que não ignorem a agricultura nem esqueçam os agricultores, como fizeram nos últimos quatro anos.

Carlos Neves
Jovem agricultor

“Porque não se cala?” – Carlos Neves


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