1. Um dos principais desafios a enfrentar pela humanidade nas próximas décadas vai ser o de produzir os alimentos necessários para satisfazer, até 2050, as necessidades de mais cerca de 3 mil milhões de pessoas, com base em dietas saudáveis e acessíveis a todos, baseadas em sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis.
Portugal vai ter que, neste contexto, fazer crescer de forma significativa a produção nacional de produtos agrícolas e alimentares de qualidade destinada aos mercados interno e externos, com base em sistemas e estruturas de produção economicamente viáveis, ambientalmente sustentáveis e territorialmente equilibrados.
2. Dadas as características edafo-climáticas, sócio-estruturais e técnico-económicas da agricultura portuguesa, só será possível ultrapassar o desafio em causa se forem criadas as condições político-institucionais capazes de:
- promover ganhos crescentes de produtividade económica nos sistemas e estruturas de produção agrícola capazes de competir no contexto de mercados cada vez mais alargados e concorrenciais e sujeitos a uma procura alimentar cada vez mais exigente do ponto de vista sanitário e ambiental;
- assegurar a viabilidade económica daqueles sistemas de ocupação e uso dos solos agrícolas e florestais que, não tendo condições para vir a ser competitivos, possam desempenhar funções relevantes do ponto de vista da gestão dos recursos água e solo, da descarbonização da economia e da preservação da biodiversidade e da paisagem;
- incentivar a inovação e a internacionalização do sistema agroalimentar e florestal nacional.
A concretização destes objectivos vai depender, no essencial, de um tecido empresarial agrícola e rural nacional cada vez mais bem organizado, melhor qualificado, mais dinâmico e mais inovador, o que irá exigir a adopção, na próxima década, de um conjunto adequado de políticas e acções públicas no contexto quer do Plano Estratégico da PAC (PEPAC), quer do Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030.
3. O PEPAC, actualmente, em elaboração pelo GPP do Ministério da Agricultura irá enquadrar a aplicação em Portugal , no período 2021-2027, dos fundos do FEAGA (4.749 milhões de euros) e do FEADER (3.903 milhões de euros), 47,7% dos quais irão corresponder aos pagamentos directos aos produtores do 1º Pilar e 45,1% às verbas a afectar às medidas do 2º Pilar da PAC (Desenvolvimento Rural) que, no seu conjunto, irão constituir uma verba média anual de cerca de 1.200 milhões de euros durante os sete anos em causa.
Na minha qualidade de membro da Comissão de Acompanhamento da Reforma da PAC pós-2020, tenho-me debruçado atentamente sobre os documentos do GPP sobre o PEPAC, concordando, no essencial, com a visão estratégica e a lógica de intervenção propostas, discordando, no entanto, de algumas das opções propostas no âmbito das simulações apresentadas em relação aos diferentes tipos de intervenções a adoptar.
Não posso deixar de estar de acordo com uma visão estratégica que elege a gestão sustentável dos solos agrícolas e florestais como o fim último do respectivo planeamento estratégico, o qual irá exigir um conjunto coerente e eficaz de intervenções capazes de promover:
- não só uma presença activa das actividades agrícolas e florestais em todo o território nacional;
- como tambem e principalmente, um aumento sustentado do teor de matéria orgânica nos solos e uma melhoria da respectiva drenagem.
Concordo também com o GPP que a concretização desta visão irá implicar um conjunto de intervenções estratégicas capaz de contribuir para:
- uma maior equidade na repartição dos apoios ao rendimento agrícola, que minimize as actuais desigualdades entre as explorações agrícolas portuguesas;
- uma maior resiliência da capacidade produtiva agro-alimentar nacional num contexto socio-económico em acentuada recessão;
- promover uma melhoria do auto-abastecimento alimentar daqueles produtos que têm uma exagerada dependência em relação ao exterior;
- assegurar os compromissos assumidos no contexto do Roteiro da Neutralidade Carbónica (RNC 2050);
- contrariar a crescente degradação dos solos e a escassez de água disponível e promover a biodiversidade e as paisagens rurais;
- uma maior coesão económica e social dos territórios rurais mais fragilizados.
Já em relação às opções apresentadas pelo GPP para as diferentes medidas a adoptar no contesto do PEPAC 2021-2027, tenho manifestado algumas dúvidas quanto à sua coerência e eficácia face aos objectivos específicos visados, divergências estas que irão, certamente, ser levadas em consideração no processo de análise do PEPAC actualmente em curso.
4. Apesar da dimensão significativa dos fundos que irão estar disponíveis para financiar a agricultura e o mundo rural português no contexto do PEPAC, vai ser indispensável contar com as verbas do Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, no âmbito de um conjunto de acções identificadas no documento do Prof. António Costa Silva como dizendo respeito à Coesão do Território, Agricultura e Floresta.
De uma forma geral, considero como bastante relevantes os investimentos, programas e acções indicadas no documento em causa, como estando direccionadas para a promoção do Interior do País, as quais estão, aliás, em consonância com alguns dos objectivos específicos visados pelo PEPAC.
Gostaria de sublinhar dois projectos a cuja promoção tenho estado diretamente associado e que considero deverem ser financiados no contexto do Plano de Recuperação Económica:
- o Projecto Tejo, que corresponde a um Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Tejo e Oeste e que tem por objectivo garantir a disponibilidade em permanência de água no Rio Tejo, em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer todos os diferentes tipos de usos possíveis;
- a Iniciativa Pró-montado Alentejo que integra um conjunto diversificado de investimentos de protecção e fortalecimento da actual mancha de montado de sobro e azinho, com o objectivo último de se constituir uma Barreira Florestal contra a Desertificação.
Ambas as iniciativas têm como objectivo a melhoria da produtividade de extensas áreas agrícolas e florestais do Sul e Centro do País e, principalmente, contribuir de forma firme e decidida para uma gestão mais sustentável dos recursos solo e água e para o combate às alterações climáticas.
Trata-se de dois projectos que, tendo por promotores dois grupos distintos de empresários agrícolas e florestais, técnicos e académicos, já foram por eles apresentados aos respectivos centros de decisão política nacionais, aguardando-se agora que lhes seja dada a continuidade necessária para a sua futura concretização.
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGRO.GES