O Futuro do Ensino Agrícola em Portugal – Pedro Lynce de Faria

As dificuldades em preencher as vagas oferecidas aos candidatos ao ensino superior em geral, e em particular no ensino das ciências agrárias, obrigar-nos-ão certamente a reflectir sobre o tipo de ensino necessário para o novo milénio e quais as implicações sobre os actuais planos de estudo.

Esta realidade traz desde já duas preocupações acrescidas que serão necessárias ultrapassar, antecedendo qualquer análise pedagógico-científico: as necessidades e tipo de formação superior que o mercado necessita e o modo de financiamento.

Admite-se, face à evolução da agricultura portuguesa e conhecimento do mercado, a necessidade de existência de dois graus distintos: bacharel e licenciado. A atribuição do primeiro destes graus garantiria “o saber fazer”, podendo ocupar lugares especializados nas empresas ligadas à actividade agrária cujas exigências são cada vez mais elevadas, enquanto ao licenciado reconheceríamos a competência para o planeamento, o ordenamento e a investigação/experimentação, funções claramente incluídas no âmbito das engenharias.

Estes objectivos, tão diferenciados, dificilmente são conseguidos numa licenciatura que integra os graus anteriores, designados entre nós por bi-etápicas, de modo a que os formandos acumulem a totalidade das competências enunciadas anteriormente e satisfaçam as exigências de mercado.

Por outro lado, face à evolução da agricultura portuguesa, sente-se a falta de técnicos do “saber fazer”, enquanto a formação de licenciados corre o risco de ultrapassar as necessidades do País.

Tanto num caso como noutro, são cursos de custos elevados pois exigem a realização de trabalhos práticos com equipamentos onerosos. Por outro lado o “quadro preto” imprescindível para qualquer tipo de ensino é no caso presente substituído pelo “campo agrícola”, sobrecarregando deste modo o orçamento.

Para cursos que são na sua quase totalidade financiados pelo estado, a lei de financiamento do ensino superior influencia de modo decisivo o tipo de ensino. Esta lei, com vista ao futuro, tendo em atenção a remodelação do ensino superior agrícola, apresenta desde já duas deficiências que é preciso ultrapassar. A primeira refere-se à base de determinação que passa pelo número de alunos inscritos, que face à sua redução previsível afecta fortemente o orçamento final, enquanto a segunda diz respeito à dificuldade em implementar um ensino de qualidade, quando até ao momento a orientação apontava claramente para a massificação do mesmo. Estou pois em crer, que as remodelações necessárias exigem um acréscimo orçamental, quer venha da parte do Estado quer através do reforço das receitas próprias.

Ultrapassadas estas dificuldades, entramos no capítulo padagógico-científico, onde nos limitaremos a apontar cinco grandes princípios orientadores nos quais devem assentar os planos de estudo:

1. Cursos de base larga ao nível da graduação (bacharel e licenciatura), deixando as especializações para os cursos de pós-graduação:

2. As matérias a leccionar devem ter em atenção os programas do ensino secundário.

3. Os cursos de bacharel devem ter as seguintes características:

duração: 2 anos (4200 horas)

semestre: 15 semanas efectivas de aula

número máximo de disciplinas semestrais e ou anuais: 5

horas semanais: 35 horas de aulas

tipo de aulas:
– 2 h teóricas
– 3 h práticas
– 2 h trabalhos de campo

4. Os cursos de licenciatura em engenharia devem ter as seguintes características:

duração: 5 anos

semestre: 15 semanas efectivas de aulas

número máximo de disciplinas: 5

horas semanais: 25 horas

tipo de aulas:
– 3 h teóricas
– 2 h práticas

5. Cursos de especialização (pós-graduação) com a duração de 30 a 60 horas.

Provavelmente levantámos os problemas que neste momento podem condicionar o futuro do ensino agrícola em Portugal: tipo de ensino, financiamento e planos de estudo, que divergem claramente em relação à situação actual. Não nos parece contudo que uma mera opinião individual possa introduzir alterações significativas como as que são sugeridas, sendo necessário que os Conselhos Científicos tenham a consciência da situação, oiçam as forças empregadoras e tomem a iniciativa de introduzir as reformas convenientes de acordo com as necessidades do país, pois de contrário correm o risco de não terem alunos.

28/01/2000

Pedro Lynce de Faria
(Professor Catedrático do ISA)


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