A recente publicação na Imprensa escrita de dois artigos que envolvem a indústria de celulose deverá merecer de todos, quer dos agentes económicos do sector silvo-industrial nacional quer dos Decisores e da Sociedade Portuguesa, alguma reflexão.
Assim, enquanto num desses artigos se dá conta de eventuais indícios de actuação em “cartel” por parte das empresas de celulose, com impacto ao nível do preço da madeira pago à produção, noutra refere-se que o Grupo Portucel Soporcel, que domina praticamente 80% do mercado nacional de pasta celulósica e papel, registou em 2002 um acréscimo de 24,3% do resultado líquido consolidado. Logo, a questão que se coloca é de saber se o acréscimo registado pelo Grupo industrial, bem como o aumento do volume de negócios em 2,5%, não foi concretizado à custa da Floresta Portuguesa e dos agentes económicos que nela exercem a sua actividade.
Apesar da evolução internacional dos mercados da pasta celulósica e do papel nos últimos anos, o preço da madeira de eucalipto portuguesa pago à porta da fábrica a produtores e comerciantes de madeiras não sofre alteração desde 1995. O valor de 45 euros por metro cúbico sólido sem casca de madeira de eucalipto mantém-se assim constante apesar dos aumentos dos factores de produção e dos custos da mão-de-obra.
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O decréscimo do valor pago à produção pela madeira de eucalipto, a preços correntes, tem ainda sido acompanhada de importações de madeira do exterior, acção essa protagonizada também pelo Grupo Portucel Soporcel, entidade detida maioritariamente pelo Estado Português. Tais importações foram efectuadas inclusive em período de excesso de produção nacional e o custo unitário da madeira importada ascende praticamente ao dobro da madeira nacional, apesar ainda do menor valor tecnológico da primeira. Esta situação provocou em 2002 graves prejuízos financeiros quer a produtores quer a comerciantes de madeiras, tendo sido evidente alguma crispação no sector, tradicionalmente muito conservador.
Com a política de preços do Grupo Portucel Soporcel, para além dos produtores florestais terem visto reduzidos os seus rendimentos, com maior impacto nas regiões de minifúndio, o sector da prestação de serviços e comércio de madeiras, constituído na sua quase totalidade por micro e pequenas empresas de cariz rural e familiar, tem suportado elevados encargos financeiros, a incapacidade de substituir os seus equipamentos e, por último, a falência e o encerramento, situação com impacto considerável ao nível do emprego rural. A resposta deste subsector à necessidade de melhoria da eficiência invocado pela indústria pasteira, levou a que muitas empresas investissem nos últimos anos em equipamento tecnologicamente avançado. A não garantia dos fornecimentos, designadamente pela inexistência de contratos plurianuais, levou a que muitas empresas não consigam suportar os serviços de crédito bancário contratado, sendo agora presas fáceis das “ofertas” de empresas industriais que protegem actuações menos escrupulosas.
Estando prevista para breve a segunda fase de privatização do Grupo Portucel Soporcel, com a alienação de parte das acções detidas pelo Estado, não parece assegurada a manutenção em mãos nacionais das decisões futuras do Grupo, muito menos parece existir a possibilidade de pequenos subscritores, designadamente ligados à actividade florestais, sejam produtores sejam comerciantes e prestadores de serviços, poderem vir a ter voz activa em tais decisões, aliás como acontece em países desenvolvidos da União Europeia.
Com o impacto do Grupo Portucel Soporcel na economia agrária nacional, a inexistência de mecanismos de regulação pode vislumbrar situações futuras com impacto negativo para o sector, bem como o assumir de posições de conflito indesejável para a competitividade externa da fileira silvo-industrial nacional, com efeitos prejudiciais não só nos planos económico e social, mas sobretudo na vertente ambiental, podendo-se inclusive comprometer compromissos internacionalmente assumidos por Portugal.
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Secretário Geral
ANEFA, Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente