A Comissão Europeia realizou um estudo de impacto na agricultura do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que apresentou no dia 21 de Junho, no Parlamento Europeu. As conclusões não podiam ser mais claras na afirmação de que “o impacto geral de um possível acordo de livre comércio UE-Mercosul é negativo para a agricultura europeia, mas a intensidade dos efeitos varia consideravelmente conforme os produtos, as regiões e os cenários de liberalização.”
Com efeito, este estudo de impacto apresenta quatro diferentes cenários ou níveis de liberalização traçados a partir do anterior curso das negociações (oferta de uma liberalização a 85% pela União Europeia; em 2004, reivindicação de uma liberalização a 100% pelo Mercosul, em 2006) e todos eles revelam dados negativos para a agricultura europeia com particular destaque para a redução da produção, o abaixamento dos preços dos produtos e a diminuição do rendimento dos agricultores, entre 2,3% e 3,2%.
Podíamo-nos perguntar se, perante um cenário definitivamente negativo no que se refere ao impacto deste acordo na agricultura, ele se virá a concretizar. Afinal, as negociações entre a UE e o Mercosul já antes se haviam iniciado, em 1999, tendo terminado em 2004 num impasse. Por isso, quando foram retomadas em 2010, muitos consideraram que estariam mais uma vez votadas ao fracasso. Eis o que não parece verificar-se. Com efeito as negociações progrediram muito rapidamente e em Abril passado as previsões eram as de que a dimensão técnica do programa ficasse acordada antes do Verão e que o acordo político se concluísse em Outubro de 2011, para que pudesse ser formalmente assinado em Janeiro de 2012.
Este calendário, entretanto, já não será cumprido devido ao facto da quarta ronda de negociações, que decorreu no Paraguai entre 2 e 6 de Maio, ter sido palco para a expressão de vários descontentamentos. A Argentina e o Brasil não estão de acordo com a oferta feita pela União Europeia ao nível dos produtos industrializados e a Argentina pretende que os termos definitivos do acordo só sejam negociados após as suas eleições presidenciais, em Outubro próximo. Pelo seu lado, a França, que é tradicionalmente contra todos os acordos bilaterais, e que também já vinha tentando travar este processo, colaborou com a Argentina, com o argumento comum de que ambos os países se preparam para eleições importantes, sendo as eleições presidenciais francesas em Abril de 2012. Actualmente já não se esperam avanços muito significativos antes desta data. Ganhou-se assim algum tempo extra para procurar prevenir e/ou minimizar os impactos mais negativos sem que, todavia, a celebração deste acordo esteja verdadeiramente em causa.
Parece-me muito difícil travar um acordo que, em termos gerais, se apresenta como francamente positivo para a União Europeia, abrindo-lhe um acesso fácil a mais 700 milhões de consumidores, o que se deverá traduzir num aumento de 0,2 do Produto Interno Bruto da União, com uma rentabilidade situada entre os 14 e os 21 biliões de euros – o que é do interesse não apenas de alguns poucos Estados-membros da União mas da sua maioria. O único sector europeu prejudicado será o da agricultura. A União Europeia trocará assim produtos industriais e serviços, cujas exportações tenderão a duplicar, pela abertura das suas fronteiras aos produtos agro-pecuários do Mercosul, prevendo-se um decréscimo da produção europeia entre 3 e 5 biliões de euros que a Comissão Europeia estima sejam largamente compensados pelos ganhos nos outros sectores. A Comissão Europeia perspectiva este acordo como um passo fundamental para um futuro mercado global.
Perante este quadro bastante negativo para a agricultura europeia, quando a soberania alimentar da Europa deveria ser uma estratégia política do presente e do futuro, o estudo acerca do impacto do acordo entre a UE e o Mercosul na agricultura afirma que “a média geral do impacto disfarça efeitos muito mais pronunciados em sectores específicos da agricultura e tendem a concentrar-se em regiões vulneráveis, que têm uma forte especialização nas produções mais sensíveis.” A Comissão Europeia reconhece que as regiões mais prejudicadas são as que se especializaram na produção de carne de bovino e hortícolas e frutícolas. Os sectores da carne de aves, leite em pó e produtos lácteos serão igualmente dos mais afectados.
A este propósito, lembremos apenas alguns números elucidativos, quase 80% da carne importada pela União Europeia vem do Mercosul, podendo este acordo aumentar em 70% a importação de carne de bovino sem qualquer imposto alfandegário. Em termos gerais, o deficit comercial agrícola da UE com o Mercosul duplicou na última década e, actualmente a União importa produtos agrícolas procedentes do Mercosul no valor de 19.000 milhões de euros contra os 1.000 milhões de exportação. Além disso, como é do conhecimento comum, os custos de produção dos agricultores do Mercosul são bastante inferiores aos dos agricultores europeus, devido às diferentes regras e, sobretudo, diferente fiscalização das regras fitossanitárias, agro-ambientais, de bem-estar animal, etc. a que uns e outros obedecem.
Em síntese, assumindo que é altamente provável que o acordo UE-Mercosul se venha a efectivar e que, neste caso, e em qualquer situação, a agricultura seja fortemente prejudicada, muito em particular os sectores sensíveis, como o da carne, e as regiões vulneráveis o fundamental é proceder, de imediato e com a máxima celeridade a estudos que, a partir dos prejuízos apontados pela Comissão Europeia, estabeleçam medidas de compensação necessárias para a manutenção e/ou reestruturação destes sectores nas suas respectivas regiões tradicionais, particularmente as mais vulneráveis e com reduzida capacidade de reconversão de sectores. Estas compensações deverão desdobrar-se em diferentes componentes, desde as ajudas à produção a campanhas de promoção de ao consumo regional, nacional e europeu, passando pela activação de outros mecanismos de mercado calculados como mais convenientes.
Neste âmbito, considero ainda que o sector agrícola português não pode adoptar uma atitude reactiva, vindo a avaliar e quase inevitavelmente a criticar as decisões que vierem a ser tomadas pela União Europeia ou a ausência das mesmas. A atitude terá de ser pró-activa, não apenas protestando contra o acordo em curso, mas propondo medidas concretas que garantam a sustentabilidade da agricultura portuguesa e o seu desenvolvimento no futuro. O protesto, que tem sido feito, é importante para tentar influenciar os termos do acordo e ganhar capital político; o elencar de medidas concretas compensatórias, adequadas ao tecido agrícola português, tem de estar a ser feito.
Entretanto, e como nota final, importa referir que a Comissão da Agricultura do Parlamento Europeu, no passado dia 12 de Julho, votou desfavoravelmente o acordo da UE com Marrocos no que se refere a uma mútua liberalização no âmbito dos produtos do sector primário. Ora, considerando que há uma clara tendência do Parlamento Europeu para, em nome de equilíbrios políticos frequentemente associados, aceitar acordos comerciais com fortes impactos negativos no sector primário europeu (e o grupo socialista, inclusivamente os seus deputados portugueses, votaram favoravelmente este acordo, acompanhando o grupo dos liberais), este voto negativo da maioria dos deputados da Comissão da Agricultura ao acordo da UE com Marrocos constitui um sinal muito importante para a Comissão Europeia, um aviso do que poderá vir a acontecer também com o acordo UE-Mercosul.
M. Patrão Neves
Deputada ao Parlamento Europeu eleita nas listas do PSD