Carlos Neves

O leite já é nacional, falta o preço justo – Carlos Neves

“Pelo futuro de Portugal beba leite nacional!” Gritámos pela primeira vez esta frase em Junho de 2009, numa manifestação entre o “Feira Nova” (agora “Pingo Doce”) da Póvoa de Varzim e o “Modelo” (agora “Continente”) de Vila do Conde. Juntámos associações, cooperativas, 1000 agricultores e levámos as nossas famílias e os nossos filhos com uma faixa “O nosso futuro depende do consumo do leite nacional”. Saímos à rua porque a produção de leite atravessava “uma fase crítica, com preços ao produtor abaixo dos custos de produção e dificuldade de escoamento do leite produzido”. Alertámos que produzíamos “leite de qualidade e em quantidade suficiente para as necessidades do país, mas as importações duplicaram” pelo que apelámos aos consumidores “para escolherem leite nacional, com o símbolo PT, porque só essa opção defende a independência e segurança alimentar do nosso país”. Desafiámos ainda a distribuição a “facilitar o acesso dos consumidores aos nossos produtos. Queremos que os hipermercados não sejam adversários mas parceiros estratégicos e tenham consciência da sua responsabilidade social (…) Por trás de um copo de leite há todo o trabalho de muitos milhares de pessoas entre fornecedores de serviços e produtos aos agricultores e ainda outros milhares na recolha e transformação dos lacticínios.”

Repetimos essa ideia vezes sem conta ao longo desses anos, batemos nessa tecla em comunicados, conferências de imprensa, manifestações a pé, de trator e concentrações à porta de superfícies comerciais a mostrar o leite e produtos lácteos importados. Uma das ações mais arriscadas foi a “invasão” de um supermercado para etiquetar leite importado e comprar 1000 litros de leite nacional para o banco alimentar contra a fome. Mas foi graças a essas e outras ações persistentes que hoje a rotulagem da origem do leite é obrigatória e hoje os supermercados não se limitam a colocar a origem do leite em letra pequenina: Agora tem orgulho em mostrar a origem nacional do leite que vendem, destacam bem isso na embalagem em letras gordas e até vieram ao campo português à procura de produtores para os abastecerem diretamente em vez de importar da França, Espanha e Polónia como no passado. E conseguimos isso sem bloqueios, sem violência, sem colocar o consumidor contra o produtor mas com persistência e com união do setor em torno de um objetivo comum. Quando somos capazes de unir sem excluir somos mais fortes e atingimos os objetivos que os agricultores merecem.

O leite disponível para o consumidor já é nacional, falta ser pago a um preço justo aos agricultores. Já não pode haver desculpas com a importação de leite mais barato pelos hipermercados, também porque o leite tem sido pago aos produtores do resto da Europa a preços consistentemente superiores à média nacional. Já passou a fase de guerras de preços e promoções loucas entre supermercados, mas continuam a surgir regularmente promoções de leite que devia transformado e valorizado em vez de ser colocado no mercado abaixo do custo de produção. É preciso passar das desculpas do costume para objetivos a atingir. Falta ambição às nossas indústrias e cooperativas. Ambição de atingir ou superar o preço médio da Europa ao produtor. Ambição de passar do desânimo e das decisões errantes à motivação e à esperança. Ambição de acompanhar a subida dos fatores de produção e da mão-de-obra, cada vez mais cara e difícil de encontrar. Ambição de pagar um preço do leite que permita pagar os custos de produção, amortizar os investimentos e pagar de forma justa o trabalho dos agricultores, das suas famílias, dos seus colaboradores e de todos os que trabalham nesta cadeia do prado ao prato.

Por Carlos Neves, agricultor, produtor de leite e vice-presidente da APROLEP

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