O mundo novo da agricultura científica em Santarém

Vai já na 61.ª edição a Feira Nacional de Agricultura (também Feira do Ribatejo), que está a decorrer no CNEMA, em Santarém, até ao próximo domingo, dia 15 de junho. A Rádio Observador associou-se a este evento, um dos maiores do setor agrícola no nosso país, com uma emissão ao vivo, na passada segunda-feira, conduzida por João Miguel Santos, e pela qual passaram vários protagonistas deste setor.

O primeiro tema em análise foi o azeite, ingrediente essencial da mesa dos portugueses, mas que se tem vindo a afirmar em mercados que não são os tradicionais. José Manuel Fernandes, publisher do Observador, referiu-se precisamente ao modo como a cultura do olival tem evoluído, ganhando em qualidade, à imagem do que já acontecera com os vinhos. “O olival super intensivo tem uma má imprensa, mas o que habitualmente não se diz é que há outras culturas, como a laranja do Algarve, que consomem muito mais água”, explicou. O facto é que “nos últimos anos, passámos de uma situação em que éramos importadores para nos tornarmos exportadores de azeite”.

Francisco Pavão, vice-presidente da Confederação de Agricultores Portugueses (CAP), sublinhou a importância económica desta transformação, mas considerou que ainda não chega: “O nosso objetivo é aumentar a notoriedade do azeite português, mesmo no mercado interior. Mesmo em Portugal, o consumo das outras gorduras ainda é superior ao do azeite.” Para mudar este comportamento, os produtores esperam contar com a colaboração de chefs, escolas de hotelaria e com o trabalho nas escolas em prol da educação alimentar. Sobre as críticas ao setor, Francisco Pavão não hesita em declarar: “Temos muitos detratores por ignorância. As pessoas desconhecem, por exemplo, que a produção de azeite é muito eficiente na economia circular, produzindo bagaço através da compostagem de resíduos, por exemplo.” E deixou um alerta aos consumidores: “Muito cuidado com o azeite vendido à beira da estrada. Não tem rótulo, não tem controlo e ninguém sabe ao certo do que é feito.”

Gonçalo Morais Tristão, presidente do Centro de Estudos e promoção do azeite do Alentejo, começou por salientar que a sua região beneficiou muito com a obra do Alqueva: “Hoje temos dos melhores azeites e lagares do mundo.” O que lhes falta, ainda assim? “Fortes campanhas de publicidade como faz Espanha, que é o maior produtor mundial de azeite.” Para Gonçalo Morais Tristão, a ligação aos chefs é um aspeto a melhorar: “São eles os melhores embaixadores das nossas marcas.”

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Na segunda parte do Contra-Corrente, Helena Matos recordou campanhas antigas de apelo ao consumo do azeite, como as lideradas pelo cardiologista Fernando Pádua. José Duarte, presidente da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos, referiu-se “à falta de coesão territorial, mesmo no próprio Alentejo, como um obstáculo a uma maior produtividade”.

À tarde, a emissão foi retomada com a “revelação” de que o Brasil também aposta na olivicultura. Em estúdio esteve Helena Pan Rugieri, coordenadora-geral da Qualidade Vegetal, do Ministério da Agricultura do Brasil, que veio a Portugal e Espanha buscar conhecimento (e especialistas) sobre o tema. Mostrando-se “impressionada com a conversão dos olivais portugueses” a novas formas de produção, disse que, no seu país, “já há uma produção pequena, ainda em início de atividade, mas que a ideia é fazê-la crescer”. Isto porque o “o Brasil é o segundo maior importador de azeite do mundo”.

A tarde prosseguiu com Vasco Gracias, diretor-executivo do CNEMA, a falar sobre a programação desta Feira de Agricultura, seguindo-se o debate sobre as Biosoluções (tema principal desta edição), com Armando Oliveira, administrador delegado da REPSOL Portugal, Filipa Sacadura, secretária-geral da P-BIO — associação que representa empresas de biotecnologia —, e Nuno Nascimento, diretor de estratégia e transição energética da Floene. Armando Oliveira falou do combustível feito de resíduos agrícolas (deu como exemplo, os restos de melão que podem ser queimados e utilizados), mas que ainda não pode ser comercializado em Portugal, porque, ao contrário do que acontece noutros países europeus, ainda não está regulamentado.

Nuno Nascimento abordou, também ele, “o enorme valor energético dos resíduos agrícolas”, batendo-se pelo recurso a gases renováveis, como o biometano. Por sua vez, Filipa Sacadura mostrou a vasta paleta de recursos energéticos que a natureza tem para oferecer à Economia e ao setor agrícola em particular. Só há um obstáculo, em seu entender: “A entidade reguladora e a própria sociedade nem sempre são recetivos.”

Do campo à mesa é o caminho feito pela maior parte dos produtos agrícolas e foi disso que nos falou o chef Rodrigo Castelo, que insistiu na “importância de trabalhar com os produtos locais”, acrescentando que é, para ele, “uma sorte ser cozinheiro no Ribatejo”, dada a variedade (e qualidade) de recursos proporcionados quer pelo campo, quer pelo rio. Ana Montes, coordenadora da Fnazinha (parque da FNA destinado às crianças), apresentou algumas das atividades pedagógicas presentes no recinto.

O crescente valor económico do turismo de habitação em espaço rural foi debatido no painel seguinte com Francisco de Calheiros, presidente da TURIHAB — Associação do Turismo de Habitação, Luís Dias, proprietário da herdade de Barradas da Serra, em Grândola, e Tiago Simões de Almeida, diretor de Financiamentos Estruturados do BPI. Todos foram unânimes em considerar muito interessante o potencial económico deste subsetor, “complementar à atividade agrícola”, mas alertando também para alguns riscos. Luís Dias alertou mesmo para o facto de “estarmos a cometer erros que já foram cometidos noutras geografias”.

Houve ainda tempo para o crítico gastronómico Edgardo Pacheco realizar uma prova de azeites em estúdio, demonstrando que o grau de acidez não é, afinal, o único, nem sequer o melhor, critério para avaliar a qualidade de um azeite.

A terminar esta emissão especial em direto da FNA, o cinquentenário da CAP (a celebrar em Novembro próximo) também esteve em análise por Álvaro Mendonça e Moura , presidente desta confederação, Luís Mira, seu secretário-geral, e o agricultor Joaquim Nazaré Gomes, fundador e um dos participantes nos acontecimentos de Rio Maior que, no verão quente de 75, conduziram à criação deste organismo. Este último painel não foi, no entanto, um exercício de nostalgia, antes uma chamada de atenção para a diferença entre a real vitalidade do setor agrícola e a sua perceção pela sociedade. Álvaro Mendonça e Moura frisou que “a percentagem de agricultores portugueses com menos de 40 anos não excede os 4%”. Isso fica a dever-se, em seu entender, “a um problema demográfico gravíssimo, com um envelhecimento pronunciado da população”, mas também à “pouca atratividade do setor para os mais jovens.” O que, complementou Luís Mira, “não tem razão de ser, porque já há atividades, como a olivicultura, que são muito rentáveis”.

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