A actividade do sector agrícola nacional em 2022 foi caracterizada, no essencial, por condições climáticas bastante adversas e por uma escalada nos preços dos factores e dos produtos agrícolas, cujo impacto sobre os resultados económicos sectoriais vem bem expresso nos dados da Primeira Estimativa das Contas Económicas da Agricultura de 2022, do INE, recentemente publicada.
O volume da produção agrícola, medido, a preços no produtor constantes, registou o maior decréscimo dos últimos dez anos (-5,5%), o qual foi muito mais significativo em relação ao volume de produção vegetal (-8,1%), do que da produção animal (-0,3%).
No que se refere à produção vegetal, as quebras no respectivo volume foram particularmente acentuadas no caso dos cereais (-12,9%), plantas forrageiras (-10,5%), batatas (-17,3%), vinho (-15%) e azeite (-9,1%). No caso da produção animal, as alterações nos respectivos volumes da produção, variaram entre o leite (-2,7%) e a carne de bovinos (+4,1%).
Estes decréscimos nos volumes da produção vegetal e animal foram acompanhados por uma redução no volume do conjunto dos consumos de factores intermédios (-6,2%), o qual foi especialmente significativo no caso das sementes e plantas (-12,9%), na energia e lubrificantes (-6,2%) e nos adubos e correctivos (-27,3%).
Por seu lado, a escalada dos preços à escala mundial, iniciada na segunda metade de 2021 e agravada após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, teve como consequência, em Portugal, a ocorrência de aumentos, em 2022, nos preços no produtor do conjunto dos factores intermédios de produção agrícola (+26,6%) e dos produtos agrícolas vegetais (+9,5%) e animais (+24,4%).
Em relação aos preços no produtor dos consumos intermédios, os acréscimos verificados foram particularmente elevados no caso dos adubos e correctivos (+90,7%), energia e lubrificantes (+43,4%) e alimentos para animais (+37,2%).
Por seu lado, as variações no valor nominal dos preços no produtor dos produtos vegetais, registaram aumentos médios anuais mais acentuados para os cereais (57,6%), plantas forrageiras (+41,9%), batatas (+40,2%), vegetais e produtos hortícolas (+14,2%) e azeite (+13,8%).
No que se refere aos preços no produtor dos produtos animais, é de salientar os acréscimos nos respectivos valores nominais, no caso do leite (+25,6%) e das carnes de bovinos (14,5%), suínos (+24,2%) e aves (+29%).
Importa, neste contexto, sublinhar que as transferências de rendimento geradas pelos pagamentos directos aos produtores em vigor, registram, a preços nominais, um ligeiro aumento (+2,6%) entre 2021 e 2022, o qual foi mais significativo para os pagamentos ligados à produção (+7%) do que para os desligados da produção (+1,7%).
Da conjugação das alterações verificadas em 2022 em relação a 2021, dos volumes e dos preços no produtor das produções agrícolas e dos respectivos consumos intermédios, assim como, dos valores dos pagamentos directos aos produtores em vigor, resultaram impactos económicos para a Agricultura Portuguesa maioritariamente negativos.
O produto agrícola bruto em volume (VAB a preços no produtor constantes) registou um decréscimo de -4,2%, enquanto que em valor (VAB a preços no produtor correntes) teve um decréscimo ainda maior (-11,8%).
O rendimento do sector agrícola (VAB a custo de factores a preços correntes) registou um decréscimo entre 2021 e 2022 de -8,1%, enquanto que o rendimento médio dos produtores agrícolas (rendimento dos factores por UTA deflaccionado pelo IPIB) viu o seu valor variar de -11,8% no período em causa. Importa, neste último caso, sublinhar que as perdas de rendimento verificadas, só marginalmente resultaram de quebras na respectiva competitividade económica (-2,6%), sendo, portanto, maioritariamente explicadas pela deterioração verificada nos termos de troca dos preços agrícolas (-10%).
Por último, importa salientar o impacto muito negativo que o comportamento económico do sector agrícola português teve em 2022 sobre o poder de compra médio do rendimento de origem agrícola dos agricultores e suas famílias, medido pelo rendimento empresarial líquido (REL) por unidade de trabalho ano agrícola familiar (UTAF) deflaccionado pelo índice de preços no consumidor (IPC).
Dos decréscimos verificados, em 2022 face a 2021, do REL do conjunto das explorações agrícolas portuguesas (-22,1%) e do número total de UTAF (- 1,8%) e do aumento de 7,8% do índice de preços no consumidor nacional, resultou um decréscimo do poder de compra médio dos agricultores e suas famílias de -24,6%.
Esta quebra de poder de compra, sendo a segunda mais elevada nas últimas duas décadas, é muito superior à verificada, quer para a mão-de-obra assalariada agrícola (-1,4%), quer para a correspondente ao ganho médio de trabalhadores por conta de outrem (-4,1%).
Importa, no entanto, realçar que o poder de compra médio dos agricultores teve um crescimento muito significativo na última década ultrapassando, em 2019, o poder de compra dos assalariados agrícolas e, em 2021, o poder de compra médio do conjunto dos trabalhadores por conta de outrem, situação esta que se voltou a inverter neste último ano (Figura).
Figura – Evolução do poder de compra dos agricultores, assalariados agrícolas e trabalhadores por conta de outrem, nas últimas décadas (1000 € a preços reais de 2022)
- Poder de compra médio anual medido pelo REL por UTAF deflaccionado pelo IPC
- Poder de compra médio anual medido pelos montantes dos salários agrícolas anuais por UTA assalariados e deflacionado pelo IPC
- Poder de compra anual medido pelo ganho médio dos trabalhadores por conta de outrem deflaccionado pelo IPC
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGRO.GES
Manuela Nina Jorge
Diretora Geral da AGRO.GES