O preço do leite e a parábola da mangueira furada

Ontem publiquei a foto de uma fuga de água num acessório de rega – para os entendidos, um engate “Bauer” em ferro galvanizado. Quem olhou com atenção percebeu que numa peça de metal que devia ter a cor cinza da galvanização havia pontos de ferrugem e quem tem experiência com estas peças sabe que enferrujam de dentro para fora (onde passa a água) e, portanto, em breve haverá mais fugas e terei de trocar a peça em causa, que deve ter 10 ou 15 anos. É trabalho normal dos primeiros dias de rega. Também é normal nas mangueiras flexíveis aparecerem fugas, ao fim de alguns anos de uso. Em 2017, escrevi um texto sobre isso, então publicado no “Terras do Ave”, que vem a propósito recordar, por ser um problema na ordem do dia.

«Comecei a cultivar um terreno o ano passado. Levei para lá uma maquina de rega de fabrico artesanal, uma “geringonça” conhecida por “bicicleta”, por causa da sistema que a faz mover arrastando uma mangueira flexível como as que usam os bombeiros (preferia usar uma máquina melhor, mas com o preço que recebemos pelo leite nos últimos anos…) Essas mangueiras flexíveis e que se “espalmam” são mais fáceis de arrumar que os tubos pretos rígidos mas são mais caras e degradam-se ao fim de uns anos, começando a surgir furos que aumentam cada vez mais. O ano passado coloquei alguns remendos, foi perdendo água mas lá fui regando. Com mais um ano em cima, os furos aumentaram. E eu, pacientemente, levei fita-cola e fios de fardo para reutilizar e lá passei uma boa meia hora a fazer remendos ao longo da mangueira. E outra meia hora noutro dia. O problema é que a gente tapa num lado e abre noutro. E eu pensei no preço do leite que é baixo e é preciso conter as despesas, adiar os investimentos, e lá deixei a rega com a mangueira furada, mais um mês e já acabava… e perdendo metade da água pelo caminho, a correr para a parte de baixo que nem precisava de rega… até ao dia em que vi o milho à sede e percebi que o jato de água do aspersor já não atingia os metros suficientes para regar todo o terreno… e perdi o amor ao dinheiro, fui à cooperativa e comprei uma mangueira nova…

Em pouco mais de uma hora ficou a mangueira no sítio, foi só trocar os acessórios de engate e bem… a rega ficou completamente diferente. Agora o aspersor atira tão longe que até dá para regar o milho do vizinho (e ele merece, porque me deixa passar pelo terreno dele quando preciso), a água dura muito mais tempo, rego mais depressa toda a parcela, com mais eficiência, pois gasto menos água, menos eletricidade e fica melhor regado o milho. Olhando para isto tudo, fiquei a pensar nos milhões que o consumidor paga pelo leite, pela manteiga, pelos queijos, iogurtes e outros produtos lácteos e no valor que se perde pelo caminho até chegar ao produtor. E nós, produtores, andamos tão ocupados a trabalhar que não tiramos um bocado de tempo para fazer perguntas, para ler relatórios e ver onde estão as fugas de valor… às vezes pode ser um pequeno remendo a resolver a situação, outras vezes pode ser precisa uma mudança geral. Há que tirar tempo, avaliar bem e não ter medo de mudar o que for preciso.»

#carlosnevesagricultor
#preçojustoparaaproduçãodeleite

20210709_194311.jpg

parabola da mangueira.jpg

O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.


Publicado

em

, , , ,

por

Etiquetas: