galinha

O que desapareceu primeiro: os ovos ou as galinhas?

A gripe está a matar milhões de aves no mundo e começa a tornar-se endémica. Portugal, para já, tem conseguido manter a sua produção protegida, o que não impediu que houvesse faltas pontuais de ovos.

É Natal e na cozinha de uma casa portuguesa preparam-se os doces da época. Mas, desta vez, há um problema inesperado: é preciso ir a três supermercados até encontrar ovos. E, quando finalmente se encontraram, estão bastante mais caros do que o habitual. O que é que aconteceu?

São sete da manhã e, numa casa americana, a família, habituada a comer ovos ao pequeno-almoço, indigna-se com a situação: há várias semanas que estes faltam nas prateleiras das lojas. Que raio se passa com os ovos?

Na exploração de um grande produtor nos Estados Unidos, o cenário é desolador. A doença alastrou em menos de nada. Desde que se detectaram os primeiros animais doentes com gripe asiática, foi um instante até toda a produção estar contagiada. Não resta muito mais a fazer. Vai ser preciso abatê-los todos.

As três situações acima descritas são fictícias, mas correspondem a uma realidade que nos últimos meses se repetiu em várias casas, de diferentes países, e em aviários dos EUA à Europa. O que explica o mistério da falta de ovos? Ou, numa citação livre de um texto do The New York Times, o que é que desapareceu primeiro: o ovo ou a galinha?

“Em 2022, tivemos a maior epidemia de gripe asiática dos últimos anos”, confirma Tiago Grosso, consultor na área da avicultura e professor convidado da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. “No padrão anterior, tínhamos casos recorrentes, com picos em Dezembro. Mas no ano passado o vírus esteve presente todo o ano, mesmo no Verão, no período mais seco.”

Os dados apontam para 208 milhões de aves vítimas da doença em todo o mundo, no mais recente surto de um vírus detectado pela primeira vez em meados da década de 90 do século passado.

A gripe das aves não é a única explicação para a escassez de ovos, mas teve um impacto enorme no cenário que se apresentou aos consumidores no final do ano passado. A ela somaram-se, naturalmente, os efeitos da guerra na Ucrânia e o aumento dos custos das rações e de outros factores de produção.

Foi este conjunto de circunstâncias que veio revelar, mais uma vez, as fragilidades do sistema alimentar mundial, como tinha já acontecido com a pandemia de covid-19 e com a invasão russa do território ucraniano.

Natal sem ovos?

“Em Portugal, na época do Natal há sempre acréscimo do consumo. Na Páscoa também, mas menos, e sobretudo a norte. No resto do ano, o consumo é mais ou menos constante”, diz Paulo Mota, da Associação Nacional de Avicultores Produtores de Ovos (ANAPO). “Portugal [que tem vindo a crescer solidamente na exportação de ovos] tem, em condições normais, capacidade para abastecer o mercado ao longo do ano, com excepção do Natal.”

Para responder ao pico de procura, importam-se ovos, normalmente de Espanha. “Acontece que o preço dos ovos no mercado internacional está muito acima do que tem sido o normal”, explica. “Espanha, pelo menos no sector dos ovos, é um país especulador, que produz em excesso precisamente para exportação.”

Como França e Inglaterra sofreram “um decréscimo de produção muito grande devido à gripe das aves”, tendo sido obrigados a abater muitos animais, tiveram de importar muito mais ovos do que habitualmente. “E Espanha, em vez de exportar para Portugal, acabou por exportar para quem paga mais.” Daí a escassez verificada pontualmente no final de 2022. Neste momento, a situação está mais equilibrada, apesar de, em muitos casos, os preços se manterem acima da média.

Paulo Mota não tem ainda os números relativos ao mês de Dezembro, mas os dados que existem até ao final de Novembro apontam para um aumento geral do consumo de ovos pelos portugueses. “Em comparação com 2021, tivemos um acréscimo de consumo na ordem dos 7,6%.” Qual a explicação para isso? “Apesar do acréscimo de preço, continua a ser uma proteína barata e acessível quando comparada com outras.”

Galinhas em casa

“Habituem-se aos ovos caros”, avisava em Janeiro a revista norte-americana The Atlantic, traçando o quadro da situação complicada que se vive nos EUA, com a dúzia de ovos a atingir quase 5 dólares em Dezembro, comparados com os 1,78 de um ano antes (neste momento, o preço está em redor dos 3,40 dólares).

Nos últimos 12 meses, refere a Atlantic citando dados do Departamento de Agricultura, “mais de 57 milhões de aves morreram com gripe”. Sendo o nível de contágio altíssimo — quando numa produção são detectados os primeiros animais doentes, é necessário tomar medidas drásticas e abater todo o bando.

Nos EUA, usa-se um eufemismo para falar deste abate em massa: “despovoar” (depopulate). E as medidas de “despovoamento” levaram já ao abate de 44 milhões de galinhas poedeiras desde o início do surto, o que, segundo o The New York Times, “reduziu o abastecimento doméstico de ovos numa média de 7,5% mensalmente”. Retomar a produção com um novo bando saudável demora entre quatro e cinco meses.

Perante esta situação, verifica-se já um novo fenómeno, com particulares a comprarem galinhas poedeiras para terem em casa os seus próprios ovos. O The New York Times chama-lhes as “galinhas da inflação” e conta que as empresas que vendem estes animais começam a esgotar os stocks, sobretudo das raças mais produtivas.

O especialista em avicultura Tiago Grosso não esconde a preocupação com o que está a tornar-se um problema endémico. As medidas de controlo passam sobretudo pela biossegurança e por um rigor acrescido no que diz respeito à higiene. “Um pouco à semelhança do que fez a China com o SARS-CoV2, o objectivo é não ter casos. Qualquer caso que surja, os animais são imediatamente abatidos e cria-se uma zona de controlo de dois quilómetros e uma zona […]

Continue a ler este artigo no Público.


Publicado

em

,

por

Etiquetas: