Ao Orçamento o que é do Orçamento. À Concertação o que é da Concertação.
Ao longo dos últimos dias a discussão política respeitante ao Orçamento de Estado para 2022 tem-se centrado pouco em questões orçamentais e mais em questões da temática laboral, que não têm diretamente a ver com matéria financeira. Isso foi tornado ainda mais evidente com a materialização, ontem, por parte do Bloco de Esquerda, de um conjunto de nove exigências para a viabilização do Orçamento, das quais cinco (a maioria) são alterações ao Código do Trabalho.
A discussão em torno do Orçamento está a transformar-se numa batalha sobre a legislação laboral, o que é inaceitável, sobretudo quando, em sede de Concertação Social, estão a ser discutidas importantes matérias laborais.
A César o que é de César. Ao Orçamento o que é do Orçamento. À Concertação o que é da Concertação.
A discussão de legislação e regulação laboral tem um tempo e um modo próprio. Institucionalmente, a sede de discussão e negociação destas matérias – sem prejuízo das competências próprias do Governo e do Parlamento – é a Concertação Social. As importantes conversações que estão a ser levadas por aquele órgão, como por exemplo as relativas à Agenda do Trabalho Digno, estão a ser atropeladas pelo processo político em torno do Orçamento de Estado, e isso, dos pontos de vista institucional e formal, é errado e prejudica gravemente o papel da Concertação Social e o conteúdo de todas conversações em curso.
As matérias respeitantes à legislação e à regulação laboral são, essencialmente, assuntos que respeitam às empresas e aos seus trabalhadores, às relações, direitos e deveres que se estabelecem entre as partes. São temáticas que pouco ou nada têm a ver com o Orçamento de Estado em si e, como tal, devem ser preservadas dessa discussão, sob pena de se contaminar a correção e fluidez de um processo negocial que está em curso nessa sede.
A CAP, como parceiro social, não é alheia à discussão do Orçamento de Estado, nem é alheia à discussão sobre legislação e regulação laboral, mas não confunde os planos, nem os atropela. Dos responsáveis políticos espera-se exatamente a mesma postura, por questões de transparência negocial, de separação de áreas e campos de atuação, e de preservação da dignidade e do funcionamento das instituições.
A captura da discussão orçamental em torno de matérias laborais é indesejável. A CAP mantém-se disponível para colaborar nos dois planos – na discussão do OE22 e na discussão da legislação laboral em sede de Concertação Social – mas opor-se-á determinantemente ao negócio entre Orçamento e Concertação Social. A legislação e a regulação laboral são demasiado importantes para funcionarem como moeda de troca política conjuntural e efémera. Os Orçamentos de Estado são anuais; a legislação laboral tem um tempo de vida mais longo, devendo ser estável, previsível e confiável. Confundir e misturar estas duas dimensões é um erro grave. A CAP apela, por isso, que as negociações sobre o OE22 se centrem nesse documento e que deixem de fora da discussão as matérias do foro laboral, se assim o Governo entender manter a dignidade e a atividade da Concertação Social.