Óleo essencial de planta amazônica controla pragas importantes da agricultura

  • Planta nativa é rica em dilapiol, matéria-prima usada nas indústrias agrícola e farmacêutica.
  • Nos testes, ele reduziu em 87% o ataque da broca-dos-frutos e em 70% a presença do percevejo.
  • O inseticida botânico também mostrou eficácia no controle da lagarta-do-cartucho do milho e do psilídio-dos-citros, transmissor do Greening.
  • Óleo essencial da planta pode atuar em sinergia com inseticidas convencionais, reduzindo custos e impactos ambientais.
  • Planta ocorre em diversas regiões brasileiras e se desenvolve principalmente no Acre.
  • Dilapiol se degrada facilmente, sem oferecer riscos à saúde ou ao ambiente.
  • Pesquisadores buscam parceria com o setor produtivo para desenvolver produto comercial.

Pesquisas realizadas pela Embrapa Acre comprovaram que o óleo essencial de pimenta-de-macaco (Piper aduncumL.), planta abundante em estados amazônicos, possui ação inseticida e pode controlar diferentes pragas agrícolas. Em cultivos de abacaxi, reduziu em 87% os ataques da broca-dos-frutos e em 70% a presença do percevejo, resultados que confirmam a eficiência do produto como inseticida natural.

Extraído de folhas e talos secos, por processo de destilação por arraste de vapor, o óleo essencial de pimenta-de-macaco é rico em dilapiol, substância aplicada em diversos setores industriais, com destaque para os segmentos agroquímico e farmacêutico. Os estudos com a planta visam possibilitar o uso comercial do dilapiol como inseticida botânico e como sinérgico de inseticidas convencionais para aumentar a eficácia desses produtos no controle de pragas, reduzir a aplicação de químicos na produção agrícola e minimizar os impactos à saúde humana e ao meio ambiente.

“O dilapiol pode compor formulações sinérgicas industriais de inseticidas de distintos grupos químicos, incluindo os produtos piretroides, aqueles defensivos sintéticos com compostos químicos que aparentam substâncias naturais. É possível adicionar um quarto de litro do óleo essencial de pimenta-de-macaco, por litro de inseticida convencional, e reduzir em 25% a dose comercial recomendada”, explica o pesquisador Murilo Fazolin, responsável pelos estudos.

O inseticida botânico também se mostrou eficiente no controle da lagarta-do-cartucho do milho (Spodoptera frugiperda) e do psilídio-dos-citros (Diaphorina citri), inseto transmissor da bactéria Candidatus Liberibacter spp., agente causador do Greening (Huanglongbing – HLB), principal doença da citricultura. Testes realizados com o produto com concentração de 85% de dilapiol, em laboratório e casa de vegetação, revelaram índice de mortalidade de 98% da lagarta-do-cartucho do milho. Já a letalidade do psilídio na fase de ninfa ficou entre 90% e 100%, e do inseto adulto chegou a 99%. A pesquisa mostrou que a eficácia depende da concentração utilizada.

“Testamos distintas dosagens em ambiente controlado e em experimentos de campo e os resultados ajudaram a compreender o funcionamento do produto e o comportamento do inseto e da planta em diferentes condições de temperatura, umidade e luminosidade. Verificamos que os vegetais de folhas finas apresentaram sensibilidade ao dilapiol e, em função dessas particularidades, estamos buscando parcerias do setor privado para definir formulações adequadas para cada cultura”, enfatiza Fazolin.

Inócuo ao ambiente

O gênero Piper possui mais de 1.400 espécies e 400 ocorrem no Brasil, de acordo com o Índice Internacional de Nomes de Plantas (International Plant Names Index – IPNI), base de dados do Royal Botanic Gardens (Kew Gardens – Reino Unido), referência mundial em botânica. A Piper aduncum L. (pimenta-de-macaco) é encontrada em diversas regiões do País e na Amazônia se desenvolve principalmente no estado do Acre. O interesse científico pela planta surgiu há duas décadas, a partir de um estudo de prospecção de espécies amazônicas com potencial inseticida, realizado pela Embrapa e outras instituições de pesquisa.

Para viabilizar os estudos com a Piper aduncum L., a Embrapa Acre fez a caracterização, seleção genética e conservação da espécie, trabalho que resultou na formação de um Banco Ativo de Germoplasma (BAG), com 900 materiais, do qual são retiradas as plantas multiplicadas em campo para produção do óleo essencial. A Empresa também investiu na instalação de uma usina para a extração experimental do produto e na sistematização de protocolos analíticos para aferição do teor de dilapiol.

O óleo essencial de pimenta-de-macaco, dependendo do quimiotipo considerado, contém entre 18 e 56 compostos diferentes e o majoritário é o dilapiol. Para garantir padronização química e qualidade ao produto, os pesquisadores desenvolveram um processo de purificação com uso de um retificador. Após a extração por arraste de vapor, o equipamento realiza o fracionamento do óleo e eleva a concentração de dilapiol para níveis superiores a 80%.

Conforme Fazolin, a determinação e o controle do grau de pureza do óleo são fundamentais para garantir eficiência ao produto e obter resultados efetivos na pesquisa. Por ser uma substância natural, que se degrada facilmente no ambiente, o dilapiol pode ser usado em concentrações adequadas no controle de pragas sem oferecer riscos à saúde humana e sem causar danos ao solo e cursos d´água. Outra vantagem competitiva do produto é a preservação de inimigos naturais. “Tais aspectos são fundamentais para viabilizar a oferta de inseticidas de baixo impacto ambiental, capazes de contribuir para a sustentabilidade das cadeias produtivas de alimentos”, destaca.

Resultados  

Testes em campo, realizados com a cultura do abacaxi, revelaram que o óleo essencial de pimenta-de macaco controla as larvas da broca-do-fruto-do-abacaxi (Strymon megarus – Godart(foto ao lado) e o percevejo-do-abacaxi (Thlastocoris laetus Mayr). O produtor rural Cícero Medeiros Brandão, morador do Ramal Belo Jardim, no seringal Catuaba, localizado a 20 quilômetros de Rio Branco (AC), um dos parceiros na pesquisa, comprovou a eficiência do produto em um cultivo comercial em larga escala, utilizando uma solução com 300 litros de água, espalhante adesivo e 1,5 litro de óleo de pimenta-de-macaco com 80% de concentração de dilapiol, por hectare.

“Sempre cultivei abacaxi, mas as perdas na produção chegavam a 35%, devido aos ataques de pragas, mesmo realizando o controle químico. Quando recebi o convite para testar o inseticida natural, aceitei o desafio e os resultados surpreenderam. Com pulverizações quinzenais, conseguimos reduzir 87% a ocorrência da broca-do-fruto e 70% a presença do percevejo-do-abacaxi nas plantações. Vejo essa tecnologia como uma oportunidade para melhorar a produção e permanecer na cultura”, diz o agricultor.

Como o produto funciona

Os insetos estão expostos a compostos xenobióticos (substâncias tóxicas) das mais diversas fontes, incluindo o próprio alimento que consomem. Entretanto, eles têm a capacidade de produzir enzimas que ajudam a eliminar esses compostos tóxicos do seu organismo por meio da urina e das fezes. O dilapiol interfere no seu metabolismo e inibe o funcionamento dessas enzimas desintoxicantes, bloqueando o sistema de autodefesa. Como consequência, as toxinas se acumulam e causam a morte do inseto por intoxicação.

“A partir desse mecanismo de funcionamento, percebemos que, adicionado a inseticidas convencionais, o óleo essencial de pimenta-de-macaco potencializa a ação desses produtos. Mesmo em doses menores, os defensivos comerciais apresentaram excelente desempenho pelo efeito sinérgico do dilapiol. Isso confirma que o óleo rico em dilapiol, quando combinado a inseticidas químicos, pode resultar em uma série de formulações comerciais específicas, tornando-se uma ferramenta com alta eficiência no manejo da resitência de pragas”, diz Fazolin.

Uso na agricultura orgânica

A lista de produtos para uso na agricultura orgânica, aprovada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), contempla óleos essenciais de distintas fontes. Em função do baixo impacto, o óleo essencial de pimenta-de-macaco desenvolvido pela Embrapa pode ser utilizado como inseticida natural tanto na agricultura tradicional como na produção orgânica, atividade em franca expansão em algumas regiões do País.

Para a produtora Jesuína Braga, presidente da Associação de Certificação Participava (ACS), única credenciada para certificar a produção orgânica no Acre, o principal desafio da agricultura orgânica é o controle de pragas e doenças. O consumo de alimentos orgânicos é uma tendência por estar relacionado à saúde e à conservação ambiental, mas é necessário dispor de tecnologias que possibilitem ao agricultor produzir com a garantia de colher o que plantou.

“Atualmente contamos com apenas 52 famílias na produção orgânica no Acre, um número ainda incipiente. O inseticida botânico surge como uma esperança para o desenvolvimento da atividade no estado. Os defensivos naturais são produtos com valor agregado e podem contribuir para garantir a oferta de alimentos saudáveis e seguros para o consumidor, com a vantagem de não agredir o meio ambiente. A pesquisa tem papel primordial nesse processo de avanço do conhecimento para melhoria da produção orgânica”, pondera a agricultora.

Segundo o auditor fiscal agropecuário Gustavo Ferreira da Silva, chefe da Divisão de Defesa Agropecuária Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Acre, no Brasil a demanda por alimentos oriundos de sistemas de produção de baixo impacto tem apresentado crescimento entre 10% e 15% ao ano. Em 2019, o número de propriedades com essa característica, regularizadas no Mapa, ultrapassou 22 mil.

“Atuamos no apoio a esses arranjos de produção, na valorização dos saberes locais e fortalecimento dos espaços de comercialização da produção familiar orgânica e agroecológica, além de fomentar iniciativas governamentais com foco na geração de renda. Na outra ponta, a pesquisa trabalha para garantir inovações tecnológicas que alinhem produção e sustentabilidade, especialmente nos sistemas orgânicos”, ressalta o auditor, acrescentando que a oferta de um produto natural, desenvolvido a partir de uma planta da biodiversidade amazônica, com ampla dispersão no território acreano, comprova essa preocupação científica.

 

Óleo essencial e bioeconomia

Estudos da Embrapa revelam que existe um mercado promissor para os óleos essenciais, em função da sua ampla aplicação industrial (desde o segmento agropecuário, indústria alimentícia, de cosméticos e perfumaria, até a produção de medicamentos, entre outros usos). Boa parte desses produtos são extraídos da biodiversidade e se enquadram no contexto da bioeconomia, área que tem despontado como estratégica para o desenvolvimento socioeconômico do bioma amazônico.

“A pimenta-de-macaco pode fazer parte de um cenário de aproveitamento sustentável dos recursos da biodiversidade da região, como bioinsumo para a elaboração de novas soluções tecnológicas para melhoria dos sistemas de produção. No contexto de inovação preconizado pelo Programa Nacional de Bioinsumos, lançado recentemente pelo Mapa, a espécie pode contribuir para geração de trabalho e renda em comunidades locais, redução da dependência dos produtores rurais em relação a insumos importados e ampliação da oferta de matéria-prima para o setor agropecuário”, avalia Fazolin.

Parcerias para a tecnologia chegar ao mercado

Os inseticidas com princípios ativos naturais são produtos amplamente demandados, uma vez que podem ser utilizados no manejo integrado de pragas em cultivos comerciais na agricultura convencional e na produção orgânica. O óleo essencial de pimenta-de-macaco é uma alternativa para o desenvolvimento de novos defensivos agrícolas de baixo impacto.

O óleo essencial com concentração de 80% de dilapiol encontra-se em processo de estabelecimento de especificação de referência com o objetivo de concessão de registro de regularidade de uso, pelo Mapa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). A oficialização do pedido de registro habilita a tecnologia para a etapa de formalização de parcerias empresariais, com foco no uso do produto no desenvolvimento de inseticidas bioativos (aqueles com atividade biológica no comportamento de pragas) e como sinérgico de inseticidas biodegradáveis à base de dilapiol.

Fazolin pontua que a parceria com empresas de agroquímicos e outros segmentos industriais é essencial para a etapa finalística de padronização e validação da inovação tecnológica, por meio de formulações comerciais adequadas a distintas culturas, incluindo as plantas de folhas finas. A depender da formulação desenvolvida com o óleo essencial de pimenta-de-macaco deverá ser gerado um registro como uma nova tecnologia, pela empresa responsável, junto aos órgãos regulatórios de produtos agropecuários.

“Estamos preparados para uma produção inicial do óleo essencial para fornecimento aos parceiros interessados em investir no uso industrial do dilapiol e dispomos de materiais genéticos de qualidade que podem ser repassados aos produtores rurais para formação dos primeiros cultivos comerciais de Piper aduncum L. Além disso, podemos compartilhar conhecimentos técnicos inéditos sobre o processo de purificação do óleo essencial de pimenta-de-macaco, ao mesmo tempo que, a partir do aumento da demanda pelo produto, vamos trabalhar, junto com os parceiros, para elucidar questões que ainda figuram como desafios no sistema de produção da espécie, em fase de finalização”, ressalta Fazolin.


Etiquetas: