Onde é que Portugal deve investir os fundos europeus? Bruxelas fez um guia

As negociações para concluir o próximo quadro comunitário de apoio, que vai vigor de 2021 a 2027, já deram o tiro de partida. À cabeça, a sugestão da Comissão para Portugal é de um corte de 7% na Política de Coesão. E com menos dinheiro é necessário fazer as apostas certas. Assim, pela primeira vez, no pacote de inverno do semestre europeu, lança a discussão e apresenta as primeiras ideias de onde os Estados-membros podem utilizar as verbas da Coesão.

Para cada país é apresentada “a visão dos serviços” sobre as “áreas prioritárias de investimento”, identificadas tendo em conta os estrangulamentos e as necessidades de investimento e as disparidades regionais identificadas no relatório que a Comissão Europeia publicou com a avaliação dos avanços económicos e sociais feitos pelos diferentes Estados-membros, e que deve ser tida em conta em abril quando os países atualizarem o Programa Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade.

Investir na ferrovia

Ora, Portugal tem várias áreas onde deve investir de acordo com a Comissão, nomeadamente na ferrovia já que “está amplamente subutilizada”, nomeadamente nas ligações a Espanha e “a interoperabilidade é um grande constrangimento”, diz a Comissão. É necessário “identificar prioridades de investimento para desenvolver mobilidade intermodal segura, inteligente, resiliente às alterações climáticas e sustentável”. E são deixadas sugestões nos projetos em que Portugal deve colocar as verbas da Coesão no próximo quadro: completar a rede transeuropeia de transportes, assegurando ligações transfronteiriças; atualizar e modernizar outros corredores ferroviários; mas também modernizar a infraestrutura portuária e garantir a intermodalidade de passageiros e carga, incluindo ligações ferroviárias à rede transeuropeia de portos e às plataformas logísticas.

Portugal tem em curso o plano da Ferrovia 2020, com “mais de 300 quilómetros de ferrovia em execução”, segundo o ex-ministro do Planeamento Pedro Marques, mas só 40% do plano. foi executado. As sugestões da Comissão vão ao encontro das da OCDE.

No Estudo Sobre a Economia Portuguesa, a organização liderada por Angel Gurría defendeu que o setor portuário nacional só pode “alcançar o potencial máximo” para o setor exportador se existirem “melhores ligações aos serviços internacionais de transporte ferroviário de mercadorias”. “A densidade da rede ferroviária em Portugal é baixa e as ligações entre o mercado do transporte ferroviário entre Portugal e Espanha têm sido demasiado limitadas”, frisou a OCDE. A organização sustenta ainda que a forma como os portos são geridos em Portugal não favorece a competitividade do país. Por isso, defende o fim da renovação automática de concessões a privados e sugere que o Estado abra sempre um novo concurso público no final de cada contrato.

Neste capítulo da mobilidade, a Comissão Europeia sugere ainda a Portugal que melhore a acessibilidade e a interconectividade da Madeira e dos Açores, que merecem a classificação (e o apoio) de regiões periféricas.

Transportes públicos amigos do ambiente, aposta na saúde e nas creches

Bruxelas defende também que Portugal deve investir em transportes públicos mais amigos do ambiente, com baixas emissões de CO2, nomeadamente na compra de carruagens para comboios urbanos. Assim como fazer investimentos que reduzam “as externalidades negativas dos transportes, em particular os congestionamentos, emissões poluentes e acidentes”, isto porque Portugal tem uma taxas mais elevadas de utilização de carros particulares como meio de transporte.

Outra das áreas em que o Governo português é convidado a investir é nas infraestruturas de saúde tendo em conta o envelhecimento da população. Os fundos de coesão devem ser usados na requalificação e atualização dos profissionais capazes de prestar cuidados paliativos, contribuindo para a sua retenção, garantindo assim uma prestação de serviços adequada. Mas também para levar a cabo investimentos nas próprias infraestruturas de saúde e nos equipamentos deste setor, com o objetivo de reduzir as desigualdade na saúde. A implementação de estratégias nacionais para o envelhecimento da população também podem e devem ser financiadas pelos fundos de coesão.

Atacar as desigualdades sociais é uma das pedras basilares da Política de Coesão e, por isso, Bruxelas convidada as autoridades nacionais a investirem mais nos bairros sociais degradados, nas escolas degradas que dificultam a aprendizagem — um dos problemas identificados no relatório da Comissão — a aumentar a oferta de creches a preços acessíveis assim como de ocupação dos tempos livres. As crianças do primeiro ciclo beneficiam da Componente de Apoio à Família.

Aposta na internacionalização das empresas e nos ganhos de escala

Bruxelas manifesta ainda a sua preocupação com o facto de o tecido empresarial português ser dominado sobretudo por micro e pequenas empresas, o que afeta a capacidade de inovação e a produtividade do país. A Comissão alerta para os baixos níveis de internacionalização e para a reduzida percentagem de exportações de alta e média tecnologia, inferior à média comunitária.

Segundo os serviços comunitários foram identificadas necessidade de investimento para aumentar o crescimento e a competitividade das pequenas e médias empresas. Estes devem ser investimentos de “elevada prioridade”, diz a Comissão. Investimentos que se devem concentrar na tentativa de aumentar a dimensão das empresas, criar postos e trabalho e a internacionalização das empresas. O dinheiro deve ainda ser canalizado para projetos que encorajem o ecossistema empresarial, as redes, a partilha de conhecido entre setores e o fortalecimento das capacidade de gestão.

Mas não é tudo, a Comissão reforça a necessidade de facilitar o acesso ao crédito e ao capital para além de divulgar as oportunidades de financiamento disponíveis para as PME.

Estes alertas de Bruxelas entroncam numa outra constatação sobre o sistema fiscal português. Para além da taxa de imposto efetiva sobre os lucros mais elevados das empresas (acima de 35 milhões de euros) ser das mais elevadas da União Europeia, “em geral, a proliferação de regras preferenciais de IRC dependentes da localização e da dimensão podem dificultar a produtividade e o crescimento do investimento”. “Ao privilegiar as empresas mais pequenas e/ou as que operam em áreas específicas, possivelmente menos produtivas, estas políticas podem desincentivar as empresas de crescerem e de beneficiarem da aglomeração de efeitos positivos que poderiam ajudar a alcançar uma maior economia de escala e ganhos de eficiência, dando assim margem para mudar para uma lógica de lucro no país”, escreve a Comissão na parte do relatório dedicada aos impostos.

Esta observação vai ao encontro das recomendações da OCDE: “Os efeitos potenciais da introdução planeada de taxas de imposto preferenciais para as empresas no interior do país deve ser rigorosamente avaliado”. A organização, no Estudo sobre a Economia Portuguesa, divulgado a semana passada, apontava o dedo ao facto de haver diferentes taxas de IRC cobradas às empresas porque isso “pode impedir a expansão das empresas portuguesas”. A OCDE defende que este tipo de apoio fiscal pode “incentivar as empresas a limitarem o seu crescimento e a prestarem declarações falsas às autoridades relativamente aos lucros ou à dimensão do negócio”, para não sairem do escalão que lhes permite pagar menos IRC.

Investir no interior e na inovação

As políticas de apoio ao Interior e as estratégias territoriais integradas, também devem fazer parte das prioridades nacionais tal como a aposta nas qualificações de jovens, de adultos e da Administração Pública, que se deve tornar mais eficiente, nomeadamente com um parque informático mais moderno. Esta modernização deve estender-se à própria máquina dos fundos. As autoridades nacionais são convidadas a desenvolver e implementar um caminho para melhorar a capacidade administrativa, melhorar as capacidades de gestão local, dar mais assistência aos beneficiários e eliminar as sobreposições e o excesso de documentação.

Portugal é ainda convidado a investir na inovação já que continua a ser “um inovador moderado” e a fraca aposta na investigação e desenvolvimento compromete a melhoria da estrutura produtiva. No entender de Bruxelas deve ser dada “elevada prioridade às necessidades de investimento” que aumentem as capacidades de investigação e inovação. Para além de promover a mobilidade dos recursos humanos qualificados entre universidades, laboratórios, centros de tecnologia e empresas, o país deve apostar na colaboração entre público e privado e promover a transferência de tecnologias em algumas áreas específicas identificadas.

A digitalização deve ser usada para beneficiar cidadãos e empresas, mas também estruturas governamentais, por isso a Comissão sugere investimentos de forma a aumentar o leque de serviços digitais oferecidos pelo Estado, sobretudo com um foco especial nas zonas rurais, nas regiões mais isoladas e nos grupos de população mais vulneráveis.


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