Ninguém me tira da cabeça que uma das razões da relativa, sublinho a relativa, pobreza de Portugal está na nossa imensa capacidade para cometer os mesmos erros vezes sem conta, com base na nossa imensa capacidade para dar nomes diferentes às mesmas coisas.
Estive a ler uma entrevista de Fernanda do Carmo – que tenho como pessoa razoável -, directora geral do Ordenamento do Território, no suplemento AgroVida, do jornal VidaEconómica.
O título da entrevista, e grande parte do seu conteúdo, gira à volta da ideia de que “a adesão dos proprietários florestais é crucial para o sucesso das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem”.
Estas Áreas Integradas de Gestão da Paisagem são mais uma das declinações da mesma ideia repetida há mais de 150 anos e nunca demonstrada na prática, em Portugal: “Importa dar-lhes [aos proprietários] informação de suporte à decisão, demonstrando os ganhos de retorno económico que poderão vir a ter no futuro, face à realidade actual, cumulando investimento público disponível, o aumento da produtividade a prazo, adveniente de uma gestão com escala e profissionalismo, a remuneração dos serviços dos ecossistemas, a redução de perdas por incêndio rural alcançada com a gestão, bem como a redução de despesas avulsas de limpeza de material combustível impostas”.
Ou seja, a velha ideia de que os proprietários e gestores não percebem nada do que andam a fazer e, portanto, o Estado vai-lhes demonstrar a sua estupidez e ignorância, como tem vindo a fazer nos últimos 150 anos, pelo menos, desde que o iluminismo conseguiu vender a ideia de que a gestão florestal não era uma actividade económica normal, mas um desígnio colectivo com enormes benefícios para todos.
Benefícios esses que só não se verificam hoje pelos atavismos de pastores e outros ignorantes assassinos de árvores, coligados com a ganância de produtores florestais que só pensam no seu lucro e, por isso, escolhem modelos de gestão lucrativos no curto prazo, mas muito menos úteis à sociedade que os modelos de gestão de lucro diferido para “amanhãs que cantam”.
O problema é que esses matarruanos dos agricultores, pastores, produtores florestais já ouviram o mesmo canto de sereia vezes sem conta, fosse no tempo das florestações da segunda metade do século XIX e primeira do século XX, fosse nos famosos dinheiros do Banco Mundial, fosse no regulamento 280 qualquer coisa, fosse nas ZIFs, seja agora com o pomposo nome de Operações Integradas de Gestão da Paisagem.
Considerando-se a adesão dos produtores florestais crucial para processos que duram mais de vinte anos antes de dar o retorno prometido, o que significa que a confiança no que se vai passar nesses vinte anos é o ponto chave – para os ingénuos que ainda acreditam que sim, que ao fim desses vinte anos as coisas vão ter o retorno prometido hoje, como se alguém pudesse saber qual serão as condições de mercado dos produtos florestais daqui a vinte anos – o que promete o Estado, via Fernanda do Carmo?
“O contrato assinado com as entidades responsáveis pelas Áreas Integradas de Gestão da Paisagem prevê o apoio financeiro à sua capacitação e funcionamento [está o produtor florestal a pensar que afinal primeiro vão ensinar os que depois nos vêem ensinar a nós e ainda lhes pagam para eles funcionarem, mas pagar-me a mim, directamente e já, os serviços dos ecossistemas é que está quieto] por um período máximo de dois anos, em curso, tendo em vista constituírem as entidades gestoras da futura Operação Integrada de Gestão da Paisagem, identificarem, mobilizarem e envolverem os proprietários, promoverem o cadastro da propriedade onde este não exista e elaborarem o projecto de Operação Integrada de Gestão da Paisagem [está o matarruano a pensar: então é fazer como nas ZIF, pagam dois ou três para eles estudarem como se faz, e depois, quando estiverem em condições de avançar, fecha-se tudo porque acabou o financiamento]. As entidades que concretizam com sucesso o que lhes está cometido nesta fase inicial de capacitação, verão a Operação Integrada de Gestão da Paisagem aprovada e garantido o financiamento das acções de reconversão e valorização a realizar no terreno nos primeiros dois anos, via PRR [e pensava o ignorante que o problema era a gestão da paisagem no longo prazo, afinal parece que o objectivo é reconverter, não é gerir, nos próximos dois anos]. O financiamento da manutenção e gestão e remuneração dos serviços dos ecossistemas nos vinte anos seguintes será por via do Fundo Ambiental”.
Neste ponto os matarruanos e ignorantes gestores já perceberam tudo, e vão à sua vidinha, tratar das couves e do jantar que para histórias da carocinha sempre é melhor a telenovela ou o telejornal, tanto faz que se distinguem pouco.
Nem o Fundo Ambiental é seguro, nem tem dimensão financeira para o que se está a prometer, nem se sabe se existirá ainda daqui a meia dúzia de anos e eu vou entregar a gestão das minha terras agora à espera que algum dia aquilo tenha retorno com base em ideias extravagentes de técnicos que não põem um cêntimo do seu dinheiro naquilo que dizem que é muito rentável?
No que diz respeito à gestão de terras marginais, andamos nisto há décadas, ainda há mais tempo que na discussão da localização do aeroporto de Lisboa.
A mim só me faz lembrar os que ainda hoje continuam a defender que a felicidade e a justiça chegam com a apropriação colectiva dos meios de produção, uma ideia sempre falhada quando aplicada, mas cujo falhanço se deve a circunstâncias geríveis, não à ideia em si, essa é boa, é pena que uns homens maus a tenham sempre deturpado, quando tiveram poder para a aplicar, de acordo com os seus defensores.
Algures numa universidade qualquer, já estará a nascer um novo nome para substituir este quando, no fim dos tais dois anos de aplicação dos dinheiros do PRR, se verificar que, tal como das outras vezes, afinal os resultados não batem certo com as promessas.
Lá deixarmo-nos destes floreados e pagar, já hoje e directamente, aos gestores da paisagem os serviços que queremos obter, isso é que não, que eles são ignorantes, quando não mesmo estúpidos, pouco qualificados, atávicos e, em caso algum, devem ser deixados a tomar conta da sua vida, como se tivessem a capacidade de saber o que é melhor para eles.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.