Elisa Ferreira tem “esperança” num acordo em breve. Já o director-geral do Orçamento na Comissão Europeia avisa para os riscos de um falhanço nas negociações sobre o Quadro Financeiro para 2021-27
Não será um ‘shutdown’, como acontece nos Estados Unidos, mas também não será uma gestão em duodécimos pura, como acontece em Portugal. O que acontecerá na União Europeia a partir de 1 de janeiro de 2021 se não houver acordo entre os diferentes países sobre o que será o próximo orçamento europeu ainda ninguém sabe. E estão todos divididos sobre o que poderá resultar se não houver acordo.
Elisa Ferreira, a comissária europeia para a Coesão e Reformas, tem “esperança de que haja acordo durante a presidência croata ou até já no próximo mês”, disse em conversa com jornalistas em Bruxelas. Do lado da Comissão Europeia sai pressão negocial, a poucos dias do encontro em Beja dos países Amigos da Coesão, e a duas semanas de mais um Conselho Europeu extraordinário, marcado para começar no dia 20 de fevereiro e que pode arrastar-se para o dia seguinte.
“Quanto mais tempo demorarmos, mais instabilidade há e mais difícil é a transição entre quadros” comunitários, argumenta Elisa Ferreira. “É preciso uma solução rápida e aceitável. A bola agora está do lado dos governos e do Parlamento. Não é altura, nesta fase da vida da Europa, para estarmos a problematizar tanto os valores relativos ao Orçamento”, defende.
Gert-Jan Koopman carrega nas tintas
Na mesma senda de pressão, mas num tom de dramatização, o director-geral do Orçamento, Gert-Jan Koopman, carrega nas tintas e diz que caso não haja um novo quadro financeiro a 1 de janeiro de 2021 – altura em que termina o quadro em vigor e que, por coincidência, é o primeiro dia da presidência portuguesa da União Europeia – pagamentos e atribuições de fundos europeus param.
“Se não houver um acordo, o resultado mais provável é que não teremos política de coesão, nem rebates, nem cortes nas contribuições dos países ricos, a única coisa que teremos são os trabalhadores a serem pagos, ajuda de emergência que continuará disponível, mas tudo o resto, pára”, assume Koopman. “Estamos muito, muito atrasados com esta negociação, mais atrasados do que alguma vez estivemos”, acrescenta. “É preocupante”, finaliza.
A mensagem que o responsável da Comissão Europeia quer passar não é despicienda do período que se vive neste momento em Bruxelas. Sem acordo e onze meses do fim do atual quadro financeiro, todos os peões se posicionam para uma espécie de tudo ou nada.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, tomou a liderança das negociações, esteve a ouvir os representantes e as posições dos 27 Governos e vai ainda falar diretamente com cada um dos chefes de Estado e de Governo durante o início do próximo mês.
Cimeira para pressionar um consenso
Ao avançar com a marcação de uma cimeira, pressiona também o consenso e nas próximas semanas deverá apresentar uma nova “caixa de negociação”: uma proposta de valores e montantes, quer para a dimensão global do orçamento comunitário 2021-27, quer para as várias políticas – da coesão à agricultura, do digital e defesa – que terão depois de ser negociados pelos 27.
De acordo com uma fonte europeia, a equipa de Charles Michel terá já alertado os vários governos de que vai ser difícil chegar à proposta da Comissão Europeia, que defende um envelope global de 1,11% da riqueza europeia. E, na Comissão, há a crença de que a nova proposta de orçamento não será muito diferente do que propôs a Finlândia, no final de 2019, quando tinha a presidência da União Europeia. “Não será revolucionária”, diz uma fonte das negociações.
Os finlandeses propuseram um orçamento global de 1,07% do Rendimento Nacional Bruto. E apesar de terem reduzido o corte nos fundos para a agricultura – comparativamente ao que propôs o executivo comunitário – não convenceram nem os países amigos da Coesão, nem os chamados cinco frugais. Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suécia e Áustria continuam a apontar para um orçamento de 1%, muito distante dos 1,3% do Parlamento Europeu.
Elisa Ferreira defende que “é perfeitamente lógica” a proposta de António Costa, de uma solução intermédia entre as várias propostas, mas não se quer colar a qualquer valor.
Período de transição? Mais uma divisão
Há ainda uma divisão sobre se haverá ou não um período de transição entre quadros financeiros. Para a Comissão, a ideia de negociar um mecanismo de transição exige tanto esforço, que mais vale aplicar as energias a tentar um acordo.
Mas os eurodeputados têm uma visão diferente. A socialista Margarida Marques, da equipa de negociação do Parlamento Europeu para o quadro financeiro plurianual, lembra que há uma resolução do PE que diz que “se não houver decisão política a tempo de entrar em vigor no dia 1 de janeiro, tem de haver plano de contingência”. “Compara-se ao duodécimo dos orçamentos”, acrescenta.
Já o social-democrata José Manuel Fernandes, que está também na equipa negocial, acredita que não haverá acordo em breve. E acrescenta que, mesmo que algo seja resolvido na presidência alemã – durante a segunda metade deste ano -, “vai sobrar ainda qualquer coisa para a presidência portuguesa”. Para o eurodeputado, “vai ser impossível os programas estarem todos em execução”.