Pedro Santos

Organizações de Produtores: não basta dizer que são importantes! – Pedro Santos

O baixo nível de concentração da produção, através de organizações de produtores (OP), é apontado como uma das mais flagrantes fragilidades do setor agrícola, e florestal, nacional. Não me recordo de um artigo de opinião, de uma intervenção política ou de uma discussão sobre a organização do setor em que esse facto não seja referido ou destacado.

As Organizações de Produtores (OP), de acordo com os objetivos estabelecidos na legislação europeia, contribuem para a concentração da oferta, para a melhoria do marketing dos produtos agrícolas, e para um planeamento da produção ajustado à procura. Ajudam assim na otimização dos custos de produção e na estabilização dos preços ao produtor, desenvolvendo análises de mercado e estudos, promovendo a adoção de melhores práticas agrícolas, fornecendo assistência técnica no terreno, gerindo subprodutos, minimizando riscos produtivos e de mercado, potenciando a utilização de ferramentas de gestão aos seus membros e contribuindo para o fortalecimento da posição dos produtores na cadeia de valor.

O nível de organização da produção, através de OP, em Portugal, está bastante aquém do expectável. Em final de 2014 existiam 154 OP reconhecidas; no final de 2018, já só existiam 128. E o nível de organização, com exceção do arroz, do leite e do azeite, pouco evoluiu. Neste momento, Portugal tem um nível de organização da produção (medida pelo valor de produção comercializado pelas OP reconhecidas face ao total do valor da produção) na ordem dos 20%, sendo a média europeia de cerca de 50%!. Este valor é, por isso, manifestamente baixo, sobretudo quando comparado com os casos da Bélgica ou da Holanda, em que os níveis de organização da produção são da ordem dos 90%.

No conjunto dos 27 países da UE, Portugal é o 7.º país em número de OP reconhecidas e o 14º em peso do valor de produção comercializado pelas OP no total da produção, o que indica que temos muitas OP de pequena dimensão. De facto, muitas das OP são demasiado pequenas e têm pouca capacidade de potenciar as vantagens da agregação. Do total de OP reconhecidas, mais de 2/3 têm um Volume de Produção Comercializada (VPC) inferior a 5 milhões de euros e apenas 1% das OP de Frutas e Legumes têm um volume de negócios superior a 20 milhões de euros. Esta realidade é comum a muitos países europeus; a título de exemplo, em 2017, no setor das Frutas e Legumes a nível europeu, apenas 6% (107 de 1659) de todas as OP reconhecidas tiveram um VPC superior a 50 milhões de euros, enquanto 7% tiveram um volume de negócios inferior a 500 mil euros. Se compararmos com os limites de classificação da dimensão das empresas, percebemos que empresas até aos 50 milhões de euros são consideradas pequenas e médias empresas (PME) e empresas que faturem ate 2 milhões de euros são consideradas microempresas.

Paralelamente à redução do número de OP, que se verificou nos últimos anos, houve um aumento da descrença dos produtores em relação às OP. Não tenho dados para falar num fenómeno generalizado, mas é claramente um fenómeno crescente.

Isso justifica que existam alguns que defendem que não valerá a pena continuar a colocar fundos num modelo de organização que os próprios agricultores não reconhecem. Eu, pelo contrário, considero que este fenómeno justifica que sejam encontradas estratégias mais diversificadas e consistentes no tempo, que façam com os níveis de organização da produção sejam bem superiores aos atuais. Considero mesmo que esta é uma prioridade e onde devem ser definidas políticas públicas ambiciosas. A organização da produção permite atingir muitos outros objetivos a médio-longo prazo que podem contribuir para o aumento da criação de valor no setor.

Também seria interessante analisar de forma mais objetiva a razão da descrença dos agricultores. Se, por um lado, muitos produtores têm uma perceção que as OP não são capazes de gerar o valor certo para as suas produções (e muitos deles baseiam esta análise através de cotações em sites online, o que muitas vezes está desfasado das cotações do mercado real), a verdade é que sem as OP esses mesmos preços seriam certamente menores e muitos deles já teriam sido obrigados a abandonar a atividade. Em todos os setores em que há OP, estas servem como importantes estabilizadores de mercado, papel este que é frequentemente esquecido na análise conjuntural de uma campanha ou de um negócio.

As políticas de incentivos e apoios às OP também têm sido pouco consistentes. Ainda no atual PDR, a diferenciação positiva dada aos agricultores organizados em OP, através de uma bonificação na taxa de apoio a investimentos, foi abolida e reduzida a uma bonificação na Valia Global da Operação (que é a nota do projeto para hierarquização das candidaturas). Outro caso é o apoio à constituição de OP no âmbito do PDR (OP que não sejam do setor hortofrutícola ou do setor do vinho, que têm apoios específicos), que no âmbito dos apoios existentes não permite financiar os custos de recursos humanos, que é o principal custo de estrutura na fase inicial destas organizações. Por outro lado, o incentivo à fusão de OP (permitindo criar estruturas de maior dimensão), que se resume a uma majoração de investimentos, é pouco atrativo e não contempla muitos dos custos inerentes a todo o processo de fusão propriamente dito.

O próprio enquadramento legislativo (recentemente alterado pela portaria 298/2019, de 9 de setembro) que estabelece as regras nacionais de reconhecimento de organizações de produtores, que tem causado muitas dúvidas no setor, acaba por estar centrado no cumprimento de obrigações legais das organizações e dos seus membros e pouco (ou nada!) preocupada com os resultados obtidos pelas organizações de produtores.

Num estudo recente da DGAGRI, em que são analisadas diferentes variáveis relacionadas com a performance das OP, é apontada como principal causa da baixa adesão dificuldade dos agricultores em trabalharem em conjunto. Essa realidade também é vivida em Portugal, existindo muitos produtores que consideram que estão melhores sozinhos. Para além da dificuldade em trabalhar em conjunto também é apontada a falta de liderança de muitas OP e a inexistência de regras fortes que contribuam para que os produtores não quebrem as regras. Quantos casos existem em que são feitas vendas de produtos diretamente a outros canais (quer seja por oportunidade de negócio ou por contratos existentes) e que descredibilizam a autoridade da OP e que a enfraquecem.

Nesse mesmo estudo, também é referido que os apoios públicos têm um papel essencial na capacidade de agregar os produtores em volta deste modelo de organização da produção. Por isso, não basta dizermos que as OP são importantes; temos mesmo de ser criativos para inverter o atual estado das coisas. E, acho mesmo, que temos de ser arrojados nas medidas a implementar, englobando medidas de apoio, medidas fiscais,… E as OP têm que ser estruturas formais e geridas de forma a beneficiar quem cumpre e penalizar de forma séria quem prevarica.

Deixo aqui algumas medidas, de apoios públicos, que me parecem ser possíveis de implementar e contribuir positivamente para o crescimento do número e da dimensão das OP:

  1. Criação do SIFOP – Sistema de Incentivos Fiscais à Organização da Produção
    • Este Sistema de Incentivos seria inspirado no SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial), que é um instrumento fiscal que visa apoiar as empresas no seu esforço em Investigação e Desenvolvimento através da dedução à coleta do IRC das respetivas despesas, permitindo recuperar até 82,5% dos custos com essas atividades.
    • O SIFOP teria duas vertentes:
      • As empresas agrícolas – neste caso, os produtores que comercializarem a sua produção através de uma OP, teriam uma redução no IRS/IRC
      • As empresas que compram produtos às OP (agroindústrias, distribuição, …) – para aquelas cujas compras (de produtos alimentares) seja superior uma determinada % (ex: 50%), teriam uma dedução à coleta cujo máximo corresponderia a uma % do volume total de compras realizadas a OP
  2. Existência de medidas específicas para apoios ao investimento por Organizações de Produtores, com uma componente não reembolsável, igual ou maior que as restantes empresas e com acesso a uma componente reembolsável com garantias de estado (idêntico ao modelo dos Instrumentos Financeiros)
  3. Criar apoios específicos, ou majorações de apoio muito diferenciadas, para investimentos realizados por agroindústrias que comprovem a incorporação de produção proveniente de OP reconhecidas
  4. (Re)Introdução de majorações aos apoios ao investimento para os produtores de OP, prevendo a abertura de concursos específicos para estes produtores (como existem atualmente abertura de concursos para determinados setores)
  5. Criar uma diferenciação positiva para as ajudas ao rendimento (1.º Pilar) no caso de agricultores pertencentes a OP, nomeadamente no que respeita a apoios ligados
  6. Existência de uma medida de apoio à constituição de OP, cujos incentivos englobem os principais custos operacionais da fase de arranque, nomeadamente recursos humanos, instalações e equipamentos. Esta medida, para não promover a criação de micro-OP, deveria estar restrita a OP cujo VPC fosse superior ao dobro do VPC mínimo necessário para o reconhecimento
  7. Existência de uma medida de fusão de OP que permitisse financiar os enormes custos com apoio jurídico e com estudos de suporte à decisão. Esta medida de apoio deveria ser acompanhada de um pacote fiscal que servisse de incentivo à agregação de OP.

Estas são exemplos de medidas simples, que podem contribuir decisivamente para a importância da agregação da produção. Como disse, considero que temos de ser ambiciosos para mudar. Não podemos fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.

Pedro Miguel Santos

Diretor-Geral da CONSULAI


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