Os desafios do sector agro-pecuário no atual processo legislativo – António Paula Soares

Nos últimos anos os movimentos animalistas têm dominado, diversificado e aperfeiçoado os seus métodos de publicitação e propagação dos seus ideais. Recorrendo às redes sociais e ao impacte das mesmas, a filosofia vegan e da autoproclamada defesa do bem-estar animal tornou-se viral e cada vez mais entra no nosso quotidiano e dos meios de comunicação de uma forma geral, passando a ser um ato socialmente aceitável e na sua maioria fundamentado e direcionado ao quotidiano dos animais de companhia, pese embora as inconsequentes tentativas de humanização dos animais e do seu desfasamento do relacionamento com o Homem com base na sua funcionalidade.

Sendo a abrangência social e a assunção da realidade um fator relativamente consensual no que concerne aos animais de companhia, a tentativa de alargamento desses ideais para os restantes animais, e nomeadamente para os animais de produção, tem vindo a ser imposto como um processo “politicamente correto” no panorama legislativo nacional e europeu. Situação que apenas tem acolhimento pela forma dissimulada como as condicionantes e proibições têm sido apresentadas e pelo crescente afastamento das sociedades e de parte da classe política face ao mundo rural.

Em Portugal, o corrente processo legislativo no decorrer dos últimos dois anos tem sido fértil em tentativas de limitação do sector agro-pecuário, com diversificadas propostas mais ou menos imponderadas ou mesmo inaceitáveis na sua fundamentação irreal das atividades pecuárias. No entanto, todas elas ou a clara maioria, são apresentadas de uma forma astuciosa e numa estratégia de “step-by-step” em que se tentam atingir ideais com base no desconhecimento ou na desatenção, em que o claro e profícuo reconhecimento de alguns sectores políticos com os sectores agrícolas e pecuários tem permitido que as diversas ações tentadas tenham tido uma clara e inequívoca tomada de posição contrária da maioria do parlamento face a estes ataques animalistas.

No rol de propostas de lei e de iniciativas legislativas temos exemplos já apresentados na Assembleia da República como as tentativas de proibição de criação de raças puras ou da utilização de processos de reprodução com recurso a técnicas artificiais, como a inseminação artificial. Ambas chumbadas em sede de comissão parlamentar.

Mas correntemente encontram-se em análise no Parlamento propostas de legislação sobre o estabelecimento de um estatuto jurídico do animal, ou do alargamento do regime sancionatório dos maus tratos a animais de companhia a todos os animais, onde se incluem os animais de produção.

Ambos os processos, e nas diversas propostas em cima da mesa e em discussão, apresentam-se situações dúbias no que concerne aos termos e abrangência das condicionantes e proibições propostas, que de um modo simplificado podem tornar realidade que uma análise judicial ou policial, mais ou menos familiarizadas com o mundo rural, com as suas atividades económicas e práticas culturais, possa decidir se o direito de propriedade sobre um animal confere, ou não, ao seu proprietário o direito de manter inúmeras formas de maneio animal, sendo por exemplo, da sua análise subjetiva, se a colocação de uma vacada num curral de tratamento ou a tosquia de ovelhas, constituem, ou não, dor ou sofrimento para o animal, com a consequente aplicação de penas de prisão para os envolvidos naqueles que são os métodos de maneio natural do mundo rural.

Num contexto europeu verifica-se a aplicação do já referido processo do “politicamente correto” na futura proibição, a curto prazo, da castração de porcos na União Europeia com base em critérios de suposto bem-estar animal que irão modificar e pôr em causa todo um sector, que em nada se coadunam com a realidade das necessidades de maneio e qualidade da carne, com a agravante da sugestão, expressa no documento de suporte a estas mesmas recomendações, de que a esterilização cirúrgica com o recurso a sedação ou analgesia não seja de todo uma opção alternativa num futuro próximo.

Os sucessivos ataques à indústria leiteira, com a apresentação facciosa de vários estudos que tentam passar uma imagem de que o leite é prejudicial aos humanos, tem vindo a constituir também uma forma de pressão contra este sector.

Mais atual, surge a nova campanha da associação animalista PETA que tenta impor junto das entidades e sociedade do Reino Unido o fim da tosquia de ovinos. Ação apenas fundamentada no fundamentalismo de uma ideologia que se tenta impor com base no desconhecimento e ridículo, desfasando-se da realidade em que a tosquia se coloca não só como um fator económico, mas como um fator de bem-estar para o próprio animal.

Todos estes ataques diretos e indiretos esbarram na irrealidade e na incoerência de um princípio vegan contra o qual se impõe a continuação de estratégias de fundamentação e elucidação perante os políticos e a sociedade em geral.

Mas trata-se de um processo contínuo, em que um pequeno detalhe, ou a constante tentativa de equiparação dos animais de companhia a animais pecuários, ou cuja funcionalidade divirja da realidade conhecida em ambiente urbano, transforma-se numa forma de ataque a todo um sector, que deve sim continuar a modernizar e otimizar os seus processos e formas de maneio com uma real visão do bem-estar animal, tal como impostas pelos diversos regulamentos europeus e nacionais, e não ser alvos de tentativas de imposição legislativa cujos impactes diretos e indiretos tendem a colocar em risco todo um sector agro-pecuário.

Presidente da Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade

Presidente da Plataforma Sociedade e Animais


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