Nos últimos anos têm surgido no mercado uma grande diversidade de biofertilizantes, incluindo alguns que são compostos por fungos micorrízicos. De acordo com regulamentação comunitária recente, os biofertilizantes foram enquadrados comercialmente no grupo dos bioestimulantes para as plantas [Regulamento (UE) 2019/1009, de 5 de junho].
Ainda que não restem dúvidas sobre os benefícios potenciais destes microrganismos para as plantas, a forma e os contextos em que os agricultores deles podem tirar partido são completamente incertos, devido à ausência de investigação agronómica sobre o assunto. A agricultura do interior centro e norte de Portugal parece, contudo, estar enquadrada no contexto agroecológico onde estes produtos poderão ter um papel relevante, designadamente os setores da oliveira e da amendoeira, nas zonas quentes, e o castanheiro nas zonas frias de montanha.
Os fungos micorrízicos e sua relação com as plantas
Os fungos estabelecem associações mutualísticas com um elevado número de plantas superiores. Estima-se que aproximadamente 90% das espécies vegetais desenvolva uma relação simbiótica com fungos micorrízicos (Lanfranco et al. 2016). Alguns fungos invadem o interior das células do córtex das raízes das plantas e formam estruturas arbusculares que facilitam a troca de nutrientes e água com a planta hospedeira. São conhecidos com fungos micorrízicos arbusculares e formam com as plantas terrestres a associação entre microrganismos e plantas de maior distribuição na rizosfera. Pensa-se que os fungos micorrízicos arbusculares estejam associados com 80% das plantas terrestres, incluindo a maioria das plantas cultivadas (Valentine et al. 2013).
Os fungos micorrízicos formam uma extensa rede de hifas no solo, com elevada capacidade para absorção de água e nutrientes (Calvo-Polanco et al. 2013). Um dos papéis melhor documentado dos fungos micorrízicos é o fornecimento de fósforo à planta hospedeira, sobretudo quando os solos têm pouco fósforo disponível (Ortas e Bykova 2018; Rodrigues et al. 2021). Para além da capacidade acrescida de explorar o solo através da rede de hifas, os fungos micorrízicos dispõem de diversos outros mecanismos para aceder a fósforo pouco disponível para as plantas, designadamente através da libertação na rizosfera de fosfatases (ácidas ou alcalinas) que solubilizam fósforo e o tornam biodisponível (Miransari et al. 2013; Priyadharsini e Muthukumar 2017). O fósforo não é, contudo, o único nutriente que os fungos podem disponibilizar para as plantas. Dependendo das condições de crescimento, as plantas micorrizadas têm acesso privilegiado à generalidade de outros elementos essenciais como azoto, potássio, cálcio, magnésio e micronutrientes (Marschner e Dell 1994; Koller et al. 2013; Tekaya et al. 2016).
Os benefícios para as plantas da relação com fungos micorrízicos não se restringem a melhor acesso a nutrientes em falta. A extensa rede de hifas facilita o acesso a água, o que pode favorecer o crescimento das plantas hospedeiras em condições de stresse hídrico (Dag et al. 2009; Ouledali et al. 2018). Os fungos micorrízicos podem ainda aliviar a planta da toxicidade de metais pesados, em solos contaminados, restringindo a mobilidade para a parte aérea (Luo et al. 2014; Zhan et al. 2018), aumentar a tolerância das plantas à salinidade dos solos (Porras-Soriano et al. 2009; Calvo-Polanco et al. 2013) ou a stresses bióticos diversos (Lanfranco et al. 2016; Berdeni et al. 2018).
Para além do fornecimento dos nutrientes e água, as hifas dos fungos constituem-se como a principal forma de entrada de carbono no solo. O micélio dos fungos é a via dominante pela qual o carbono da fotossíntese entra na matéria orgânica do solo, excedendo as entradas pela deposição das folhas e renovação anual de raízes finas (Godbold et al. 2006; Högberg et al. 2020). Acresce que os fungos micorrízicos podem reduzir a decomposição do substrato orgânico mantendo estáveis os níveis de matéria orgânica no solo (Leifheit et al. 2015).
Contexto agro-ecológico do interior centro e norte de Portugal
Em vastas áreas do interior centro e norte de Portugal, a agricultura é feita em condições ambientais marginais. A generalidade dos solos apresenta declive elevado, o que os expõe a erosão hídrica sobretudo quando cultivados (Figura 1).
Normalmente, apresentam reduzida espessura efetiva e reduzido teor de argila. Em consequência, são frequentemente solos pobres em nutrientes, com baixos níveis de matéria orgânica e reduzida capacidade de armazenamento de água (Arrobas et al. 2018). Além disso, o caráter maioritariamente ácido dos solos desta região acentua o problema da indisponibilidade de fósforo devido a fenómenos de imobilização do elemento com ferro, alumínio e/ou manganês.
No presente, a região não dispõe de infraestruturas de regadio, nem há perspetivas que venha a dispor em áreas relevantes. O facto dos principais rios se encontrarem em vales muito encaixados, o elevado declive do território, a estrutura fundiária pulverizada em microparcelas e sem eletrificação são condicionantes dificilmente ultrapassáveis (Figura 2).
O Verão é quente e seco em grande parte do território e as perspetivas são de agravamento, atendendo à mudança climática, em que se prevê redução da precipitação anual e aumento da frequência de eventos extremos como ondas de calor e longos períodos de seca (Quinteiro et al. 2019). A única agricultura da região dirigida para o mercado, para além do vinho, assenta em árvores de fruto, maioritariamente cultivadas em sequeiro e que presentemente se encontra no limiar da sustentabilidade económica (Figura 3).
Agricultura herbácea de regadio não é possível e a de sequeiro não é competitiva, com exceção de alguma horticultura para autoconsumo feita em pequenas hortas onde existe uma pequena captação de água.
Os fungos micorrízicos comerciais podem ser ferramentas úteis na sustentabilidade dos sistemas de produção
Encontrar alternativas culturais para este território é utopia. O caminho passa por melhorar a sustentabilidade dos atuais sistemas de cultivo. Desenvolver conhecimento agronómico é urgente para melhorar a performance destes sistemas de produção, desde os sistemas de gestão do solo, a nutrição das árvores, as podas e a proteção sanitária. Uma linha de pesquisa cujo desenvolvimento urge continuar a desenvolver é o uso de indutores de proteção, maioritariamente aplicados por via foliar, e condicionadores de solo e de forma particular o uso de biofertilizantes. Os benefícios potenciais do uso de fungos micorrízicos, por exemplo, parecem prometedores para a agricultura marginal da região, como se ressaltou no início deste trabalho. De notar também que os fungos micorrízicos comerciais que surgem no mercado não estão suportados em investigação que suporte o seu uso e assegure um benefício para os produtores num contexto particular, mas apenas no conhecimento de que os microrganismos que os produtos contêm estabelecem associações simbióticas com as plantas.
Apesar dos benefícios potenciais dos fungos micorrízicos, eles são ubíquos na natureza, encontrando-se genericamente dispersos nos territórios, o que pode fazer com que o uso de produtos comerciais possa ser redundante, face à boa adaptação dos microrganismos nativos. Por outro lado, os fungos micorrízicos arbusculares são biotróficos obrigatórios (Harrison 2005; López-Ráez e Pozo 2013), significando que vivem a expensas das plantas. Embora as plantas possuam mecanismos para evitar micorrização excessiva, é necessário assegurar que num contexto agro-ecológico concreto, os benefícios para as plantas compensam o preço que os produtores têm de pagar na sua aquisição e aplicação ao solo.
Assim, apesar de as condições ecológicas regionais parecerem enquadrar o contexto para o uso benéfico de fungos micorrízicos comerciais, são necessários estudos para estabelecer em que condições a agricultura pode tirar vantagens do uso efetivo dos prometedores produtos comerciais.
Agradecimento
Grupo Operacional Novas práticas em olivais de sequeiro: estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas (Iniciativa ID 278).
Grupo operacional EGIS, estratégias para a gestão do solo e da água em espécies produtoras de frutos secos (Iniciativa ID 91).
Autores
*M. Ângelo Rodrigues1, Carlos M. Correia2 e Margarida Arrobas1
1CIMO, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal
2CITAB, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
Nota: pode consultar as referências bibliográficas na edição 1863 da revista VIDA RURAL.
O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.