Os imóveis do Estado

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Na discussão sobre o problema do acesso à primeira habitação (não existe crise de habitação nenhuma, o que existe é um problema de acesso à primeira habitação, de resto, o mercado imobiliário segue pujante, como um crescimento sustentado dos preços, das vendas, dos novos licenciamentos e das novas construções, permitindo à generalidade dos portugueses serem bastante mais ricos do que eram há uma década), para além das casas vazias, há sempre alguém que fala dos imóveis devolutos do Estado.

Isso faz-me sempre lembrar os esforços de tanta gente, no ICNF e organismos anteriores, para dar um destino às dezenas de casas florestais, sempre com o mesmo resultado: o dinheiro desaparecia, mas o problema não.

A solução evidente era fazer daquilo alojamento turístico (para habitação não serviam, na generalidade, eram casas muito isoladas, sem acessos razoáveis frequentemente, sem infraestruturas de electricidade e telecomunicações, a água resolver-se-ia se não se ligasse muito à regulamentação sobre qualidade da água, sem escolas para os miúdos que eventualmente existissem).

E houve muitas que foram usadas nesses sentido, com prejuízos operacionais elevadíssimos, pela dificuldade de operação (eram casas isoladas, ler o resto acima), pelo desvio das melhores para quem tinha os contactos certos (nomeadamente o uso pelos próprios funcionários ou membros dos gabinetes governamentais cujas boas graças se pretendiam obter) ou a pura e simples fraude (ainda me lembro da secretária da área protegida em que eu estava que, quando criei uns indicadores de gestão por me terem atribuído a responsabilidade pela gestão das casas, foi apanhada num esquema em que ficava ela com os pagamentos, não registando a ocupação das casas, sem que, aliás, sofresse qualquer sanção posterioe por esse desvio de dinheiro, por protecção da responsável pela área protegida, que se limitou a acabar com o esquema, evitando fazer ondas).

Quando se percebeu que gerir casas de turismo nas dificeis condições em que estas eram geridas não era propriamente o que o Instituto de Conservação na Natureza fazia melhor (diga-se de passagem, também não era o que fazia pior), tentaram-se duas coisas: ou encontrar parceiros para concessionar o uso turístico das casas, ou vender.

Qualquer das duas situações foram inviabilizadas pelo novelo jurídico que rodeava essas casas e, na verdade, porque aquilo não era grande negócio.

Claro que não é bem isto que se passa em muitos dos imóveis devolutos do Estado, alguns deles tão centrais como o famos terreno militar da Artilharia UM, em Lisboa, sobre o qual escrevi há tempos.

Mas sobre esses, temos inúmeros estudos de caso, eu limito-me a referir aqui três (um dos quais, este da Artilharia Um, que é dos meus preferidos para caracterizar esta mania de que o que o mercado não resolve, o Estado resolve melhor).

Temos o antigo edifício do Ministério da Educação, na Av. 5 de Outubro, em Lisboa, que está para ser uma residência universitária desde o tempo dos afonsinhos, e nem sequer começou a obra.

Ou o terreno do antigo quartel da Artilharia Um, vendido com uma capacidade construtiva maximizada para o Estado ganhar mais dinheiro, que a câmara inviabilizou e continua entregue às ervas.

O terreno da antiga feira popular que, esse sim, está com obras, num dos maiores empreendimentos imobiliários do país, actualmente, 70% para escritórios e acho que nem 30% para habitação de gama alta.

Discutir por que razão este problema dos edifícios devolutos do Estado existe, não contribui para resolver o problema da habitação de gama baixa mas, ainda assim, ponho duas hipóteses:

O Estado venderia esses imóveis (e seria criticado pelos mesmos que agora criticam o que está a fazer o presidente de câmara de Loures) para que privados investissem neles o suficiente para ganhar algum dinheiro, o que implicaria fazer casas de gama alta, com as outras não se ganha dinheiro, dada a regulamentação que existe.

Ou então, aumentava largamente os impostos para ter dinheiro para investir nesses imóveis e os disponibilizar a pessoas que hoje fazem barracas por não ter dinheiro para uma casa.

Não vejo como, quer num caso, quer noutro, a situação se alteraria, no essencial, pelo menos mais extensa e rapidamente que investindo naquilo que o Estado deveria concentrar-se em fazer, que é melhorar a eficiência do mercado imobiliário, reduzindo a regulamentação sobre a possibilidade de construção em terrenos, reduzindo a regulamentação sobre as exigências construtivas, liberalizando as rendas e reforçando a liberdade contratual entre senhorio e inquilino (incluindo o reforço e celeridade dos mecanismos de despejo de inquilinos por incumprimento contratual) e, já agora, se não for pedir muito, reduzindo a fiscalidade sobre o sector.

Sim, de tudo isto podem resultar problemas sociais, mas esses cabe ao Estado resolver, não aos senhorios.

O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.


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