insetos

Os seres que governam o mundo estão a desaparecer

Pequenos, numerosos e aparentemente insignificantes, os insetos são os “impérios que fazem o mundo girar”. Mas 40% de todas as espécies estão em declínio por causa do Homem e as consequências para o planeta são graves — sem eles não sobrevivemos

“Quando me perguntam se os insetos estão mesmo a desaparecer, eu normalmente respondo: ‘Pensem no que era há 30 anos irmos até ao Algarve de carro e quantas vezes tínhamos de ligar o pára-brisas para limpar os insetos e quantas vezes temos agora’. Não há comparação possível”. O cenário traçado por José Manuel Grosso-Silva, curador de entomologia do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), é o conhecido “fenómeno do pára-brisas” — um sinal claro que vaticina a crise que os insetos enfrentam em todo o mundo.

Talvez por serem tão pequenos, numerosos e por vezes chatos, os humanos não têm grande afinidade com os insetos e tendem a achá-los inúteis. Mas a realidade é que a humanidade não sobrevive sem eles. São o grupo de animais mais diverso da Terra, de longe com o maior número de espécies, e desempenham serviços vitais — ainda que aparentemente invisíveis — que mantêm os ecossistemas a funcionar. Polinizam as plantas que comemos, estão na base da cadeia alimentar, mantêm o solo saudável, decompõem matéria orgânica, e até limpam rios e lagos. A má notícia é que estão a extinguir-se.

O alerta chegou em 2013. A sociedade entomóloga alemã Krefeld publicou um estudo a confirmar que o número total de insetos capturados numa reserva natural do país tinha diminuído quase 80% face a 1989. No estudo final, que analisou 63 reservas naturais, os autores corroboraram um decréscimo consistente e preocupante: os insetos estavam a ser dizimados ao longo das últimas décadas. É certo que a investigação retratava apenas a realidade alemã, mas estudos seguintes comprovaram que o problema era global. Em 2019, a revista científica Biological Conservation revelou que 40% de todas as espécies de insetos estavam em declínio, e um terço em perigo de extinção.

É difícil saber ao certo quantas espécies diferentes de insetos existem por aí, quanto mais o decréscimo que se está a verificar em todo o mundo. São “seres muito diversos, pequenos, regra geral, e muitos deles vivem em habitats crípticos, escondidos do olhar humano”, explica a bióloga Ana Sofia Reboleira. Três quartos das espécies animais conhecidas no nosso planeta são representadas por insetos, equivalente a “cerca de 1,4 milhões de espécies”, mas ainda há milhões por rastrear e descrever — “estima-se que o valor possa ir até aos 7 milhões”, afirma a cientista. Se o número já parece exagerado, há estimativas que oscilam até aos 30 milhões.

Existem 2.130.023 espécies descritas

Apesar de dependermos dos insetos para praticamente tudo (sem eles não teríamos café nem chocolate, por exemplo), pouca importância se dá à “queda dos pequenos impérios que fazem o mundo girar”, como escreveu Oliver Milman, jornalista especializado em questões ambientais no “The Guardian”, que publicou o livro “A Crise dos Insetos” em 2022. “Tornou-se claro que havia esta crise silenciosa mas existencial em curso e pensei que era importante que mais pessoas soubessem dela”, contextualiza o autor.

O desinteresse — e desprezo — que os humanos têm pelos seres zumbidores explica-se facilmente. Quando entomologistas vão a uma escola e mostram insetos a crianças, elas gostam deles, querem tocar-lhes e aprender mais; mas quando chegam ao liceu, os adolescentes pensam que eles são horríveis. “A dada altura, estamos a ensinar às crianças desde tenra idade a não gostarem de insetos e a não estarem perto deles”, nota Oliver Milman. Há “boas razões históricas” para isto: “Basta pensarmos na malária, trazida pelos mosquitos, ou no facto de os insetos estarem associados à morte, quando pensamos em moscas e cadáveres”.

Além disso, a maioria das pessoas prefere animais que lhes são mais próximos e “logicamente os mamíferos, como têm pêlos e certas caraterísticas mais parecidas com os humanos, recebem mais interesse” do que as espécies invertebradas, constata Ronaldo Sousa, investigador no Centro de Biologia Molecular e Ambiental e professor do Departamento de Biologia da Escola de Ciências da Universidade do Minho.

A culpa

Os pequenos seres que governam o mundo natural estão a desaparecer, sem surpresas por causa do Homem, e as razões são pelo menos cinco.

1. A praga dos inseticidas

O DDT — o primeiro inseticida moderno que valeu ao seu inventor, Paul Hermann Müller, um Prémio Nobel em 1948 — foi banido em vários países já há muito tempo. Contudo, existem regiões menos desenvolvidas onde “continua perfeitamente a ser utilizado”, denuncia o entomólogo José Manuel Grosso-Silva. Há ainda outros inseticidas com menos impacto mas também prejudiciais: quando são aplicados têm efeito sobre a superfície, debaixo de terra e nos lençóis freáticos, pois quando chove há infiltração e contaminação. O resultado é uma diminuição drástica da diversidade e população de insetos.

2. A perda de habitat nativo

“Se olharmos para o nosso país, […]

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