Existe uma grande variedade de solos em Portugal, embora predominem os solos pobres e pouco profundos, nos quais o crescimento vegetal tem limitações. A sua fertilidade pode, no entanto, ser melhorada por práticas de gestão adequadas que, além de apoiarem a produtividade vegetal (agrícola e florestal), devem ter em conta a necessidade de equilíbrio e de preservação deste sistema natural.
Em meados do século XIX, chuvas intensas em zonas montanhosas da Península Ibérica – e noutras áreas de montanha europeias – causaram cheias e deslizamentos de terras. Da necessidade de evitar esta erosão do solo, de proteger as linhas de água e de fixar os areais e dunas do litoral que avançavam sobre as terras férteis, surgiram as bases da política florestal nacional, cujas extraordinárias iniciativas de arborização constituíram também as primeiras intervenções conhecidas sobre os solos em Portugal.
O solo, até então encarado como uma superfície para produção, passou a ser considerado um recurso. A ideia de o conservar não se devia, no entanto, à sua importância intrínseca, mas à necessidade de reduzir a erosão, preservar terrenos agrícolas e defender a integridade dos cursos de água. É isto que explicita o Decreto de 25 de novembro de 1886, que lançou as bases dos serviços florestais e instituía que “…seriam sucessiva e parcialmente submetidas ao regimen florestal … e por meio de expropriação os terrenos incultos das cumiadas e encostas dos montes, as areias soltas e dunas do litoral, e quasquer outros terrenos cujo povoamento se tornasse necessario aos interesses do país, e especialmente ao regímen das aguas”.
A mesma perspetiva está presente no Decreto de 24 de dezembro de 1901, artigo 25º, que definiu o conceito de regime florestal vários anos depois: “… comprehende o conjunto de disposições destinadas a assegurar não só a creação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal de terrenos cuja arborização seja de utilidade pública e conveniente e necessária para o bom regímen das aguas e defesa das varzeas, para valorização das planícies áridas e beneficio do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias do litoral marítimo”.
Nesta altura pouco se sabia sobre as funções ecológicas do solo nos ciclos da água e do carbono ou na biodiversidade, nem tinham sido aprofundados os fatores que influenciavam o crescimento da vegetação, nomeadamente da floresta. A pedologia, a ciência dedicada ao estudo dos solos, já tinha dado os primeiros passos, mas em Portugal só avançou nas décadas seguintes.
O estudo e cartas de solo desenvolvidos desde meados do século XX revelaram uma grande diversidade de solos em Portugal, com variabilidade morfológica, física e química, que impõe desafios técnicos na sua utilização agrícola ou florestal. Concluíram também que parte significativa dos solos nacionais é pouco profunda, muito pedregosa e tem pH baixo – o que acontece em particular nas zonas de topografia acidentada – o que significa uma baixa capacidade de produção vegetal.
O solo e o crescimento vegetal e florestal
Para as plantas terrestres, o solo é o suporte e a fonte de água e de nutrientes, atuando como fator condicionante da sua produtividade. As características que o tornam mais – ou menos – fértil para a produção vegetal, em conjunto com o clima local, definem a chamada “qualidade da estação”.
A “qualidade da estação” (de determinado local) depende das características do solo: o material originário, a profundidade (que vai condicionar o crescimento das raízes), a drenagem e o arejamento (que determinam o encharcamento ou não do solo), o teor em matéria orgânica e a disponibilidade de nutrientes. Entre as características que mais condicionam o crescimento das plantas, encontra-se o pH, uma medida da acidez, neutralidade ou alcalinidade do solo, que influencia a disponibilidade de nutrientes e de outros elementos, a permeabilidade à água, a compactação e a massa volúmica ou densidade aparente (relação entre a massa do solo e o seu volume), que condicionam a penetração das raízes e a circulação de oxigénio.
As duas situações mais adversas em solos florestais são a saturação em água e um nível de pH desadequado:
– saturação em água (ou encharcamento do solo)
Nos solos saturados de água (ou demasiado compactados), os poros estão preenchidos e o oxigénio não circula, o que causa redução da quantidade de oxigénio disponível (situações de hipoxia) ou até ausência de oxigénio (anóxia). A falta de oxigénio diminui o crescimento das raízes, podendo levar à sua morte, e são poucas as árvores que conseguem tolerar solos encharcados, exceção feita às espécies típicas das zonas ribeirinhas.
Quando a água que encharca o solo é salgada, junta-se o problema da salinidade, ou seja, do excesso de sódio, que é tóxico e causa desidratação nas plantas. Também nestas condições são poucas as espécies que conseguem sobreviver, embora haja plantas e árvores que desenvolveram adaptações para os ambientes encharcados e de elevada salinidade, como é o caso da flora típica dos mangais tropicais.
– pH desadequado:
O nível de pH do solo afeta a disponibilidade de vários elementos essenciais para o crescimento vegetal, como fósforo, cálcio, ferro, zinco, cobre e manganês, cuja carência ou excesso podem ser determinantes para o crescimento das plantas.
Em solos ácidos (com pH inferior a 4,7), a nutrição e desenvolvimento das plantas podem ser prejudicados pelo surgimento na solução do solo de elementos nocivos para o crescimento das plantas como o alumínio, por exemplo. Ainda assim, há plantas que preferem solos mais ácidos e pobres em calcário, como é o caso das hortênsias (Hydrangea macrophylla), das camélias (Camellia L.), do sobreiro (Quercus suber), do castanheiro (Castanea sativa) ou do carvalho-negral (Quercus pyrenaica) – razão por que lhes chamam plantas calcífugas.
Nos solos alcalinos (com pH acima de 5,5), há grande disponibilidade de cálcio, mas pouca abundância de ferro, cobre, zinco, manganês ou mesmo azoto e boro. Embora existam plantas bem-adaptadas a solos mais alcalinos, a maioria cresce melhor em solos com pH ligeiramente ácidos a neutros, ou seja, com pH entre 5,5 e 7,0.
Assim, aproximar o pH do solo para níveis mais adaptados ao crescimento vegetal é um procedimento relativamente comum. Por exemplo, é normal adicionar calcário (material rochoso rico em cálcio) para aumentar o pH de solos ácidos. Esta intervenção, chamada de calagem do solo, e outras, como as adubações e a descompactação da camada superficial, permitem alterar as condições químicas e físicas e do solo, respetivamente, tornando-o mais apto à produção. Mas estas e outras intervenções devem ter em conta que o solo é um sistema complexo e estrutural para a vida.
Uso dos solos em Portugal contribuiu para os tornar mais secos e erodidos
Se as características do solo vão influenciar e condicionar as espécies vegetais existentes, também o desenvolvimento destas espécies, especialmente das florestais, vai alterando o ecossistema. Contudo, a escala temporal natural é longa (centenas a milhares de anos) enquanto as dinâmicas humanas de alteração e uso do solo são mais rápidas (de meses, no caso das culturas agrícolas, ou décadas, nas florestais).
A atividade humana tem vindo a mobilizar e alterar o solo há milhares de anos, desde o Neolítico e primeiras sociedades dedicadas à agricultura. A introdução de novas técnicas e culturas reforçou-se desde o tempo dos romanos e intensificou-se com a chamada revolução agrícola, que precedeu a revolução industrial. A necessidade de alimento e matérias-primas para uma população crescente vieram alterar os padrões de uso do solo e a paisagem, tendo os melhores solos sido utilizados para a produção agrícola.
Devido às suas características (pouca profundidade, pedregosidade elevada e pH baixo), é vulgar dizer que vários dos nossos solos são “esqueléticos e pobres”. Embora as características de base não fossem as ideais para promover o crescimento vegetal, as dinâmicas sociais, históricas e económicas impulsionaram a atividade agrícola e a florestação.
Em Portugal, no último século, foram as políticas de fomento dos cereais (principalmente trigo, mas também milho, centeio, cevada e aveia) que levaram ao maior aumento da ocupação agrícola de que há registo. Em 1970, a superfície agrícola nacional atingiu o seu máximo histórico, com cerca de 4,8 milhões de hectares ocupados, o que equivale a mais de 50% da superfície do país.
A pressão da produção cerealífera impôs que o cultivo fosse além dos solos mais produtivos. Mesmo as áreas até aí deixadas livres – os chamados incultos –, por serem pouco profundas e com maiores declives, foram cultivadas, levando os solos ao limite da sua capacidade e fazendo recuar áreas de pastagens e florestas.
Com esta ocupação, surgiram problemas de erosão e perda de produtividade. A estes constrangimentos, vieram juntar-se questões sociais (o êxodo rural e a modernização da agricultura), políticas (as regulamentações da União Europeia) e, mais recentemente, os efeitos das alterações climáticas. Estas diferentes realidades contribuíram para tornar os solos em Portugal mais suscetíveis à desertificação e à seca, embora tenham levado também à redução significativa da ocupação agrícola.
Hoje, em Portugal, a atividade agrícola e florestal desenvolve-se em cerca de 80% do território: 39% florestas, 26% agricultura, 8% sistemas agroflorestais e 7% pastagens, segundo o mapeamento da Direção Geral do Território (2018).
A utilização do solo, sem considerar o seu equilíbrio, levou a que cerca de um terço dos solos do planeta esteja atualmente degradado, em parte devido a práticas de gestão desadequadas. Tal como noutras regiões do planeta, também em Portugal a erosão e a desertificação são as principais causas de degradação do solo. Em alguns casos, a vulnerabilidade natural causada pelas secas e pela precipitação irregular, algo que se poderá intensificar como consequência das alterações climáticas, podem ser agravadas por práticas inadequadas de gestão do solo.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.