A discussão sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) após 2013 já começou. A sua definição assume um carácter central no processo mais vasto de revisão das Perspectivas Financeiras 2014-2020, que definirá as principais prioridades políticas da UE para esse período. Trata-se de uma das políticas “pilares” do processo de integração capitalista europeia, com um peso importante em termos de orçamento da UE, cerca de 40 por cento. Este é um debate que, registe-se, com honrosas excepções, os seus precursores ao nível da UE e do Ministério da Agricultura português, procuram enfeudar na cartilha do capital e do “funcionamento livre do mercado” como elemento regulador da oferta e da procura dos produtos agrícolas, propondo apenas alguns paliativos para o surgimento de eventuais crises. Não faltam defensores, mais ou menos encartados, nem teorias a sustentar a manutenção ou mesmo o aprofundamento da liberalização da agricultura iniciada com a reforma de 1992 e prosseguida nas seguintes reformas. Os resultados são conhecidos e estão à vista: concentração da produção agrícola em alguns países e regiões da UE, particularmente nas grandes potências agrícolas, aumento da dependência alimentar do nosso País, abandono forçado da actividade por parte de muitos milhares de pequenos e médios agricultores e da agricultura familiar, perda de milhares de postos de trabalho directos e indirectos neste sector, pagamento de ajudas sem obrigação de produzir e uma repartição leonina dos fundos a favor dos grandes proprietários da terra. Mas sobre isto a UE, o ministro da Agricultura, ex-ministros, deputados ou ex-deputados no PE do PS, PSD e CDS/PP nada dizem ou então, se a tal se referem, é para se congratularem com o papel colaboracionista desempenhado ao serviço do grande capital, das grandes potências da UE e dos grandes latifundiários do nosso País, nomeadamente do Sul. Alguns deles estarão provavelmente a ensaiar o discurso da “vitória”, repetido reforma após reforma e reproduzido pelos principais meios de comunicação social. A realidade, essa, é bem diferente e traduziu-se em pesadas derrotas, empurrando o País para a cauda da tabela em termos de indicadores de desenvolvimento da UE a 12, mais tarde a 15, depois a 24 e agora a 27 países.
Relembremos aqui a tese de Lénine segundo a qual, “o desenvolvimento da troca, tanto no interior como, em especial, no plano internacional é um traço característico do capitalismo”. A liberalização do comércio internacional, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), e de outros “tratados de livre comércio” foi, e continua a ser, um objectivo estratégico para o grande capital da UE. A agricultura tem sido utilizada como moeda de troca para outros interesses em negociação , nomeadamente nos serviços e na produção industrial, sectores onde a UE julga poder obter vantagem.
A discussão sobre a futura reforma da PAC não é, no entanto, um processo isento de contradições. As grandes potências da UE terão que estar de acordo sobre a contribuição de cada uma para o orçamento da UE e sobre a fatia que cada uma irá arrebanhar do bolo final. A questão colocada parece ser a de saber quanto, onde e como se gastarão os milhões, tendo em conta as prioridades decorrentes do Tratado de Lisboa e as funções que se estão a querer acrescentar à agricultura, nomeadamente em termos de produção energética e de “alterações climáticas”. A PAC existente não serve. Exige-se uma profunda reforma da PAC: com uma mais justa distribuição das ajudas entre países, produções e produtores; a ligação das ajudas ao máximo à produção; preços justos à produção; a definição uma rede de apoio aos agricultores em caso de catástrofes; a aplicação do princípio da precaução relativamente aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM), rejeitando a patenteação de sementes e a dependência dos agricultores das grandes multinacionais da agro-indústria que os produzem. É necessária uma outra política agrícola que, no plano da UE e no plano nacional, afirme a independência do povo e do País através da soberania e segurança alimentares, a revisão da política de uso e posse da terra. Para isso, é necessário juntar pequenos e médios agricultores, agricultura familiar, trabalhadores agrícolas e outras camadas sociais, cuja convergência de lutas, mais ou menos ligadas a este sector será determinante para o futuro da agricultura portuguesa.
Maurício Miguel
Membro do Gabinete de Apoio aos deputados do PCP ao Parlamento Europeu