Peneireiros-das-torres já chamam ninho a Mértola. Falta é o que levar ao bico

Em Mértola existe a única colónia de peneireiros-das-torres a nidificar num casco urbano. A espécie classificada como vulnerável, já foi muito abundante, mas entrou em declínio. Hoje está estável, com um ligeiro aumento do número de casais presentes no país. Na vila alentejana, o desaparecimento dos campos de cereais em torno da povoação é o maior obstáculo à manutenção da colónia

Há nuvens a tornar o dia de calor mais suportável em Mértola, quando Carlos Carrapato, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), se dirige para o edifício do antigo tribunal, bem no coração da vila. Acompanhado de alguns colegas e munido de uma pequena caixa de ferramentas, com anilhas e minúsculos alicates, está pronto para espreitar as caixas-ninho que ali foram colocadas para albergar os peneireiros-das-torres (Falco naumanni). Outrora bastante abundantes, estes pequenos falcões sofreram um forte declínio na segunda da metade do século passado e agora procura-se conservar uma população que ainda não recuperou totalmente, mas que tem mantido alguma estabilidade. Mértola tem a única colónia em Portugal que nidifica no casco urbano e o responsável do ICNF está prestes a descobrir alguns dos seus novos elementos.

Já não falta muito para que estas crias, nascidas algures em finais de Maio, estejam prontas para começar a voar, por isso chegou a hora de anilhar algumas delas, permitindo que, no futuro, graças aos códigos únicos de cada uma, seja possível seguir o trajecto das aves, agregando mais informações sobre as que nasceram em Mértola – nomeadamente, se regressam depois da temporada passada em terras africanas, que costuma prolongar-se entre finais de Julho e meados de Fevereiro.

Aberta a vidraça do edifício, Carlos Carrapato debruça-se sobre o balcão de pedra e agarra a primeira caixa-ninho, puxando-a para dentro. Quando a abre, uma surpresa: em vez de crias ou do vazio (o que também pode acontecer), quatro ovos estão aninhados lá dentro. “Temos aqui uma postura de reposição. Esta espécie faz uma primeira postura no princípio de Maio e as [os ovos] eclodem no final. Por algum motivo, essa postura não funcionou e fizeram uma nova”, explica o biólogo do ICNF, antes de encerrar a caixa e voltar a colocá-la no seu lugar habitual.

Há várias razões para que uma postura não funcione, a começar pela predação. Se um dos membros do casal tiver um problema e não conseguir regressar ao ninho, as coisas também podem correr mal, e quando isso acontece, não é certo que haja uma segunda postura, explica Rita Alcazar, coordenadora da delegação de Castro Verde da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), que acompanha a população de peneireiros-das-torres, desde inícios do século XX, quando a associação desenvolveu ali um projecto Life dedicado à espécie.

Os peneireiros-das-torres ou francelhos estão classificados como espécie vulnerável na Europa, e entraram em declínio em Portugal em parte por causa da destruição dos seus locais de nidificação. Adaptados a nidificar em edifícios antigos, como castelos e as suas muralhas, sofreram com a reabilitação destes espaços, que os deixaram sem as fendas e buracos que usavam como casa.

A colocação de caixas-ninho, e a construção de paredes de nidificação, parece ter resolvido este problema, mas há um outro que subsiste e que se faz sentir sobretudo em Mértola: o acesso ao alimento.

Quilómetros por um grilo

No concelho, muitos campos de cereais foram substituídos por matos ou florestas e, agora, os peneireiros-das-torres que ainda nidificam na vila têm de percorrer distâncias de pelo menos três quilómetros para encontrarem o alimento de que necessitam, para eles e para as crias. Rita Alcazar diz que alguns fazem distâncias bem mais longas, que podem chegar aos 10 ou 14 quilómetros, e a energia gasta em todos

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