“Perspetivas para a valorização da floresta portuguesa”: estudo do BCG sublinha necessidade de aumentar escala de gestão

Se nada mudar no sector florestal em Portugal, até 2050 este poderá perder cerca de 4 a 5 mil milhões de euros. Se, pelo contrário, prosseguirmos a ambição de uma floresta mais sustentável, com a integração das fileiras para a criação agregada de valor económico, social e ambiental, o contributo do sector pode aumentar em 6 a 7 mil milhões de euros. As projeções constam do estudo “Perspetivas para a valorização da floresta portuguesa”, desenvolvido pelo Boston Consulting Group (BCG).

Assumido como base para um debate nacional alargado, o estudo “Perspetivas para a valorização da floresta portuguesa” foi dado a conhecer em meados de fevereiro, na Fundação Calouste Gunbenkian, e quer contribuir para promover uma nova visão da floresta: mais sustentável e com fileiras integradas que possam trabalhar para a criação agregada de valor económico, social e ambiental.

O caminho a percorrer para ir ao encontro desta visão tem de passar pela integração entre produção e conservação florestal, que hoje não prevalece, e implica combinar floresta produtiva e de conservação, matos e pastagens e uma componente agrícola, numa lógica de mosaico.

Pedro Pereira, Managing Director e Partner da BCG, que apresentou o estudo, sublinhou que esta visão implica uma estratégia concertada e mobilizadora, apoiada por várias disciplinas científicas – da sociologia à economia, biologia e ecologia, entre outras – sob uma governança rigorosa e diretrizes políticas claras. Esta perspetiva de concertação e multidisciplinaridade será essencial para compreender, propor e incentivar modelos que promovam o interesse pelas zonas rurais, a gestão ativa da floresta e a convergência das fileiras na conciliação entre produção e conservação.

Embora desde 2017 já tenham sido dados alguns passos neste sentido (por exemplo, criação da AGIF – Agência a Gestão Integrada dos Fogos Rurais e definição dos PROF – Planos Regionais de Ordenamento Florestal, entre outros) há ainda um caminho longo por fazer para dar resposta a três grandes desafios que persistem:

– Impacte das alterações e adaptação climática – as zonas rurais são das mais afetadas pelas alterações climáticas, mas também são das que têm um papel mais importante no seu combate, não só pela absorção e retenção de dióxido de carbono, como na proteção dos solos, na regulação do ciclo da água e enquanto habitat e refúgio para a biodiversidade. Fazem parte do risco, mas também da solução, inclusive para atingir várias metas do roteiro de neutralidade carbónica.

– Despovoamento e abandono das terras – a redução da população em zonas não urbanas tem acelerado, em especial no interior, com despovoamento, desinteresse e abandono das culturas, o que condiciona a capacidade de gestão ativa, aumenta a vulnerabilidade do território e limita a capacidade de exploração e a sustentabilidade da paisagem;

– Estrutura desadequada da propriedade – com predominância da propriedade privada e muito fragmentada. Estima-se a existência de mais de 400 mil proprietários e de 11 milhões de prédios rústicos, assim como cerca de 3,5 milhões de heranças indivisas (cerca 30% dos prédios rústicos), o que trava a escala de gestão.

“Temos minifúndio não só no terreno, mas também na nossa mentalidade enquanto país”, sublinhou a este respeito o Ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva (na abertura do evento de apresentação deste estudo), avançando o emparcelamento como uma das soluções que pode ser fomentada através de incentivos fiscais.

Estes três desafios estão associados a três riscos sistémicos, que precisam de ser contrariados:

– Diminuição da área arborizada e reduzida área sob gestão.

O aumento da área ardida tem levado à redução das zonas arborizadas e ao acréscimo de matos e pastagens, o que traz riscos acrescidos e condiciona a já reduzida área sob gestão ativa.

Nesta vertente, a evolução portuguesa tem sido inversa à de vários congéneres europeus, como França e Espanha, entre outros, que têm aumentado a sua área arborizada, registado menos área percentual ardida e diminuído as suas áreas de matos.

O abandono e a falta de gestão ativa promovem este círculo vicioso que é preciso inverter: acumulação de combustíveis, aumento de externalidades negativas, incluindo o perigo de incêndio, o que reduz a atratividade de investimento na floresta, condicionando o investimento florestal, a viabilidade da gestão e exploração florestal.

– Redução da produtividade florestal, com aumento das importações.

Os dados relativos à evolução do stock de materiais florestais e à produção anual bruta indicam uma redução de produtividade em Portugal (ao contrário do que se regista em vários congéneres europeus), o que tem levado a uma crescente dependência dos recursos externos e ao aumento das importações.

O valor da produção lenhosa, não lenhosa e de produtos/serviços indiretos (pastagens, turismo, peça e caça desportiva em zonas florestais) e as externalidades positivas que gera (sequestro de carbono, biodiversidade, proteção do solo e água) ascende a quase 2 mil milhões de euros por ano, mas cerca de 30% deste valor acaba por perder-se em externalidades negativas (pragas e doenças, incêndios, etc.).

– Subaproveitamento e degradação do potencial económico florestal.

Se a trajetória destes valores da fileira se mantiver e a projetarmos para o futuro, o sector vai continuar a perder valor: até 2050 poderá estar comprometido cerca de 10% do valor atual.

Oito causas que limitam melhores perspetivas para a valorização da floresta

Na raiz deste diagnóstico, o estudo “Perspetivas para a valorização da floresta portuguesa” identifica oito causas estruturais e limitantes:

    1. Valor económico limitado, sem remuneração total dos ativos das florestas.
      Neste ponto, sublinhou-se que o retorno económico direto da produção florestal é baixo, (estimado em menos de 7%) e que os riscos inerentes à floresta reduzem a atratividade para investir, mas que as externalidades e serviços indiretos, que incluem os serviços de ecossistema, têm um peso significativo no valor indireto gerado pela floresta. O facto desta vertente de serviços continuar a não ser remunerada condiciona o retorno. Só a vertente de sequestro carbono está estimada em 210 milhões de euros por ano, o que, conjuntamente com outros serviços ecológicos, permitiria melhorar os valores da produção florestal.
    2. Insuficiente escala e reduzida profissionalização na gestão florestal.
      As parcelas florestais têm uma escala pequena, em particular no Norte e Centro, e é nestas zonas que se regista maior área percentual ardida. As ZIF – Zonas de Intervenção Florestal, UGF – Unidades de Gestão Florestal e Comunidades de Baldios representam 39% dos espaços florestais (mais de 45% nas zonas críticas do Norte e Centro), mas o quadro legal continua a ser complexo para pequenos proprietários. Esta desagregação da propriedade dificulta a escala da gestão profissionalizada e também a da certificação, cujos valores continuam baixos em Portugal.  Embora as áreas com gestão certificada tenham praticamente duplicado nos últimos 10 anos, rondam os 11% na certificação pelo FSC e 10% na certificação pelo PEFC, face a uma média europeia de 51% e 77% respetivamente.
    3. Cadastro pouco conhecido, inclusive em zonas mais vulneráveis.
      O Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica estima que existam mais de 400 mil proprietários e de 11 milhões de prédios rústicos, o que dificulta a gestão em escala.
    4. Assimetria de profissionalização ao longo da cadeia de valor da floresta.
      Esta assimetria é mais notória a montante, nas áreas da produção e exploração, o que não permite uma gestão mais profissional;
    5. Informação insuficiente ao longo da cadeia e sobretudo junto dos produtores;
    6. Fiscalização e regulação com reduzida eficácia.
    7. Modelo de governança complexo e falta de integração na gestão das fileiras.
      Há um nível de complexidade elevado, com muitas entidades a atuar nas mesmas áreas, de forma não integrada e até com orientações nem sempre alinhadas. Esta realidade acaba por resultar numa falta de integração e alinhamento também nas políticas florestais, o que não acontece noutros países onde foi feito um levamento comparativo.
    8. Défice rural social e de talento na gestão dos recursos florestais.
      Este défice é visível não só no território, com êxodo, abandono, falta de gestão, mas também na formação e no talento alocado a este sector, com uma redução da média no nível de alunos que entram para engenharia florestal e de recursos naturais, o que não se coaduna com a visão de um mercado mais profissionalizado. Aqui também é relevante observar a idade média dos produtores – uma população cada vez mais envelhecida.

Oportunidades para um futuro mais próspero e sustentável

Estas causas podem ser endereçadas através de um conjunto de pilares de ação e atuação que não pretendem substituir-se a uma estratégia, mas abrir horizontes e encontrar as melhores soluções:

– Reunir as condições e incentivos para uma gestão ativa à escala da paisagem, através de medidas que permitam separar propriedade e gestão e que facilitem a agregação ou a gestão em maior escala;

– Potenciar e incentivar a integração de fileiras como forma de aumentar o rendimento das áreas florestais pela via dos serviços de ecossistema, criando fontes adicionais de rendimento para produtores;

– Garantir que a remuneração chega efetivamente aos produtores como forma de aumentar o retorno económico da exploração, com o pagamento dos serviços ambientais – carbono, proteção do solo, recursos hídricos, biodiversidade;

– Maior transparência e acesso à informação, para que se possa gerir e aplicar as melhores práticas e para permitir aos decisores e investidores uma decisão informada;

– Estimular a indústria a expandir as finalidades de uso de produtos tradicionais da floresta, nomeadamente com geração de maior valor acrescentado de base florestal;

– Garantir que existe uma perspetiva de gestão integrada do mosaico de paisagem e um sistema integrado e simplificado de incentivos para floresta, pecuária e agricultura.

Entre as perspetivas de valorização para a floresta, sobressaem ainda três pilares em que é necessária uma atuação contínua:

      • Dar formação e atrair talento para as zonas rurais (e indústrias rurais), com capacitação de pessoas e meios;
      • Fomentar a utilização crescente de tecnologias como forma de otimizar a gestão, rentabilidade e sustentabilidade dos recursos;
      • Reforçar a consciência cívica e promover uma aproximação da sociedade à floresta.

Em termos de atuação, o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro (que encerrou o evento de apresentação deste estudo), referiu inclusive uma “aproximação às organizações de produtores florestais para capacitá-las” e o estabelecimento de “entendimentos sectoriais de longo prazo com as fileiras florestais para acrescentar valor à floresta”.

Caminhar para uma visão preconizada, de uma floresta mais sustentável e produtiva, potenciará impactes positivos a nível económico, social e ambiental: no valor direto criado pela floresta e no valor acrescentado gerado pela indústria, ao nível do impacte social na criação de empregos na produção e nas atividades de apoio à exploração florestal, na atração de talento e pessoas para as zonas rurais e interiores, no aumento em 0,2 milhões de toneladas do dióxido de carbono removido da atmosfera e na mitigação de outros riscos relacionados com as alterações climáticas.

Percorrer este caminho não só permitiria contrariar a perda de valor que será fará sentir num cenário de inação, como, juntamente com a aposta na rearborização, poderá potenciar o valor gerado pela floresta em 6 a 7 mil milhões de euros.

Para saber mais, veja o vídeo de apresentação do estudo “Perspetivas para a valorização da floresta portuguesa”.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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