Não conheço os critérios em que os Primeiros Ministros (PM) baseiam habitualmente a escolha dos ministros que irão integrar os respectivos governos. Muito provavelmente, em relação aos ministérios de menor importância é aplicado o velho princípio muitas vezes utilizado na escolha dos melões, ou seja, que não vale a pena perder muito tempo com a sua escolha, uma vez que só depois de aberto o melão é que se pode ter a certeza se ele é bom ou mau. É verdade que não é possível “provar” um ministro com a facilidade com que se prova um melão, mas parece-me ser indiscutível que, passado um período mínimo de avaliação, se deverá fazer aos ministros aquilo que se faz aos melões que não são bons, ou seja, substitui-los por outros de melhor qualidade.
Vêm estas minhas considerações introdutórias a propósito do actual Ministro da Agricultura (MA), cuja escolha se revelou, há já muito tempo, ter sido a pior possível, mas que, por falta de capacidade de avaliação ou mera teimosia, tem vindo a ser mantido no lugar pelo PM. Não posso deixar de estar de acordo com a orientação que decorre da actuação do actual PM, que parece ter consistido em manter os ministros em funções durante a legislatura para a qual o governo foi nomeado, a não ser que existam motivos suficientemente fortes para justificar o contrário. Para alguém que como eu, há mais de três décadas acompanha muito de perto a evolução da agricultura portuguesa, tornou-se, há já bastante tempo, evidente que existem motivos mais que suficientes para a demissão do actual MA, cujo nível de competência demonstrado é dos mais baixos alguma vez revelado pelos ministros que nestas últimas décadas ocuparam este posto em Portugal.
Conheço o actual MA desde que na primeira metade dos anos 80 do século XX eu integrava uma equipa responsável pela análise do impacto sobre a agricultura portuguesa do processo de adesão de Portugal às CE e ele dava os primeiros passos na sua carreira profissional. Apesar de ter mantido contactos diversos com ele durante esse período, não cheguei a formar uma opinião consistente sobre o seu carácter e as suas aptidões profissionais, até porque, ele foi, pouco tempo depois, trabalhar para Bruxelas e, desde então, tive poucas oportunidades para saber como se comportava e o que fazia, pensava ou conhecia sobre a nossa agricultura e a PAC.
Quando da formação do actual Governo e um jornalista do Público me telefonou a revelar o nome do MA escolhido, tenho que confessar que fiquei surpreendido com a escolha, mas assumi sempre em conversas posteriores uma atitude positiva em relação ao papel que ele poderia vir a desempenhar no processo de reforma da PAC de 2003, cuja aplicação em Portugal então se iniciava.
No entanto, com o decorrer do tempo, quer os poucos contactos directos estabelecidos, quer as informações indirectamente obtidas, levaram-me desde cedo a perceber que o novo MA conhecia muito mal a realidade agrícola e rural portuguesa e, o que era mais grave, trazia de Bruxelas um conjunto de falsas ideias pré-concebidas sobre a agricultura em Portugal e o papel a desempenhar no futuro pela PAC.
Para além disso, ficou desde logo claro que o novo MA não tinha o menor interesse em saber a opinião, não só dos quadros técnicos do seu ministério com maior experiência, como das organizações de produtores agrícolas, a qual não podia (nem devia) ter sido, como foi, pura e simplesmente ignorada ou mesmo muitas vezes ostensivamente desprezada.
Deste comportamento, resultou, após quatro anos de governação:
– uma visão estratégica para o desenvolvimento da agricultura e do mundo rural em Portugal claramente desajustada das nossas limitações actuais e potencialidades futuras;
– um processo de reestruturação do Ministério da Agricultura (MADRP) que pouco ou nada contribuiu para resolver os reais problemas com que ele se debatia e, apenas, serviu para desmotivar os seus quadros técnicos, marginalizando a maioria daqueles que pela sua competência, experiência e bom senso mais falta lhe faziam;
– um preenchimento da maioria dos lugares de chefia dependentes do MADRP, com base em indivíduos, cuja competência profissional não ponho em causa, mas com notório desconhecimento do sector agrícola português e das políticas públicas que sobre ele incidem a nível nacional e comunitário;
– uma total incapacidade para se relacionar de forma saudável com as organizações de produtores agrícolas nacionais, parceiros indispensáveis para o futuro desenvolvimento da agricultura e do mundo rural português;
– uma enorme ineficácia na condução do MADRP que é bem expressa pelo muito reduzido número de contratos assinados no âmbito dos apoios ao investimento nas explorações agrícolas e florestais, dois anos e meio após o início da potencial entrada em funcionamento do PRODER (2007-13), que, devido ao facto de quase nenhum deles ter sido ainda concretizado do ponto de vista financeiro, faz com que desde 2005, ano em que as verbas do QCA III para a agricultura e florestas foram consideradas esgotadas, não esteja em vigor em Portugal quase nenhum tipo de incentivo financeiro aos investimento nas explorações agrícolas e florestais;
– o recurso sistemático a argumentos, justificações e dados estatísticos na defesa das suas posições e resultados da respectiva actuação, cuja total falta de aderência à realidade não pode ser justificada, apenas, por uma mera incompetência de quem as utiliza.
Concluirei, assim, que pior do que sucedeu à nossa agricultura nestes últimos anos era impossível e estou certo que o actual Ministro da Agricultura é o principal responsável pelo sucedido. Uma vez que o Primeiro Ministro não soube (ou não quis) alterar atempadamente esta situação, fiquei a aguardar até hoje, enquanto simpatizante de longa data do Partido Socialista, por uma afirmação clara de que se não vai voltar a escolher para MA o Dr. Jaime Silva. Na ausência de tal clarificação queria tornar público que não darei o meu apoio ao PS no próximo acto eleitoral, decisão esta que, em si mesma, pouco vale, mas que estou certo é extensiva a muitos daqueles que, continuando a acreditar na capacidade do PS para governar, não aceitam vê-lo persistir na destruição da agricultura e do mundo rural em Portugal.
Francisco Avillez
Professor Emérito do ISA, UTL
A Política Agrícola Comum (PAC): lições do passado e opções futuras – Francisco Avillez