Plásticos verdes: solução ou ilusão?

O plástico é, indiscutivelmente, um dos materiais mais revolucionários da era moderna. Leve, resistente, barato, facilmente moldável, transformou a indústria, democratizou o consumo e teve um impacto decisivo em áreas como a medicina, permitindo salvar milhões de vidas com dispositivos esterilizados e descartáveis. Desde a sua invenção, no final do século XIX, substituiu matérias raras como o marfim ou a carapaça de tartaruga e, ao longo do século XX, tornou-se omnipresente. Do quotidiano às grandes infra-estruturas, o plástico infiltra-se em tudo: embalagens, roupas, electrónica, construção civil e transportes. É tão central no nosso modo de vida que é quase impossível imaginar a vida contemporânea sem ele.

Mas essa ubiquidade traz consigo não apenas benefícios, mas também desafios que não podem ser ignorados. A mesma durabilidade que o torna útil transformou-se numa ameaça persistente: resíduos acumulam-se em aterros e oceanos, enquanto a sua fragmentação gera microplásticos que já circulam nos ecossistemas e, agora, no próprio corpo humano. Estudos recentes detectaram estas partículas em tecidos humanos como a placenta, os pulmões, o sangue e até o leite materno. Apesar disso, os cientistas sublinham que ainda não há provas conclusivas de danos directos para a saúde. Por enquanto, o que sabemos é insuficiente — mas suficiente para fazer soar sinais de alerta. A ciência ainda não conseguiu comprovar de forma definitiva os impactos dos microplásticos na saúde humana, mas isso não significa que devamos ficar inactivos. Quando estão em causa a saúde pública e o ambiente, agir com precaução é preferível do que adiar medidas até que a prova seja irrefutável — porque nessa altura os danos podem já ser irreversíveis. É por isso que a comunicação pública deve ser clara e responsável: sem criar pânico com mensagens simplistas, mas também sem cair na passividade de quem prefere ignorar o problema. A incerteza não é desculpa para inacção; pelo contrário, é motivo para intensificar a investigação e preparar medidas preventivas.

É neste contexto que surge a promessa dos chamados “plásticos verdes”, também conhecidos como bioplásticos — materiais apresentados como alternativa mais sustentável ao plástico fóssil. São produzidos a partir de fontes renováveis, como milho ou cana-de-açúcar, ou concebidos para serem biodegradáveis em condições específicas. Em teoria, parecem oferecer o melhor dos dois mundos: manter as vantagens do plástico e reduzir o impacto ambiental. Mas será esta uma solução real ou apenas uma ilusão pintada de verde?

O plástico fóssil, com todos os seus defeitos, é um desafio que conhecemos. Já há programas de reciclagem e tecnologias, mesmo que imperfeitas, para reduzir os seus impactos. Já os bioplásticos levantam mais dúvidas do que certezas. Nem todos são biodegradáveis, nem todos são de origem renovável, e muitos só se degradam em centrais de compostagem industrial, desaparecendo muito lentamente no ambiente natural — como solos agrícolas, florestas ou aterros — ou no mar. A sua produção em larga escala pode ainda competir com a agricultura alimentar, pressionando recursos como a terra fértil, a água e os fertilizantes. Em vez de resolver o problema, corremos o risco de criar dilemas novos.

A filosofia ajuda-nos a pensar melhor esta questão. Andrew Feenberg chama technofix às soluções tecnológicas que disfarçam problemas sem atacar as suas causas profundas. Hans Jonas lembrava que cada inovação deve ser avaliada não apenas pelos benefícios imediatos, mas também pelas consequências que impõe às gerações futuras. E Donna Haraway acrescenta uma perspectiva crítica essencial: o conhecimento nunca é neutro nem absoluto, mas sim “situado”, moldado pelos contextos sociais, políticos e pelas relações de poder que o produzem. Isto significa que as escolhas científicas e tecnológicas — como apostar em plásticos verdes — não acontecem num vazio. São influenciadas por interesses económicos, por discursos de marketing e até pelas expectativas culturais de consumo rápido e descartável. Haraway lembra-nos, portanto, que pensar em alternativas não é apenas uma questão de química ou engenharia de materiais, mas também de compreender quem ganha, quem perde e quais valores estão a ser defendidos quando falamos em “sustentabilidade”.

A história recente reforça o alerta: nos anos 1980, plásticos “biodegradáveis” falharam em cumprir o prometido, fragmentando-se em vez de se degradarem. Décadas depois, os biocombustíveis de primeira geração — combustíveis produzidos a partir de culturas agrícolas como milho, cana-de-açúcar, soja ou óleo de palma, que competem com a produção alimentar — repetiram o erro, promovendo desmatamento e outros impactos. Também embalagens “oxo-biodegradáveis” acabaram por libertar microplásticos persistentes. Estes exemplos mostram que soluções técnicas apressadas podem criar novos problemas quando não se avaliam os seus efeitos a longo prazo.

O futuro dos plásticos não depende apenas da ciência dos polímeros, mas das escolhas que fazemos enquanto sociedade. O design pode abrir caminho a soluções mais circulares e duradouras. Experiências de Do-It-Yourself da cultura maker, que ensinam a produzir bioplásticos caseiros a partir de gelatina ou agar-agar, mostram que mais do que esperar por um material milagroso, precisamos de questionar hábitos de consumo e expectativas.

A discussão sobre os plásticos verdes não pode ficar presa a slogans de marketing ou a soluções fáceis. É necessário um debate informado, assente em evidência científica e em responsabilidade política. A indústria, embora muitas vezes acusada de greenwashing — ou “lavagem verde”, isto é, da prática de apresentar produtos, empresas ou políticas como sustentáveis quando pouco ou nada muda na realidade — tem, ainda assim, demonstrado preocupação e investido em práticas mais responsáveis. Entre elas estão a investigação em novos materiais e a aposta em sistemas de recolha e reciclagem. Esse esforço merece reconhecimento, mas deve vir acompanhado de clareza sobre as práticas adoptadas e de um compromisso efectivo com soluções de longo prazo. Aos decisores políticos cabe criar regulamentação clara e ambiciosa, capaz de orientar a inovação para modelos realmente sustentáveis e de garantir que os avanços da indústria não se percam em discursos vazios. E a nós, cidadãos, compete questionar hábitos, reduzir o consumo supérfluo e apoiar alternativas que conciliem conveniência com responsabilidade ambiental.

Se quisermos, de facto, enfrentar o desafio global do plástico, precisamos de coragem colectiva para ir além das soluções aparentes. A mudança decisiva não será apenas química ou tecnológica: será cultural. Sem ela, qualquer promessa “verde” corre o risco de ser apenas mais um plástico a dificultar a construção de um futuro sustentável. O futuro exige escolhas conscientes — e a oportunidade de as fazer está nas nossas mãos.

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