Itália está há mais de uma semana a acompanhar fervorosamente a história de Catherine Birmingham, uma australiana de 45 anos, ex-instrutora de equitação, do seu marido inglês, Nathan Trevallion, de 51 anos, marceneiro, e dos seus três filhos, uma menina de oito anos e os gémeos de seis.
Até meados de Novembro, a família vivia numa casa rural na floresta de Palmoli, nos arredores de Chieti, na região de Abruzzo, rodeada de animais (cavalos, burros e galinhas) e poucos sabiam da sua existência. Aparentemente a família anglo-australiana vivia feliz junto da natureza, mas a falta de água canalizada e de electricidade e a condição da casa, fez com que o Tribunal de Família e Menores de L’Aquila decidisse retirar os três filhos ao casal e enviá-los para um casa-abrigo, para onde a mãe também foi levada, embora não possa estar sempre com eles.
De acordo com o jornal La Repubblica, a decisão baseou-se numa série de factores que contribuem para um quadro de “graves danos para a integridade física e psicológica das crianças”. Os juízes descrevem a casa como umas “ruínas degradadas e sem infra-estruturas”, às quais se juntava um pequeno atrelado. Foram ainda referidos problemas relacionados com a humidade que poderiam favorecer “o desenvolvimento de doenças pulmonares”.
Mas nem só as condições habitacionais fizeram com que esta decisão fosse tomada. A falta de socialização e de interacção com outras crianças, já que estão no regime de ensino doméstico, também é mencionada como um factor que “dificulta o desenvolvimento de competências sociais, emocionais e cognitivas essenciais, tornando mais difícil a adaptação das crianças tanto ao sistema educativo como à sociedade em geral”. Os juízes afirmam ainda que faltam procedimentos obrigatórios para o ensino doméstico.
Como tudo começou
Este processo teve início em Setembro do ano passado quando toda a família foi hospitalizada devido a uma intoxicação por cogumelos selvagens. Na altura, os profissionais de saúde fizeram queixa, o que deu origem a uma inspecção dos Carabinieri, a polícia italiana, e consequente relatório ao Ministério Público.
Citado pelo La Repubblica, o pai diz não se sentir acusado de nada. “Não nos chamaram ’maus pais’. Simplesmente não gostam do que fazemos. As crianças crescem fora do sistema, e penso que é por isso que somos perseguidos. Não estamos a fazer nada de errado. Vivemos felizes, em contacto com a natureza”, sublinha. “Porque querem tirar as crianças de uma família que é a mais feliz do mundo? Estão a destruir a vida de cinco pessoas felizes”, alerta.
No entanto, a exposição mediática a que as crianças foram sujeitas nos dias anteriores a terem sido levadas para o abrigo, também foi alvo de críticas por parte dos magistrados. As crianças participaram num episódio do programa que junta investigação jornalística, entretenimento e sátira Le Iene, da Mediaset, a 11 de Novembro. Os juízes invocam o artigo 50.º do Código de Privacidade, que proíbe a divulgação de imagens ou informações que possam identificar um menor envolvido em processos judiciais. “Os pais demonstraram que estão a utilizar os seus filhos para efeitos de obtenção de um resultado processual, invocando a pressão pública sobre o exercício da jurisdição.”
A falta de cooperação dos pais também foi denunciada. Após a denúncia inicial, chegaram ao ponto de negar o acesso à residência e o contacto directo com as crianças, além de terem recusado os exames de saúde solicitados pelo pediatra: um exame neuropsiquiátrico infantil e testes para verificar o estado vacinal das crianças. Os magistrados alegam que os pais condicionaram o seu consentimento ao pagamento de “50 mil euros por criança, menor de idade”.
O advogado da família, Giovanni Angelucci preparou um recurso contra a medida com o objectivo de reunir a família. Para isso, não está excluída a possibilidade de serem feitos melhoramentos na habitação, como a construção de uma casa de banho num anexo, e mudanças na educação.
Nathan Trevallion avança que estão a ponderar levar as crianças para a Austrália, ficando apenas ele em Itália. “Espero que não, porque gostamos deste lugar”, salienta. Lamenta ainda que a mulher durma separada dos filhos desde que estão no abrigo. “É uma situação terrível”, lamenta.
As reacções ao caso
A decisão do tribunal gerou um intenso debate no país sobre estilos de vida alternativos. Se há quem defenda a família, outros asseguram que não é justo que as crianças possam viver em tais condições.
A primeira-ministra Giorgia Meloni foi uma das vozes que se fizeram ouvir. Diz estar “alarmada” com a decisão do Tribunal de Menores, de acordo com o jornal Il Sole 24 Ore, e solicitou ao Ministro da Justiça, Carlo Nordio, uma avaliação para se perceber se “existem razões” para tal decisão.
O vice-primeiro-ministro e líder da Liga, Matteo Salvini foi mais longe e apelidou de rapto a decisão dos juízes, anunciando que está “empenhado em chegar ao fundo da questão e, se necessário, até mesmo falar com o juiz do tribunal de menores”, segundo o Il Sole 24 Ore.
Em resposta às críticas, a Associação Nacional de Magistrados defende que “a ordem está bem fundamentada e tem dez páginas. Baseia-se em avaliações técnicas e factores objectivos: segurança, condições de saúde, acesso a serviços sociais e educação obrigatória”.
Está marcada uma manifestação nacional de solidariedade para com a “família da floresta”, como é apelidada em Itália, para 6 de Dezembro, em Roma, em frente ao Ministério da Família e da Igualdade de Oportunidades.