Ponham os olhos na França, na Holanda e no Sri Lanka

Nos anos em que o meu Verão corria mais devagar, isto é, quando cultivava menos parcelas e o meu pai tomava conta de algumas regas, costumávamos sentar-nos no sofá após o almoço a ver a volta à França em bicicleta, “o único veículo em que o animal puxa sentado”, como dizia o meu pai. A volta à França, o “Tour”, é mais do que desporto individual e coletivo, esforço e estratégia de equipa. É uma montra dos monumentos e paisagens de França, mantidas pelos jardineiros da paisagem que são os agricultores. A agricultura é importante na França e há uma preocupação de manter a agricultura em todo o território e uma oportunidade para os agricultores criarem empatia com a sociedade, com os consumidores mostrarem o seu orgulho pela sua atividade de cultivar e alimentar o país.

Havendo na França uma tradição de violentos protestos por parte dos agricultores, por estes dias esses protestos ocorrem na Holanda. Ao longo das últimas semanas, milhares de tratores estiveram nas estradas, autoestradas, aeroportos, centros de distribuição e todo um conjunto de locais para gritar “No farmers, no food” (sem agricultores não há comida), porque o governo holandês quer impor uma redução brutal da emissão de nitrogénio através da redução de adubações e da atividade agrícola em algumas áreas, ameaçando com expropriação de terras em última análise. Para além de serem obrigados a reduzir a produção em alguns casos para níveis que não permitem viver da agricultura, os agricultores sentem a injustiça de verem outras atividades, por exemplo indústrias com evidentes impactos ambientais, serem consideradas prioritárias e não sujeitas a reduções. Tudo isto acontece quando o mundo enfrenta uma crise alimentar por causa de secas e da guerra na Ucrânia e quando a Comissão Europeia, no caso guiada pelo Vice-presidente holandês Frans Timmermans, quer impor a toda a Europa a estratégia “Farm to fork” ( “da quinta ao garfo” ou “do prado ao prato” como nós dizemos) que impõem uma redução acentuada no uso de adubos químicos e pesticidas por toda a Europa, uma proposta que, para mim, continua sem fundamentação cientifica para os números  que se apontam como objetivos a reduzir ou aumentar.

Entretanto, do outro lado do mundo, a Sul da Índia, no Sri Lanka, antiga Ceilão, houve uma revolução  e o presidente fugiu do país em consequência de uma enorme crise. Crise por causa do custo dos alimentos, por causa da guerra na Ucrânia, por causa da crise do turismo por causa do Covid… e porque quiseram proibir os adubos químicos e os pesticidas de forma imediata e radical. A experiência durou seis meses até o governo voltar atrás, mas o estrago já estava feito e um país que exportava chá e produzia arroz em abundância passou a ter de importar comida nas atuais condições…

Ficam aqui algumas ligações para quem quiser saber mais sobre estes assuntos, que são complexos. Não acreditem em tudo o que lêem, vejam ou ouçam aqui ou noutros lados, nem pensem que ficam a saber tudo nos jornais e telejornais. Mantenham uma desconfiança prudente e moderada. Moderação, ponderação e diálogo franco e fundamentado, coisas que parecem faltar cada vez mais num mundo extremado e nestes casos em particular.

#carlosnevesagricultor

PS – por causa das regas, do trabalho associativo e de uma surpresa que estou a preparar, tem havido pouco tempo para escrever, mas em breve haverá novidades com muito para ler.

https://www.publico.pt/2022/07/16/azul/noticia/transicao-forcada-agricultura-biologica-sri-lanka-ajudou-ruina-pais-2013419

https://onovo.pt/opiniao/o-fim-do-mundo-e-o-fim-do-mes-DF11726577

O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.


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