Escrevo depois de uma semana de chuva e com mais chuva prevista nos próximos 10 dias. Não posso ir ao campo buscar erva para as novilhas, dou graças a Deus por ter comida armazenada para todos os animais e tenho finalmente o tempo e o motivo para explicar porque é que a maior parte das vacas leiteiras em Portugal estão dentro de vacarias.
No mundo da publicidade, as vacas estão sempre num prado verde, limpo e seco. Pois. Nesse mundo ideal da publicidade, as famílias também vivem quase sempre felizes em vivendas com jardim. Mas, na vida real, nem todas as pessoas têm casa. Algumas vivem em barracas (pior que vacarias), outras em casas pobres e a maioria em apartamentos nas cidades. Quase sempre por questões económicas, por não ter dinheiro para uma vivenda. Porque, apesar de tudo, um pequeno apartamento na cidade, a poucos kms de trabalho, escola e hospital tem mais qualidade de vida do que a aldeia dos avós, sobretudo se a escola já não existe e a maternidade fica a duas horas de distância. Eu sei que há imensos artigos nas revistas e no facebook a dizer como é bela a vida no campo, com dois ou três exemplos, mas na vida real as pessoas, vá-se lá saber porquê, moram cada vez mais nas cidades e não obedecem a essas opiniões de “boa imprensa”).
A criação das vacas em estábulos permite-nos ser mais eficientes, produzindo mais leite na mesma área, na pouca área que temos disponível, o que significa produzir leite a um preço acessível, competitivo no mercado e que os consumidores podem pagar. Produzindo milho no verão, erva no inverno e armazenando sob a forma de silagem, conseguimos alimentar mais vacas que produzem mais leite. Ou, como é o caso de Portugal há vários anos, produzir o mesmo leite com menos vacas! Produtivismo? Ambição? Não. Realismo. É a vida. Estamos no mercado livre. Quem não acompanhou o ritmo ficou para trás, porque não faturou o suficiente para pagar as contas, comprar um trator, a máquina de ordenha e sustentar a família. Os filhos esqueceram a lavoura e foram procurar trabalho noutro lado.
Guardar as vacas nunca foi novidade aqui no Entre Douro e Minho. As vacas pastavam de dia no campo mas voltavam a casa à noite e lá ficavam no inverno, nas “cortes” do gado, no rés-do-chão da casa de lavoura, fazendo estrume com o mato trazido da bouça e aquecendo a casa com o seu bafo e a fermentação do estrume. Hoje não há camas de mato debaixo da casa do produtor de leite (haverá alguma exceção para confirmar a regra), mas quase sempre há colchões de borracha, às vezes camas de serrim, de areia, colchões de água ou camas de palha. Há um telhado isotérmico, cortinas nas janelas e ventiladores automáticos para os dias de calor. Às vezes, nos dias solarengos de Outono e Inverno, quando há espaço disponível, as vacas têm acesso a um parque próximo da vacaria. Na primavera / verão, quase todo esse espaço é necessário para produzir milho. Mesmo que houvesse área suficiente para pastagem, são poucas as casas de lavoura em forma de “quinta” fechada, com todos os terrenos juntos. Os campos estão longe da vacaria. Levar todas as vacas ao pasto seria impossível, pelo perigo de acidentes e porque sujava as estradas com os excrementos dos animais.
Ordenhar vacas na pastagem, com lama, frio e chuva, é duro. Não admira que, mesmo nos Açores, onde existem condições excecionais para a pastagem e pernoita dos animais no campo, se construam cada vez mais estábulos (parto do princípio que as vacas continuam a poder sair durante o dia para o pasto). É uma questão de conforto do agricultor e dos funcionários, de segurança no trabalho, de trabalhar abrigado, poder tratar mais facilmente os animais que precisam de assistência e obter leite com mais limpeza e segurança alimentar.
Na Alemanha, foi realizado um estudo comparativo entre pastagem e estabulação, “Systemanalyse Milch”, pelo centro de pastagens da Baixa saxónia/Bremen, em cooperação com várias universidades. Entre outros aspetos, “tomando a pegada de CO2 como uma medida da eficiência climática da produção de leite, o estudo constatou que, em média, o leite das vacas mantidas exclusivamente no estábulo ou mantidas até seis horas no pasto tem uma pegada de CO2 ligeiramente menor e, portanto, tem uma melhor eficiência climática do que o leite das vacarias com pastagem todo o dia.” Há também uma referência a menores emissões de metano na digestão de silagem e concentrado face à pastagem, porque na pastagem há maior digestão de fibra / celulose e é no processo de fermentação / digestão da celulose que se liberta o metano, o que não é necessariamente mau porque esse metano é composto por parte do carbono que as plantas da pastagem captaram na fotossíntese.
Qualquer que seja o sistema de produção, o leite é um excelente alimento e uma importante fonte de fonte de lípidos, proteínas de alto valor biológico, vitaminas e minerais, com destaque para o cálcio. A composição nutricional dos vários “leites” é muito semelhante. As análises mostram uma ligeira vantagem do “leite de pastagem” ao nível de ácidos gordos insaturados, mas essa diferença deve-se à maior ingestão de erva fresca pelas vacas e não à pastagem em si. Portanto, poderemos considerar no futuro voltar a alimentar regularmente as vacas leiteiras estabuladas com alguma erva fresca e poderemos, em muitos casos, dar algumas horas de pastagem por dia para as vacas leiteiras ou, pelo menos, nos dois meses de descanso da vaca antes do novo parto, isto se a indústria e os consumidores estiverem dispostos a pagar o custo acrescido em área e mão de obra. O atual “leite de pastagem” apesar de significativamente mais caro para o consumidor, não é devidamente pago ao produtor.
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O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.