É a percentagem do momento: 5%. Toda a gente fala nela: 5%. Portugal vai ter de fazê-lo também: 5%. 5% do PIB em investimento em defesa. Trump venceu portanto a sua guerra de percentagens: quis 5% de todos, vai ter aparentemente 5% de todos. Ou quase, Espanha tem outras intenções. Mas a Espanha o que é de Espanha e a Portugal o que é de Portugal: o que implicam mesmo estes 5% por cá? Para início de conversa: “Se for preciso mais gente nas Forças Armadas portuguesas, têm de ser pagos como deve ser”
Para o embaixador português António Martins da Cruz, não há dúvidas: “Portugal sabe de onde vem a sua segurança – da Aliança Transatlântica”. E é por isso que o país se compromete agora a alocar inicialmente 3,5% do PIB àquilo que o diplomata chama “defesa pura e dura”: modernização de armamento, melhor capacidade de resposta das tropas e investimento direto nas Forças Armadas. Os restantes 1,5% podem incluir fundos europeus para infraestruturas ou apoio industrial indireto à Defesa.
“Temos 10 anos para renovar o armamento. Os F-16, o equipamento da Marinha e o do Exército precisam de ser atualizados. Mas isso tem de ser feito com planeamento. E, se for preciso mais gente nas Forças Armadas, têm de ser pagos como deve ser”, diz à CNN Portugal António Martins da Cruz.
Segundo o major-general Isidro de Morais Pereira, este investimento “não é uma opção, é uma necessidade existencial”. Embora o montante agora alocado possa parecer expressivo, é “apenas uma gota num oceano de necessidades acumuladas”. O major-general lembra que a defesa portuguesa está longe de cumprir os mínimos estabelecidos na chamada “Defesa 2020”, que previa 32 mil efetivos nas Forças Armadas permanentes – valor que nunca foi atingido.
“A nossa capacidade de resposta a ameaças reais, como os mísseis balísticos que vimos no recente ataque do Irão a Israel, é nula, é zero”, alerta. “Não temos capacidade antiaérea minimamente eficaz contra ameaças modernas. Isto não é defesa no século XXI. Está na hora de Portugal fazer o trabalho de casa e honrar os compromissos que assumiu.”
O investimento inicial de 3,5% do PIB deve incidir precisamente, para Isidro de Morais Pereira, na criação de capacidades inexistentes: sistemas de defesa aérea, reservas estratégicas de armamento e munições, vigilância e interceção marítima e reforço da dissuasão no território nacional e ilhas.
“O país tem de poder proteger o Palácio de Belém, a Assembleia da República, as suas barragens, centrais solares, aeroportos, portos, infraestrutura crítica. Hoje, não consegue. Onde estão os nossos abrigos? Não existem. E se formos invadidos? A população está completamente exposta”, argumenta o major-general.
A pressão para modernizar paira também sobre a Força Aérea. Portugal foi abordado recentemente por altos responsáveis da fabricante Lockheed Martin, nomeadamente o número dois da empresa, com o objetivo de integrar o país no programa F-35, como substituição natural aos F-16.
“Esse programa, por si só, implicaria um investimento aproximado de cinco mil milhões de euros. Mas antes de pensarmos em melhorar o que temos, é preciso edificar o que não temos. É uma questão de prioridades”, considera Isidro de Morais Pereira. Para o major-general, os caças são úteis mas mais urgente é assegurar uma cobertura antiaérea do território nacional e ultramarino.
Pagar melhor – mas não chega
Os especialistas são unânimes num ponto: o serviço militar obrigatório não está em cima da mesa. Mas haverá necessidade de atrair milhares de jovens por via contratual ou profissional. E isso exige condições.
“É preciso pagar melhor. É preciso dignificar a carreira militar”, sublinha o embaixador António Martins da Cruz. “E os salários, quer das Forças Armadas, quer da GNR, estão incluídos nesse envelope de 3,5%. Há que fazer uma gestão inteligente e contínua.”
A atração de efetivos está longe de ser apenas uma questão salarial. Implica instalações com melhores condições, equipamentos modernos, estabilidade contratual, programas de formação e sobretudo a valorização da missão militar no seio da sociedade portuguesa.
A Cimeira da NATO em Haia deixou ainda claro que o compromisso com os 5% do PIB não tem exceções, indo contra as declarações do Governo espanhol. “A Espanha tentou contornar esse compromisso com argumentos pouco sustentáveis e vai arrepender-se amargamente das decisões que está a tomar. Os militares espanhóis estão profundamente envergonhados com esta atitude do Governo”, declara o major-general Isidro de Morais Pereira.
“Isso foi uma fantasia do governo espanhol para distrair a opinião pública das grandes dificuldades que o Governo tem internamente. Agora, com o comunicado da NATO têm de engolir o que disseram antes”, concorda António Martins da Cruz.
Portugal só tem a ganhar com uma Espanha bem armada e preparada. “Se formos atacados, podemos precisar deles”, avisam os especialistas. Mas, ao contrário de Espanha – criticada violentamente por Donald Trump -, Portugal optou sem hesitar por se alinhar com as exigências norte-americanas. E isso não é apenas uma escolha orçamental, é uma aliança estratégica.
“A nossa Segurança depende da NATO, ou seja, depende dos EUA. Quem nos protege de perigos e ameaças não é a União Europeia”, afirma o embaixador António Martins da Cruz. Para o major-general Isidro de Morais Pereira, a posição portuguesa é também uma carta diplomática. “Ao mostrarmos compromisso, ganhamos confiança dos nossos aliados. E isso traduz-se, em última instância, em mais segurança para nós. Se queremos merecer a ajuda dos outros, temos de ser os primeiros a dar o exemplo.”
Portugal tem uma posição única no tabuleiro geoestratégico europeu, com 97% do seu território em zona económica exclusiva marítima. Por isso, tem a obrigação de ser capaz de “patrulhar, vigiar e defender esse mar imenso”, afirma o major-general. “E para isso precisamos de fragatas modernas, submarinos em número suficiente e meios da Força Aérea para a soberania aérea.”
A vigilância do Atlântico, sobretudo no eixo Açores-Madeira-Continente, é uma das principais contribuições que Portugal pode oferecer à NATO. “Podem vir por ali submarinos russos, drones espiões ou ameaças híbridas”, considera o embaixador António Martins da Cruz. Além disso, o posicionamento português na retaguarda da frente leste da NATO torna o país um eventual ponto de apoio logístico e de produção. “O flanco leste está ameaçado. Mas o flanco oeste é o mais desprotegido. Nós temos de preencher esse vazio com responsabilidade. A NATO conta connosco.”