A professora catedrática da Universidade de Coimbra (UC) Helena Freitas lamentou hoje que Portugal viva “em guerra com a floresta” e não consiga valorizar os territórios rurais, o que contribuiria para a diminuição dos incêndios florestais.
“Os territórios rurais deixaram de ter valor e isto é um perigo brutal. Nós hoje vivemos em guerra com a floresta e estamos aqui estamos a viver em guerra com os próprios territórios rurais”, disse à agência Lusa a antiga coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior.
No seu entender, “cuidar dos territórios é absolutamente essencial”, porque o que se está a fazer “é criminoso”: “estamos a desperdiçar o que de melhor temos. Quanto mais intensidade de fogos tivermos, menos produtividade vamos ter e, a curto prazo, deixamos de ter também os recursos de que precisamos”.
Helena Freitas, que atualmente dirige o Parque de Serralves, explicou que “os incêndios acontecem onde há matos acumulados e floresta desordenada” e “isso está inequivocamente associado a um problema de abandono da propriedade e a um desordenamento de base nos territórios, particularmente nos territórios rurais”.
Segundo a bióloga, quando os terrenos “não são agricultados, a única forma que as pessoas encontraram para minimamente valorizar foi sobretudo a cultura do eucalipto”, mas “o problema é muito mais complexo do que isso” e “não vale a pena arranjar bodes expiatórios”.
“O que se passa é que o território, de uma forma geral, está desordenado. Nós temos menos de 20% dos portugueses a viverem em territórios rurais e, de facto, temo-los abandonado”, lamentou.
Na sua opinião, o principal problema do território é que não tem valor: “nós nem sequer somos capazes de perceber o valor que temos na natureza”.
“O território rural é valioso por muitas razões e o que temos feito nas últimas décadas é deixá-lo perder valor efetivo e também nas nossas cabeças, nas lógicas, nos modelos de desenvolvimento que criámos”, considerou.
Helena Freitas disse que nem a água é valorizada, mesmo já se tendo percebido que é um bem cada vez mais escasso e que é crucial para a agricultura e a floresta.
“Temos sido muito perdulários no que diz respeito à forma como encaramos e percebemos o valor da nossa natureza, dos nossos recursos naturais e, por essa vida, também do nosso território. Nós temos que perceber que ele tem valor e temos que encontrar instrumentos de tornar esse valor efetivo também no mercado”, defendeu.
No seu entender, “talvez se possa olhar para as áreas protegidas, que ainda representam 20% do território nacional, e fazer delas bons exemplos de como se cuida da floresta, de como se pratica boa agricultura, de como se cuida dos rios”.
“Temos uma agenda de bem fazer, de boas práticas do próprio Estado na gestão do território. Estas áreas deviam ser exemplo”, realçou.
A investigadora afirmou à Lusa não ter dúvidas de que a região Centro tem hoje “um problema brutalmente complexo para resolver nesta questão do ordenamento florestal”.
“Já temos o eucalipto naturalizado, nem é preciso sequer plantá-lo, temos espécies florestais exóticas a crescer e a invadir praticamente tudo, estamos a perder a produtividade dos solos, e, com isso, rapidamente também vamos ter um problema com os recursos hídricos”, alertou.
Neste âmbito, defendeu que sejam encontradas “soluções ajustadas” e que a administração técnica seja levada para os territórios.
“Competências técnicas não têm que ficar em Lisboa, não há razão para isso. A administração que tem responsabilidades técnicas nestas áreas tem de ser ativa nos territórios e ajudar as pessoas a encontrar soluções. Precisamos de centros de demonstração que mostrem às pessoas como é possível fazer a nova agricultura”, frisou.