O presidente do Conselho Mundial da Água, Loic Fauchon, questiona o excesso de agricultura intensiva na Península Ibérica, e diz sobre a gestão da água que “todos somos responsáveis porque todos somos consumidores”
Em entrevista à Agência Lusa, Loic Fauchon admite que há uma preocupação em relação à falta de água no sul da Península Ibérica, onde os dirigentes há muito estão a tomar medidas, mas avisa: “Também devemos questionar o uso excessivo da produção agrícola intensiva, consumindo massas de água que se vão esgotando gradualmente”.
E na questão da falta de água é preciso cuidado em apontar responsáveis, já que na verdade “somos todos responsáveis, porque se a maioria não é produtora de água, somos todos consumidores”, disse Loic Fauchon, presidente do Conselho Mundial da Água desde 2018 e antigo presidente da Companhia de Abastecimento de Água de Marselha.
Na entrevista, por e-mail, à Lusa, a propósito do Encontro Nacional de Entidades Gestoras e de Saneamento (ENEG), que começa na terça-feira no Algarve, o responsável pela rede mundial de promoção da agenda da água comenta a última cimeira do clima em Glasgow (COP26) dizendo que a realidade é que os humanos não vão mudar o mundo, mas que determinados e unidos podem fazê-lo evoluir aos poucos.
“E é isso que importa para que o planeta permaneça habitável — cabe aos humanos mudar. Não o oposto”, acrescenta.
Loic Fauchon lembra que o clima sempre mudou, que há agora uma aceleração provocada pela ação humana, com maior pressão demográfica, com mais produção de alimentos e elevação dos padrões de vida, que emitem mais gases com efeito de estufa e consomem mais água doce. Mas avisa: O clima não deve ser o bode expiatório dos erros de comportamento humano.
Ainda assim, com ou sem culpas do clima, o presidente do Conselho Mundial da Água afirma-se preocupado com a falta de água em regiões do mundo como o Corno de África (Somália, Etiópia, Quénia), Médio Oriente e zona envolvente, bem como o Magrebe. Mas refere Marrocos para dizer que o país segue há mais de 20 anos uma política de reservatórios que hoje permite fazer face ao crescimento demográfico.
E o que é preciso fazer para combater a escassez de água? Loic Fauchon é taxativo: “produzir mais e consumir menos e todos os dias afirmar que o direito à água, coletivo e individual, é um direito acessível a todos”.
O responsável não tem também dúvidas de que a água, como o ar, são bens comuns da humanidade.
“A decisão de garantir água, de compartilhá-la, cabe às autoridades de políticas públicas. Privatizar a água seria vender os recursos hídricos ao setor privado. Tem havido raras tentativas, principalmente na Inglaterra e no Chile, e as populações, com razão, não as aceitaram”, diz, sublinhando que um Estado, ou município, pode contratar uma empresa privada para administrar uma estação de tratamento, ou construir novas redes de água. Mas as “decisões e os preços” têm de ficar “totalmente sob a autoridade pública”.
Loic Fauchon é um dos participantes no ENEG, que é organizado a cada dois anos pela Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) e que é considerado o maior evento do setor a nível nacional.
De terça a quinta-feira, em Vilamoura, o ENEG 2021 tem este ano como tema “Dificuldades na Gestão da Água e a Emergência Climática: mudanças necessárias”, sendo a sessão de abertura presidida pelo ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
De acordo com um comunicado da organização serão feitas 218 comunicações (o maior número alguma vez registado num ENEG), distribuídas por 12 temas.
Serão debatidas questões como, além das alterações climáticas, a economia circular, a transição digital e cibersegurança, a inovação, o abastecimento de água, as águas residuais e pluviais, ou a legislação e regulação do setor.
E serão também debatidas as perdas de água, o valor da água enquanto serviço público essencial, ou uma visão do setor para 2050, além de serem atribuídos vários prémios, um deles para melhor projeto de adaptação às alterações climáticas, e outro para a melhor comunicação do valor da água.
Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente, preside à sessão de encerramento. Mas no ENEG estarão também nomes representando as principais entidades do setor, professores e investigadores.