A perda de vitalidade e a consequente morte dos sobreiros e azinheiras tem vindo a agravar-se ao longo das últimas três décadas, embora vários surtos de mortalidade tenham sido já anteriormente assinalados em Portugal (finais do século XIX), em particular nas regiões a sul. As regiões do Alentejo e do Algarve, em Portugal e da Extremadura e Andaluzia, em Espanha têm sido bastante afectadas pela morte destas quercíneas. A diminuição da densidade dos povoamentos, a ausência de regeneração e a diminuição na qualidade da cortiça, parecem ser, no entanto, as questões mais preocupantes. Associados aos surtos de mortalidade, vários sintomas foram identificados (rarefação da copa, seca e descoloração das folhas, ramos com pontas secas, manchas no tronco e sinais nos ramos com presença de fungos e insectos) os quais se integram num processo permanente e lento de mortalidade, conhecido como “declínio” (Figs. 1 – em cima: Montado de sobro em declínio onde são visíveis sobreiros mortos. Foto: ACMoreira e 2).
Fig. 2- Montado de azinho em declínio com azinheiras mortas. Foto: ACMoreira
As alterações do uso e ocupação do solo e as más práticas de gestão agro-silvo-pastoril, com implicações na degradação do solo e do sob coberto (vegetação herbácea e arbustiva) presente e consequentemente na sua baixa fertilidade, são dos factores mais relevantes associados ao declínio do montado, pelas alterações que causam em todo o ecossistema.
Como consequência desse desequilíbrio a ocorrência de pragas e doenças é um dos factores contributivos para o cenário de declínio. Por outro lado, o aumento de temperatura e a redução e alteração da distribuição anual da precipitação, causados pelas alterações climáticas, podem potenciar o stress hídrico (défice hídrico ou excesso de água) e aumentar a susceptibilidade das árvores ao ataque de agentes bióticos nocivos.
Phytophthora cinnamomi (FITÓFTORA) é um patogénio muito agressivo que vive no solo e ataca as raízes das plantas causando podridão radicular. Este microrganismo encontra-se com elevada frequência nos solos de montados com sintomas de declínio, sendo considerado um dos principais responsáveis pelo enfraquecimento e morte de várias plantas herbáceas e lenhosas, entre as quais, o sobreiro e a azinheira (mais susceptível). O elevado número de hospedeiros deste patogénio inclui várias espécies lenhosas presentes no sobcoberto dos montados (torga, sargaço, roselhas, esteva, estevão, tojos, murta, bem como o medronheiro) Fig. 3. Algumas herbáceas, como o tremoço, a tremocilha e alguns azevéns são também hospedeiros, podendo contribuir para a manutenção e aumento da população deste patogénio no solo.
Fig. 3- Algumas plantas do sobcoberto hospedeiras de Fitoftóra: a-esteva; b-sargaço; c-tojo; d-urze ; e-roselha; f-medronheiro. Fotos: ACMoreira
O ciclo de vida de FITÓFTORA (Fig. 4) desenvolve-se no solo. Este patogénio necessita de elevado teor de humidade para a sua actividade, dispersão e sobrevivência. Na presença de água livre no solo desenvolve estruturas assexuadas (esporângios) que produzem esporos móveis (zoósporos) que constituem a forma primária de infecção. Estes são atraídos para as raízes jovens onde enquistam, germinam e invadem os tecidos (em particular os tecidos vasculares responsáveis pela captação e transporte de água e nutrientes) causando a sua destruição. Os zoósporos podem ser facilmente disseminados pela água infectando novas plantas. Se as condições ambientais não forem propícias à sua actividade, o patogénio pode permanecer latente no solo, durante longos períodos de tempo, em resíduos de matéria orgânica ou infectando as raízes de hospedeiros, em estruturas de sobrevivência denominadas clamidósporos.
Fig. 4- Ciclo de doença causada por FITÓFTORA. Fotos: ACMoreira, CMedeira. Esquema de ACMoreira
As raízes infectadas ficam inoperacionais comprometendo o abastecimento de água e nutrientes às copas, resultando na morte progressiva das árvores. Se o ataque for moderado as árvores poderão manter-se vivas, apresentando sintomas progressivos de perda de vitalidade durante vários anos, mas acabando por morrer (Fig. 5). A morte súbita (Fig. 6), na qual as árvores secam em poucas semanas conservando as folhas secas na copa durante algum tempo, ocorre quando a extensão de raízes afectada é muito elevada e após condições extremas de seca (primaveras ou verões muito quentes e secos).
Fig. 5- Sobreiro evidenciando sintomas de declínio. Foto: ACMoreira
Fig. 6 – Azinheira com morte súbita. Foto: ACMoreira
A doença resulta da interacção simultânea entre a actividade do patogénio com o(s) hospedeiro(s). Assim, o desenvolvimento e expressão da doença causada por FITÓFTORA depende da ocorrência, em simultâneo, de condições ambientais favoráveis à infecção (temperatura e humidade do solo), da presença de hospedeiros susceptíveis e da actividade e virulência do patogénio como representado na Fig. 7.
As condições ambientais podem favorecer a actividade do patogénio e reduzir a tolerância do hospedeiro. Solos delgados, com baixa fertilidade, baixo pH e má drenagem (com elevado teor de argila, limo e compactados) são particularmente propícios à infecção e disseminação da doença. Também a alternância de períodos de seca severa com períodos de chuva intensa pode contribuir para reduzir a vitalidade das plantas, aumentar a sua susceptibilidade à infecção e consequentemente a severidade da doença.
Face à complexidade do ecossistema montado e aos vários factores associados ao declínio, a forma de mitigar este problema associado a FITÓFTORA terá de ter uma perspectiva integrada e multidisciplinar. Este organismo apresenta larga gama de hospedeiros, elevada sobrevivência em estruturas de resistência (clamidósporos) e fácil disseminação e dispersão no solo, pelo que é muito difícil a sua erradicação. O Plano de controlo deverá integrar sobretudo medidas de gestão que visem simultaneamente, a prevenção de modo a evitar a infestação dos solos por FITÓFTORA em áreas não afectadas. Outro aspecto a ter em conta, é o aumento da qualidade e fertilidade dos solos através da sua correcção nutricional o que melhora a vitalidade das árvores.
Fig. 7- Representação dos factores que contribuem para a ocorrência e expressão da doença causada por FITÓFTORA. Esquema adaptado por: ACMoreira
Assim, as medidas podem ser divididas em:
1. Medidas de prevenção em Áreas sem sintomas
As medidas de prevenção pretendem minimizar o risco de disseminação do patogénio a zonas não infestadas, e estão relacionadas com a redução das movimentações de solo e água, arborizações e boas práticas de gestão, pelo que se recomenda:
. Evitar a movimentação de solo proveniente de zonas afectadas, em particular, em solos húmidos.
. Ao realizar qualquer intervenção cultural ou de infraestrutura, começar pelas zonas assintomáticas, passando depois às zonas afectadas.
. Não fazer gradagens ou lavouras que possam danificar as raízes, fragilizando as árvores. Recomenda-se a utilização de corta-matos.
. Promover a drenagem dos solos.
. Manter faixas de mato em zonas declivosas para limitar a erosão e promover a infiltração de água.
. Manter espécies ripícolas nos cursos de água e zonas encharcáveis para reduzir a humidade no solo e a erosão.
. Nas reflorestações e/ou adensamentos utilizar sempre plantas de azinheira e sobreiro sãs ou em alternativa fazer sementeira com bolotas recolhidas na mesma região, em áreas sem sintomas de doença evitando solos compactados, mal drenados e pouco profundos.
. Evitar cargas pecuárias excessivas.
. Evitar o cultivo de espécies susceptíveis a FITÓFTORA, tais como as tremocilhas, dado que são potenciais multiplicadores do patogénio.
. Promover a fertilização cálcica, fosfórica e potássica dos solos que melhora a produção e pode reduzir a população do patogénio.
. Promover uma gestão adequada do coberto arbóreo realizando podas selectivas e controladas, evitando podas intensas que fragilizam as árvores.
2. Medidas de mitigação em Áreas com sintomas
Nas áreas afectadas, além das medidas de prevenção, deverão ser aplicadas medidas para reduzir a actividade do patogénio e evitar a sua disseminação, tais como:
. Delimitar e sinalizar os focos de infecção, deixando uma faixa com árvores aparentemente sãs.
. Controlar e limitar ao mínimo a entrada de pessoas, veículos e animais nos focos de infecção especialmente na época das chuvas quando o solo está mais húmido.
. Manter faixas com espécies de mato não susceptível a FITÓFTORA como por exemplo as giestas, a perpétua-das-areias ou a marioila em zonas declivosas para limitar a erosão e favorecer a infiltração de água.
. Limitar a presença de gado nas zonas afectadas. Se for imprescindível introduzir gado, fazê-lo quando o solo estiver seco para minimizar a disseminação do patogénio.
. Utilizar pedilúvios portáteis para evitar que o gado disperse o patogénio.
. Na reflorestação, em áreas muito afectadas devem ser utilizadas espécies florestais tolerantes/resistentes e evitar as azinheiras e sobreiros.
. Realizar correções que aumentam os níveis de cálcio livre no solo para reduzir a infecção.
. Favorecer a presença de fungos micorrízicos que podem ajudar na nutrição da planta.
Um artigo de Ana Cristina Moreira
Investigadora do INIAV
cristina.moreira@iniav.pt
*escrito ao abrigo do anterior AO
Publicado na Voz do Campo n.º 229 (agosto-setembro 2019)
O artigo foi publicado originalmente em Voz do Campo .