Há cerca de 15 ou 16 anos atrás, nos primeiros meses do ano, recebi um telefonema de um agricultor vizinho, o Sr. Maia, que vivia a 500 metros de minha casa, no extremo Norte da freguesia de Árvore, junto às torres de Pindelo. Moreno, baixo, entroncado e bem-disposto, o Sr. António Maia, que Deus tenha, era natural da freguesia de Vilar também aqui no concelho de Vila do Conde, onde tinha a maior parte das terras que cultivava. Aqui em Árvore tinha apenas duas parcelas. Quem circulou pela Nacional 13 ao longo das últimas décadas deve ter-se cruzado muitas vezes com ele, tranquilamente ao volante do seu trator laranja, um Renault. Também tinha um Ford 3000, se a memória não me falha.
E o que me disse ele? “Neves, não venhas agora ao campo, que a polícia anda à tua procura. Eles perguntaram se eu sabia quem tinha vindo deitar água-choca no campo que estás a fazer, eu disse que não sabia e eles foram embora, atrás de outro assunto que apareceu”.
Que se passara? Uma semana antes, eu tinha feito a “fertilização de cobertura” da erva com chorume (estrume líquido) das vacas. A erva gostou da fertilização azotada, cresceu e ficou bonita, mas algum vizinho não gostou do cheiro e chamou a polícia. Entretanto já tinha chovido, a chuva tinha incorporado o chorume na terra e “lavado” a erva, pelo que a polícia terá avaliado que não valia a pena continuar a investigação. Se quisessem, facilmente teriam chegado ao dono do campo e ao novo caseiro, que era eu.
No Verão desse ano aumentei a minha capacidade de armazenamento dos efluentes da pecuária e passei a colocar o chorume, nesse campo, apenas antes da sementeira do milho (na primavera) e da erva (no outono), incorporando imediatamente, com a charrua ou com a grade de discos, procurando espalhar de manhã quando está menos “nortada” e não voltei a ter a estranha sensação de ser “procurado pela polícia”. Agora coloco adubo azotado, porque a erva precisa de nutrientes para crescer, e ninguém se incomoda.
Nunca me tinha acontecido nem voltou a acontecer, mas sei que chamar a polícia cada vez que um agricultor sai para a rua com uma cisterna é prática recorrente em alguns locais. Eu sei que o cheiro incomoda, sei que as casas, campos, bouças e fábricas estão juntas no “desordenamento do território”, mas desconfio que muita gente pensa que o chorume (um produto natural, composto pelas fezes e urina das vacas) é um produto perigoso e que está proibido de ser aplicado na terra. Efetivamente a aplicação de estrumes ou chorumes está condicionada nos meses de novembro a janeiro, exceto quando houver uma cultura instalada, que era o caso. Ao levar para a terra os excrementos dos animais estamos a devolver ao solo o que sobrou da digestão dos alimentos que retiramos do solo para alimentar os animais. Estamos a fechar o ciclo. Economia circular, está na moda. Não chamem a polícia, deixem-nos trabalhar!
#carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.