Manuel Chaveiro Soares

Produção avícola em Portugal: Evolução e perspectivas – Manuel Chaveiro Soares

A Produção Avícola, praticada com base no conhecimento científico, surge em Portugal após a Segunda Grande Guerra, quando na Europa se torna premente melhorar a alimentação das populações e, simultaneamente, importa libertar mão-de-obra da agricultura para a reconstrução de imóveis, a indústria e os serviços.

Para atingir estes objectivos, começou por se investir na melhoria da produtividade da Agricultura e da Pecuária, aumentando a eficiência produtiva das plantas e dos animais, bem como a produtividade da mão-de-obra.

Os governos apoiaram substancialmente a investigação científica e tecnológica nos sectores agronómico e zootécnico, e registaram-se investimentos elevados nas empresas de melhoramento genético – quer de plantas quer de animais –, de fertilizantes, pesticidas e produtos farmacêuticos, nomeadamente vacinas e antibióticos.

No que concerne ao desenvolvimento da moderna Avicultura em Portugal, importa primeiro apontar sumariamente os progressos científicos e tecnológicos alcançados na primeira metade do século XX, nomeadamente nos seguintes domínios: i) melhoramento genético; ii) nutrição; iii) prevenção e tratamento de doenças; iv) condicionamento ambiental.

No século XX o melhoramento genético das aves ocupou-se principalmente em aumentar a eficiência produtiva, tanto no segmento da carne (frangos, perus, patos, codornizes, etc.), como no dos ovos (para consumo ou para incubação). Consequentemente, conduziu ao abaixamento dos custos de produção e, portanto, dos preços de venda aos consumidores; adicionalmente, minimizou o impacto ambiental por kg de carne ou de ovos produzidos, pois implica menor consumo de alimentos vegetais, logo menor área cultivada.

No caso do frango – o mais representativo no segmento da carne de aves – para atingir o aludido desiderato, os geneticistas deram prioridade à velocidade de crescimento, tendo para o efeito recorrido à selecção massal. Ao crescimento rápido do frango corresponde um menor consumo de alimento para atingir o peso vivo pretendido ao abate. Consideremos o exemplo de um frango abatido aos 28 dias de idade: em 1957 atingia o peso vivo de 316g e um índice de conversão alimentar de 4,4, isto é, precisava de consumir 4,4kg de alimento por kg de aumento de peso vivo; em 2014, à mesma idade um frango apresentava um peso vivo de 1501g e um índice de conversão 1,4.

Nos programas de selecção de galinhas poedeiras o primeiro objectivo dos seleccionadores reside na quantidade de ovos produzidos. A invenção do ninho ratoeira representou um avanço simples mas muito importante, pois permitia eleger as melhores poedeiras como futuras reprodutoras. Assinale-se   que em 1943 foi admitido o primeiro geneticista para melhorar a produção de ovos e que, entretanto, foi descoberto que a iluminação artificial permitia a produção regular de ovos ao longo do ano, independentemente do fotoperíodo natural. Para ilustrar o progresso atingido, referia-se que a produção anual de ovos por galinha elevou-se de 120 ovos em 1950, para 311 ovos em 2010.

No que respeita à nutrição e alimentação das aves, é a partir da década de 1920 que se alcançarem os maiores avanços científicos, nomeadamente no que respeita à descoberta e síntese de 14 vitaminas que viriam a ser utilizadas na suplementação das dietas das aves, permitindo inclusivé que, graças à vitamina D assim administrada, as aves pudessem ser criadas em confinamento, sem necessidade de exposição às radiações solares ultravioleta. Na década de 1940 é dedicada especial atenção às proteínas e aos aminoácidos, desenvolvendo-se métodos analíticos para o doseamento destes e definindo-se os requisitos dos animais e a composição dos alimentos em aminoácidos; ainda na década de 1940 inicia-se a incorporação de antibióticos nos alimentos compostos para aves, atendendo ao seu papel como promotores de crescimento e agentes profilácticos.

Conhecidas as necessidades nutritivas das aves e a composição dos alimentos simples (grão de milho, bagaço de soja, etc.), tornou-se possível preparar alimentos compostos completos que, só por si (mais água de bebida) disponibilizassem cerca de 50 nutrientes e a energia requerida pelas aves consoante a espécie, idade, função zootécnica e performance.

No que tange à profilaxia e à terapêutica, a invenção das vacinas e dos antibióticos permitiu que a criação de aves passasse de pequenas capoeiras domésticas para aviários de grandes dimensões, ocupados com altas densidades de aves criadas em confinamento.

Curiosamente observa-se uma tendência de regresso ao passado, nomeadamente nos países mais ricos. Neste caso, a tendência vai no sentido de dar preferência à criação de aves menos eficientes e criadas ao ar livre, ficando assim expostas a maiores riscos sanitários, decorrentes do inevitável contacto com roedores e aves silvestres, portadores de agentes infecciosos, para além de se elevarem os custos de produção.

Em Portugal, a moderna Avicultura – exercida com base nos conhecimentos científicos alcançados nas primeiras décadas do século XX – tem início na década de 1940, quando são construídos os primeiros aviários, começando-se a expandir após 1955, quando o escasso consumo de carne de aves criadas em capoeiras domésticas estava ainda reservado apenas para situações particulares, designadamente para dias de festa ou situações de enfermidade.

 Na verdade, na década de 1950 a balança alimentar portuguesa era muito deficitária em géneros alimentícios de origem animal –carne, ovos e leite – que em 1960 atingiam capitações edíveis diárias de 51,4g, 9,6g e 71,9g respectivamente; à carne de frango correspondia uma modesta capitação de 3,7g (1,4kg/habitante/ano versus 28,5kg em 2017, e, se adicionarmos os consumos de peru, galinha, pato e codorniz, a capitação de carne de aves eleva-se actualmente a 42,2 kg).

O primeiro objectivo da moderna produção avícola em Portugal visava primordialmente a produção de ovos de galinha, aproveitando-se todavia os machos para produção de carne apesar da sua fraca aptidão creatopoiética.  

Neste período inicial importa assinalar a iniciativa pioneira da avicultora Eduarda Matos e do Eng. Moreti, seleccionando linhas puras das raças New Hampshire e Rode Island Red para a produção de fêmeas de postura (Soares Costa, 2002), que em meados da década de 1950 começaram a difundir, designadamente no concelho de Tondela, onde a produção de ovos assumiu grande importância.

Mais tarde, os aviários de multiplicação passaram a importar as aves reprodutoras de empresas de selecção estrangeiras, como ainda hoje acontece, vocacionadas para a produção de ovos para consumo ou de frangos para carne.

É interessante assinalar que os primeiros aviários dispunham dum parque térreo exterior anexo a cada pavilhão, onde as aves recebiam os raios solares e comiam alguma verdura (Sérgio Pessoa, 2005) – procedimento então justificável por não se dispor de alimentos compostos contendo todos os nutrientes necessários às aves, nomeadamente vitaminas.

Com vista a melhorar a higiene do abate das aves, ainda no final da década de 1950 o Estado instala, em Lisboa, o primeiro matadouro de aves, e, na década seguinte viriam a ser construídos mais dois centros de abate, um dos quais por iniciativa da família Santos, que já se dedicava à actividade avícola desde 1875 e hoje ocupa uma posição cimeira no sector agro-alimentar português (Grupo Valouro) – com relevo na fileira da carne de aves (frango, peru, pato, codorniz), na extração e refinação de óleos alimentares e na produção agrícola, ao que acresce a área das energias renováveis.

Nas décadas seguintes expandem-se os aviários de multiplicação avícola, mais no segmento dos pintos futuros frangos de carne do que no das poedeiras, dos perus, dos patos e das codornizes. Em 1985 aqueles atingiram 42 unidades, tendo o Grupo Valouro construído no ano seguinte também um aviário de multiplicação no referido segmento do frango, o qual viria a conhecer uma expansão notável, de tal modo que é actualmente o maior da Europa entre os que desenvolvem a actividade apenas em instalações próprias, designadamente aviários de cria/recria, aviários de reprodução e centros de incubação.

Entretanto o País ficou a dispor dos diferentes segmentos das fileiras do frango e do ovo para consumo, a saber: aviários de multiplicação produtores de aves do dia, aviários de produção, fábricas de alimentos compostos completos, centros de abate ou de inspecção, classificação e embalamento de ovos.

Com vista a aumentar a eficiência, reduzir custos de produção, facilitar a rastreabilidade e robustecer a capacidade comercial na venda dos produtos finais, nas últimas décadas têm-se verificado dois movimentos importantes: integração vertical da produção avícola e concentração da produção em empresas de grande dimensão.

Apesar da dependência do País no que tange ao bagaço de oleaginosas, à semelhança do que acontece com os restantes países da UE, e em parte no que toca ao grão de milho – duas matérias-primas fundamentais no fabrico dos alimentos compostos para aves –, Portugal tem mantido um grau de auto-aprovisionamento de produtos avícolas em torno de 100%, com excepção da carne de peru, cuja produção todavia está actualmente em fase de recuperação.

Longe vão os tempos em que o consumo de produtos avícolas era escasso em Portugal, atingindo-se hoje capitações elevadas de alimentos com excelente valor nutritivo, principalmente devido ao alto valor biológico das proteínas do ovo e da carne de aves, decorrente da presença em concentrações adequadas de aminoácidos essenciais, não sintetizados pelo Homem; acresce que são alimentos saborosos e de baixo custo para os consumidores.

O futuro da actividade avícola em Portugal estará dependente principalmente dos acordos que a UE venha a estabelecer com países terceiros e será orientada em grande parte em função dos requisitos que venham a ser impostos pelas grandes cadeias retalhistas e de restauração.

O que se tem passado na UE no segmento dos ovos é paradigmático. Primeiro foi proibido o alojamento das galinhas poedeiras em jaulas. Consequentemente, os avicultores investiram em gaiolas melhoradas. Pouco tempo depois, alguns retalhistas passaram a exigir ovos provenientes de galinhas criadas ao ar livre, alegando que assim é proporcionado melhor bem-estar às aves, sem denotarem qualquer preocupação com a saúde dos animais e a qualidade hígio-sanitária dos ovos; na verdade, poedeiras criadas em piso térreo e em convivência com roedores e aves silvestres estão expostas a diversos riscos sanitários, quando não da própria vida por acção de animais predadores.    

Numa antevisão da futura produção de proteína animal importa considerar a tecnologia in vitro, para produção das denominadas proteínas alternativas, em cujo desenvolvimento, curiosamente, está envolvida a empresa que actualmente lidera a produção de frangos de carne no mundo.

Nos últimos 70 anos alcançaram-se progressos científicos e tecnológicos notáveis, não só na produção de alimentos, o que permitiu superar inúmeras situações de carência alimentar, como também na saúde – com o uso de antibióticos, vacinas, cloração da água (esta prática já salvou 177 milhões de vidas), etc. –, na educação, nos transportes, na tecnologia digital, etc., etc.

Nunca a vida melhorou tanto para um número crescente de pessoas. Mas há quem até agora viva em pobreza extrema ou em estados autocráticos, pelo que ainda é longo o caminho para que todos os países fiquem mais felizes.

Manuel Chaveiro Soares

Engenheiro Agrónomo, Phd

http://rss.agroportal.pt/concorrencia-precisa-se-manuel-chaveiro-soares/

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