Produtores de leite, lutem ou desistam! – Carlos Neves

Num artigo publicado no site brasileiro milkpoint, Marcello Campos Filho responde a Darlani, um produtor de Minas Gerais que diz não ter qualquer esperança quanto ao futuro do sector e pergunta “Devo desistir de produzir leite?” Na resposta, depois de reconhecer as dificuldades do sector no Brasil, Marcello diz algumas coisas que podem ser úteis aos produtores de leite portugueses:

“O que podemos fazer? A primeira decisão é parar de produzir ou continuar produzindo leite. Se decidirmos continuar produzindo (…) não há milagres, só existem duas coisas a fazer:

A) Da porteira para fora apoiar as entidades que lutam para que as legítimas reivindicações dos produtores de leite sejam atendidas;

B) da porteira para dentro, melhorar a nossa produtividade, a qualidade de nosso leite e reduzir os custos de produção.

(…) Meu caro Darlani, se você de fato já perdeu a esperança com o setor leiteiro, o melhor a fazer é deixar de ser produtor de leite. Mas se você ainda tem um fio de esperança e quer lutar mais um pouco, a minha sugestão é no sentido de procurar ai em Minas Gerais uma entidade que possa ajudar você da porteira para fora, lutando para conseguir junto ao Governo e outros elos da cadeia que as legitimas reivindicações dos produtores sejam atendidas, bem como ajudar da porteira para dentro, contribuindo para que você possa aumentar sua produtividade, reduzir seus custos de produção e melhorar a qualidade do seu leite. Se não encontrar nenhuma que atenda essas condições, por que não reúne com alguns produtores e técnicos para discutir a fundação de uma associação com esses objetivos?” (…) Fico a disposição para colaborar no que for possível.”

Aqui em Portugal, desde há meses que, através da APROLEP, temos alertado a sociedade e os governantes para as dificuldades crescentes dos produtores de leite devido ao baixo preço recebido face aos custos de produção, o que provocou aumento de dívidas e atraso de pagamento a fornecedores. Curiosamente, a quantidade produzida pouco baixou e a indústria diz não ter falta de leite. Porquê? Entre vários factores, porque o leite é diferente de outras actividades agrícolas. Nos cereais ou hortícolas, quando uma cultura não dá rendimento semeia-se menos quantidade; No leite, quando o preço baixa, muitos produtores compram mais vacas para aumentar a produção e tentar receber o mesmo dinheiro necessário para pagar a prestação… das vacas que tinham comprado antes, da vacaria ou dos tractores. É um investimento pesado, de longo prazo, tão difícil de parar como um comboio. Por isso os produtores queixam-se em surdina, perdem dinheiro, dizem que o sector não tem futuro mas resistem e sacrificam-se, esperando que os preços melhorem, sem fazer nada!…

Nos últimos anos, o preço do leite em Portugal esteve alguns cêntimos acima da média europeia. Essa diferença era (e é!) necessária devido aos custos de produção acrescidos (rega das culturas, dimensão das propriedades, etc.) e terá sido conseguida pela valorização do leite através do sector cooperativo. Infelizmente, desde há cinco meses que o preço médio europeu ultrapassou o português, a indústria não dá qualquer sinal de esperança e a distribuição não diz nada sobre o assunto. Os analistas internacionais dizem que o Norte da Europa está a aumentar a produção reagindo aos preços altos do mercado internacional e o Sul (Espanha, Portugal e Grécia) a sofrer as consequências das crises internas. A médio prazo, quando a produção da Europa ultrapassar a procura dos especuladores, virão novamente os excedentes por aí abaixo abastecer as marcas brancas dos supermercados portugueses.

Está na hora dos produtores de leite portugueses fazerem contas à vida e tomarem decisões: se estão a perder dinheiro, se não acreditam no futuro do sector, se não tem sucessores, se não parece possível o licenciamento das vacarias, se pensam que vão estar toda a vida a trabalhar como escravos, que os produtores não controlam as organizações agrícolas que lhes pertencem, então é melhor fechar a porta antes que as dívidas levem as vacas, os tractores e a terra, e avisar já a indústria que fornecem, para acabar com ilusões. Se pensam diferente, é melhor fazer alguma coisa, falar com o vizinho, com a sua associação, com a sua cooperativa, exigir que nos defendam, que partilhem com os produtores o rendimento conseguido, e disponibilizarmo-nos a fazer alguma coisa, porque esta situação não é sustentável. Está visto que ninguém vai dar nada de borla. É tempo de decidir: parar ou lutar!

Carlos Neves
Presidente da APROLEP E AJADP

Vestir a Camisola – Carlos Neves


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