Produtores de vinho reclamam mais apoios para evitar falências

Os restaurantes reabriram em maio, mas continuam com uma procura diminuta, o que dificulta a venda de vinhos. Com os armazéns cheios, o setor teme não ter condições para enfrentar a próxima vindima, deixando em graves dificuldades os viticultores. Os 15 milhões de ajuda anunciados são “manifestamente insuficientes”.

O governo anunciou 15 milhões de apoio ao vinho, mas os produtores garantem que são “manifestamente insuficientes” para travar a crise no setor, em especial nas empresas de menores dimensões, muito dependentes da restauração e do turismo. Os agentes reclamam a descativação dos saldos de gestão dos institutos da Vinha e do Vinho (IVV) e dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), mas o Ministério da Agricultura lembra que a medida tem “implicações estruturais” ao nível do Orçamento do Estado e que “interferem com a gestão intersetorial de todas as áreas do governo”. De qualquer forma, o gabinete de Maria do Céu Albuquerque diz que estão a ser desenvolvidos “todos os esforços” para que a descativação, “pelo menos parcial, possa ser uma realidade”.

Dos 15 milhões anunciados para o vinho, 10 milhões destinam-se à destilação de crise, medida reclamada pelas várias regiões vitivinícolas. O problema é o preço a que será pago este vinho: o Ministério da Agricultura estabeleceu que os vinhos serão pagos a 30 e 40 cêntimos o litro, consoante tenham Denominação de Origem ou Indicação Geográfica. Em resposta ao Dinheiro Vivo, o gabinete da ministra garante que os valores são “equilibrados”, de “iguais montantes aos praticados” em Espanha para a mesma medida, e “muito próximos” dos preços no mercado de vinhos a granel. Maria do Céu Albuquerque sublinha ainda que as medidas de intervenção “não se destinam a substituir o mercado”, mas “a escoar os stocks excedentários na indústria”.

O setor discorda. Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, duvida que a destilação de crise venha a ter grande procura na região e fala em preços “manifestamente mais baixos” do que aqueles que a região está habituada a praticar – entre 85 cêntimos a 1 euro nas vendas a granel -, garante. “Os papéis que tenho assinado mostram, claramente, uma preferência pela armazenagem dos vinhos”, diz. O problema é que esta medida prevê um teto máximo de 7500 euros por produtor: “Isso não resolve nada, quando muito, dá-lhes um ou dois meses de alívio na tesouraria”, frisa.

A quebra de vendas situa-se em torno dos 20%. “É mau, sei de casos de produtores verdadeiramente aflitos e que equacionam já a continuidade no negócio. Não podemos generalizar as situações, certamente que os mais pequenos têm mais dificuldades, mas a situação abana toda a estrutura empresarial da região”, diz. Francisco Mateus lembra que a exportação vale apenas 30% das vendas dos vinhos do Alentejo e que, com os restaurantes fechados, há muitas empresa que não tiveram quaisquer receitas durante três meses.

Para este responsável, o sector agrícola, para sua importância e especificidade, “merecia” uma atenção especial, até porque não pode entrar em lay-off. “Eu não digo que as medidas de destilação de crise e de apoio à armazenamento não estão certas, o que está mal são os montantes. Se nada for feito, vai-se destruir emprego, poder de compra, o produto interno bruto… as consequências são tão negativas que se justifica que se afetem apoios mais significativos. Um banco recebe 850 milhões, a TAP recebe 1200 milhões… não digo que não mereçam, mas às vezes quando se dá tanto a uns, retira-se a possibilidade de dar um bocadinho mais a outros”, defende.

Com quebras de 30% nos vinhos certificados em abril e maio, no Dão a crítica é a mesma, o dinheiro não chega. Arlindo Cunha, presidente da comissão vitivinícola local reconhece que a destilação de crise foi reclamada pelo setor, no entanto, assegura que, para que pudesse ter sucesso, teria de ser a um preço acima dos 50 a 60 cêntimos por litro. “Só um produtor completamente desesperado vai dar os vinhos para destilar a 30 ou 40 cêntimos, quando pagou as uvas na casa dos 40 a 50 cêntimos”, diz. Quanto aos apoios ao armazenamento, lembra que os 7500 euros por agente suportam 90 mil litros. “Estas medidas nem chegam a ser uma aspirina, são um quarto de paracetamol”, frisa.

Além disso, Arlindo Cunha lembra que o dinheiro vem da OCM do vinho, ou seja, do envelope de verbas que cada país recebeu da reforma da política agrícola comum, em 2013. “Se é à OCM dos vinho que vamos buscar estes 15 milhões, isto significa que vamos reduzir a promoção externa e o apoio à reestruturação das vinhas no próximo ano? Eu sei que a manta é curta, mas é urgente que haja uma negociação política em Bruxelas, sob pena do mercado entrar numa situação de descalabro”, diz o presidente da CVR do Dão.

Manuel Pinheiro, presidente da Comissão Vitivinícola da Região dos Vinhos Verdes, aplaude as medidas, mas pede o reforço do orçamento. “O governo pode e deve ir mais longe, até porque ficam a faltar apoios para a promoção e um grande plano de recuperação da restauração nacional, dado que o sucesso comercial dos vinhos em Portugal está muito ligado aos restaurantes”, frisa. As comissões vitivinícolas têm reclamado a libertação dos 10 milhões cativos no saldo do IVV para suportar ações de promoção. “É dinheiro dos produtores, resulta das taxas pagas aquando da certificação dos vinhos”, lembram.

No Douro, a questão é ainda mais complicada, atendendo a que se trata de uma região de viticultura de montanha, a única em Portugal, e por isso com custos de produção mais elevados e produtividade menor. Viticultores e empresas de vinho do Porto reclamam que os valores da destilação sejam majorados na região para 75 cêntimos o litro, majoração essa que custaria um a dois milhões de euros.

“O Estado já descativou o saldo de gerência do Turismo de Portugal, esse sim que veio do erário público. Não pedimos nada que não tenha sido feito, queremos que sejam libertados os 10 milhões cativos no Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, é dinheiro da região, que provém das taxas pagas pelo setor e não do Orçamento de Estado”, diz António Saraiva, vice-presidente do Conselho Interprofissional do IVDP, em representação do comércio. “Temos as cubas cheias de vinho, se não se fizer nada, não vamos ter capacidade de vinificação na próxima vindima. É uma tragédia”, garante.

Além disso, e porque o vinho do Porto é a única DOC no país cuja produção anual é fixada pelo Estado, em função das necessidades de venda, precisamente para evitar inundar o mercado, produtores e comerciantes pedem a criação, na próxima vindima, de uma reserva qualitativa, que será introduzida no mercado, faseadamente, ao longo da próxima década. A questão é como financiar esse vinho, e mais uma vez, a resposta está nos 10 milhões do IVDP. “A proposta que fazemos é que esses vinhos serão produzidos e pagos ao viticultor, mesmo não indo para o mercado. As empresas pagam a compra da aguardente necessária – recorde-se que a produção de vinho do Porto resulta, precisamente, da adição de aguardente vitícola para interromper a fermentação, numa proporção de 60 a 120 litros por pipa (de 500 litros cada) – e metade da parcela que é devida ao viticultor. A outra metade é adiantada pelo fundo liberto pelo IVDP”, explica António Saraiva. Este vinho ficará bloqueado e só poderá ser vendido, depois das empresas pagarem ao IVDP a parcela adiantada por este. “Não queremos nada para nós, será tudo para devolver”, garante.

Uma devolução necessária para o terceiro pilar reclamado pelo Douro: a promoção. “Já temos stocks a mais, temos as vendas a cair, fazer uma reserva qualitativa é mais um tiro no pé, se não se investir em força, no mundo inteiro, na promoção, para que se venda mais e melhor. Mas sem a libertação dos 10 milhões não conseguimos fazer nada”, diz António Saraiva. Produção e comércio reúnem-se com a ministra quarta-feira e esperam “boas notícias”, que evitem uma “situação dramática” no Douro. O gabinete de Maria do Céu Albuquerque admite que a criação da reserva qualitativa “está a ser analisada e que será anunciada em breve”. Mas não avança mais pormenores.

Para 23 de julho está entretanto agendado o conselho interprofissional do IVDP que irá estabelecer o valor da produção de vinho do Porto para a próxima vindima. Não estão, ainda, completamente apuradas as necessidades reais do comércio, mas fontes várias auscultadas pelo Dinheiro Vivo apontam para valores da ordem das 85 mil a 90 mil pipas. O que significa uma quebra de quase 20 mil pipas face à vindima anterior.

Atendendo a que, num ano normal, o preço da pipa ronda os 800 a mil euros, em causa estarão perdas da ordem dos 20 mil euros numa região com 23 mil viticultores e onde para muitos deles, o ‘benefício’, a autorização de produção de vinho do Porto, é a única fonte de rendimento de que dispõem. António Saraiva recusa avançar já com previsões, garantindo, apenas, que tudo farão para “minorar as dificuldades” na região. O que significa que, mesmo com a aprovação de uma reserva qualitativa, o quantitativo de benefício, ou seja a produção autorizada de vinho do Porto, será sempre inferior às 108 mil pipas do ano passado.

Da parte do Ministério da Agricultura, apenas a promessa de que a criação da reserva qualitativa será “anunciada em breve”, a par da garantia de que o Douro e o setor do vinho do Porto “contam sempre com um lugar de destaque nas políticas do setor, dada a sua relevância, no quadro nacional e no domínio fundamental da internacionalização dos vinhos de Portugal”.

Quanto à globalidade do setor, o Ministério recusa que estes 15 milhões agora anunciados sejam as únicas medidas tomadas para apoiar as empresas vitivinícolas. “Tomámos já importantes medidas, com o devido enquadramento e sem atropelo arbitrário das regulamentações europeias e nacionais”, refere o gabinete da ministra, dando como exemplos a antecipação dos 70% dos pedidos de pagamento respeitantes às medidas de promoção em mercados externos, a simplificação dos apoios financeiros diretos à promoção das empresas e associações representativas do setor, ou o reforço do Regime de Apoio à Reestruturação e Reconversão da Vinha (VITIS) no valor de 23,5 milhões euros, passando assim da dotação inicial de 50 milhões para 73,5 milhões de euros.

De qualquer forma, Maria do Céu Albuquerque garante que o governo, continua a requerer, junto da Bruxelas e dos vários fóruns da União Europeia, a “mais fundos comunitários extraordinários para mais medidas excecionais que venham a ser necessárias no sentido de garantir a reversão o mais urgente possível dos efeitos negativos provocados pela pandemia COVID-19.”


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