“Produtos de madeira multiplicam carbono retido nas florestas”

Quando a madeira é largamente reconhecida como um material renovável, mas quem a faz crescer continua a ser visto apenas por poucos como ambientalmente sustentável, é sinal de que a sociedade desconhece o papel do sector florestal na produção responsável de madeira. Enquanto esta perceção subsistir, será difícil que a produção de madeira e os produtos de madeira sejam encarados como parte das soluções baseadas na natureza para enfrentar a crise climática.

Para Mark Wishnie este “gap de perceção precisa de ser ultrapassado” para que a gestão sustentável da floresta – incluindo plantações florestais – e a reflorestação de grandes áreas possam avançar e ver reconhecido o seu papel na mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

Quando percebemos que não se associa uma mesa de madeira à floresta da mesma forma que se associa um tomate a uma quinta, sabemos que a sociedade tem uma perceção errada acerca do sector florestal. O exemplo é de Mark Wishnie, que sublinha: as pessoas não têm noção do que é uma floresta de produção sob gestão sustentável e é este facto que impede o desenvolvimento destas florestas, que são essenciais à bioeconomia de base florestal.

“Uma melhor gestão da terra – das florestas, zonas húmidas e matos – permitiria que atingíssemos um terço das metas de redução de carbono estabelecidas no Acordo de Paris”, diz Mark, salientando que a floresta é a mais relevante: nesta estão 73% das oportunidades oferecidas pelas soluções climáticas naturais relacionadas com a ocupação do solo.

“Se não encontrarmos formas de fazer com que as nossas florestas ajudem a enfrentar o problema climático, teremos desaproveitado uma oportunidade única”. A florestação e reflorestação em larga escala assumem, para o especialista, um papel central: “Precisamos de plantar duas centenas de milhares de hectares até 2030”.

A plantação de florestas para produção de madeira deve coordenar-se com outras medidas:

  • evitar a perda de solos florestais por conversão para outros usos (por exemplo, a conversão para agricultura e pastos para o gado, que é atualmente a maior causa da redução da floresta no mundo);
  • prevenir o corte de madeira diretamente para energia;
  • promover a gestão florestal sustentável, incluindo a gestão (e prevenção) de incêndios;
  • investir em plantações melhoradas;
  • promover a gestão de parte destas florestas com objetivos de conservação, para assegurar os serviços ambientais que estes ecossistemas nos proporcionam, incluindo a biodiversidade.

Esta conciliação entre produção e proteção florestal não pode ser descurada: “No Brasil, um mercado que conheço bem, por cada hectare de plantações florestais, a lei reserva 0,6 hectares de floresta para conservação. As plantações certificadas têm uma proporção maior, de 0,8 hectares por cada um plantado”, refere. Conta ainda que, no caso das florestas sob gestão da BTG Pactual, logo que a propriedade é adquirida, é feito um levantamento dos valores naturais e são incorporadas no planeamento as áreas que ficarão reservadas, por exemplo, a zonas de proteção e a corredores ecológicos.

Implementar e escalar esta reflorestação sustentável é essencial pelos benefícios diretos que nos traz – remoção do dióxido de carbono da atmosfera e armazenamento de carbono na biomassa e solo florestal –, mas importa compreender que “há benefícios adicionais quando pensamos na floresta como um todo e como fonte de materiais renováveis”. Desde logo pela madeira e os produtos de madeira que não podem existir sem o sector florestal e que estão na base de um modelo económico mais sustentável, baseado na redução de recursos fósseis não renováveis (e dos gases com efeito de estufa que emitem).”

“Estamos a exceder massivamente as metas das alterações climáticas que nos permitem considerar um futuro em segurança”, alertou Mark Wishnie, que esteve em Portugal em novembro de 2022, no Fórum de Sustentabilidade da The Navigator Company, a falar sobre “O papel das soluções baseadas na natureza na bioeconomia”.

Produtos de madeira e de fibras lenhosas ao serviço do clima

Num relatório publicado em outubro de 2022, a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura prevê que o consumo de produtos primários florestais aumente 37% até 2050, percentagem que será bastante maior quando consideradas as aplicações emergentes das fibras da madeira e a procura por madeira para substituir materiais não renováveis rumo à descarbonização.

Para Mark, o crescente uso de materiais com origem na floresta, nomeadamente os produtos de madeira com um ciclo de vida longo, incluindo madeiras estruturais, é uma das chaves para aumentar a retenção de carbono. E exemplifica com o sector da construção civil, no qual a substituição de materiais de base fóssil por madeiras – quer para aplicação nas estruturas quer em produtos de madeira, como portas, janelas, pisos, etc. – permite reduzir emissões ao mesmo tempo que promove a retenção de carbono a longo prazo.

“E não estou a falar apenas de pequenas casas de madeira. Em agosto de 2022 foi concluído um edifício de 26 andares em Milwaukee (EUA). Foi certificado como o mais alto de sempre feito em madeira. Mesmo as fundações são de madeira”, o que demonstra que a transição não é impossível mesmo num sector que, se fosse um país, seria o terceiro que mais dióxido de carbono emitiria, a seguir aos Estados Unidos da América e à China.

E mais, enquanto hoje, um edifício em fim de vida é desmantelado, sem qualquer reutilização do que sobra, se esse edifício fosse de madeira, a matéria-prima poderia ser reaproveitada, retrabalhada e, no final, quando já não tivesse outro aproveitamento, poderia seguir para queima destinada à produção energética.

“Os produtos de madeira que armazenam carbono ao longo de todo o seu ciclo de vida, o efeito de substituição de materiais de base fóssil por materiais lenhosos renováveis e os processos de circularidade, com reutilização da madeira, o seu uso em cascata de valor e posterior reciclagem, podem trazer duas a três vezes mais benefícios climáticos, em termos de retenção de carbono, do que a floresta só por si”, salienta.

Este efeito multiplicador vem de outros biomateriais de origem florestal, inclusive das fibras que compõem a madeira, que são usadas em dezenas de aplicações inovadoras e emergentes – como a nanocelulose presente nos ecrãs dos nossos telemóveis – com os mesmos benefícios, embora com diferentes escalas em termos de retenção de carbono. A madeira para construção é apenas um exemplo.a

Motivar reconhecimento e investimento

Embora a sociedade comece a estar mais atenta ao valor ambiental destes materiais florestais, produtos de madeira e fluxos de materiais renováveis, eles são ainda pouco reconhecidos pelo mercado.

Por exemplo, não são considerados como um “ativo de carbono” como acontece atualmente com a floresta (florestação e reflorestação) onde são contabilizados e valorizados o sequestro e armazenamento de carbono, exemplifica o especialista. Esta é outra perceção que importa mudar.

Descerrar o potencial dos biomateriais de base florestal é essencial e isto significa motivar mais investimento e levar mais sectores de atividade a valorizar os materiais de base florestal como parte de um modelo económico e ecológico mais sustentável, que contribua para a redução de materiais não renováveis e para a mitigação dos efeitos do clima.

Já no que toca à florestação de novas áreas, ela tem de ser feita com o envolvimento das comunidades, pois há vários desafios em jogo, incluindo a competição pelo uso da terra, e a solução tem de ser conciliadora e inclusiva.

Ao colocar o foco nos benefícios dos bioprodutos de base florestal, encorajar-se-ia o investimento na florestação e a valorização dos seus benefícios, defende Mark Wishnie, e, através de regulamentação adequada, poderíamos assegurar que este investimento é sustentável e inclusivo, contribuindo para a ação climática e para a dinamização das comunidades (formação e emprego, por exemplo) que estão na periferia das florestas.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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