Os produtos com Denominação de Origem Protegida (DOP) e Indicação Geográfica Protegida (IGP) em Trás-os-Montes constituem o objecto de estudo do trabalho de investigação elaborado como dissertação original para efeito da obtenção do grau de Doutor na área Científica das Ciências Humanas e Sociais – Ciências Agro-Sociais. A tese de Doutoramento, defendida na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, tem o título “Construção da Qualidade e Valorização dos Produtos Agro-Alimentares Tradicionais – Um Estudo da Região de Trás-os-Montes”.
1. Objectivos
O estudo parte do pressuposto que existem diversas formas de coordenação, exógenas ás leis do mercado, que explicam e regulam o comportamento dos actores na construção da qualidade dos produtos DOP/IGP de Trás-os-Montes (TM), não sendo o preço a única nem a principal variável de regulação do mercado deste tipo de produtos e desenvolve-se em torno de cinco grandes objectivos: 1) Identificar e testar as diferentes formas de coordenação propostas pela economia das convenções na regulação do mercado e na definição da qualidade associada aos produtos agro-alimentares tradicionais, em particular aos produtos DOP/IGP de TM; 2) Analisar a importância sócio-económica das produções tradicionais que suportam aqueles produtos; 3) Avaliar o estádio de desenvolvimento dos produtos com nome protegido; 4) Perceber o funcionamento e as formas de gestão das protecções; 5) Avaliar o desempenho dos produtos DOP/IGP de TM no contexto dos respectivos mercados de referência.
2. Resultados e Conclusões
De forma muito sintética apresentam-se alguns resultados e conclusões do estudo.
Produtos com nome protegido na Europa, Portugal e Trás-os-Montes
Os cerca de 650 produtos com nome protegido na União Europeia concentram-se nos países do Sul da Europa: Itália (21%), França (20%), Portugal (14%), Grécia (13%) e Espanha (11%). Distribuem-se por várias categorias de produtos, com predominância do sector dos queijos (24%) e frutas, hortaliças e cereais (20%). A Qualificação DOP é predominante (60%). Em Portugal existem 90 produtos com nome protegido, maioritariamente DOP (63%) e do sector animal (63%): carnes frescas (28%), fumeiro (17%) e queijos (16%). Os 23 produtos com nome protegido em Trás-os-Montes são essencialmente DOP (74%) e do sector animal (74%). Cerca de 20 novos produtos da região esperam registo definitivo da protecção do nome.
Importância sócio-económica das produções tradicionais
A partir dos indicadores e variáveis estudados conclui-se que a produção pecuária (bovinicultura, ovinicultura, caprinicultura, suinicultura e apicultura) que suporta os produtos DOP/IGP em Trás-os-Montes regride de forma acentuada, enquanto que as culturas permanentes estudadas (olival, amendoal e souto) têm, aparentemente, resistido ao abandono. As DOP/IGP de TM apresentam uma importância social e económica limitada e a sua sustentabilidade tal como a preservação dos sistemas agrícolas tradicionais não estão asseguradas.
Funcionamento das protecções e desenvolvimento das DOP/IGP
As DOP/IGP em TM registam, de uma forma geral, fraco desenvolvimento (volumes de produção, agentes envolvidos, evolução). O Mel do Parque de Montesinho, as Carnes Mirandesa e Barrosã e o Cabrito de Barroso representam, respectivamente, 90%, 60%, 35% e 30% da sua produção potencial e aproximam-se da fase de maturidade do seu ciclo de vida. As DOP do sector dos frutos caracterizam-se por situações de generalizado insucesso. Apesar dos investimentos realizados, as DOP do azeite, queijo e fumeiro registam níveis de desenvolvimento modestos. De natureza organizativa e institucional ou relacionados com a oferta e a procura dos produtos, o estudo identifica alguns obstáculos ao desenvolvimento e funcionamento das DOP/IGP em TM: 1) Fraco envolvimento dos agentes na génese e na gestão das protecções; 2) Insuficiente capacidade organizativa e falta de dinâmica empresarial de alguns agrupamentos de produtores; 3) Pouca flexibilidade dos processos; 4) Gestão das protecções numa perspectiva de concorrência e não de cooperação; 5) Exclusividade na comercialização de alguns produtos por parte das Entidades Gestoras; 6) Insuficiente diversificação de canais e circuitos de distribuição; 7) Uso comercial indevido e abusivo do nome dos produtos; 8) Pequena escala dos produtos e circuitos tradicionais de comercialização enraizados; 9) “Apropriação” do processo de protecção por uma elite de produtores; 10) Ausência de uma política regional de protecção e valorização das produções agrícolas tradicionais.
O Quadro 1 resume o estádio de desenvolvimento e funcionamento das DOP/IGP de TM durante o período em análise (1994-2000).
Quadro 1
Estádio de desenvolvimento e funcionamento dos produtos DOP/IGP (1994-2000)
Designação do produto |
Publicação |
Presença regular |
Envolvimento Entidade Gestora |
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Gestão Administrativa |
Comercialização | |||||
Nível |
Forma | |||||
Carne Barrosã | 1994 | Sim | 1996 (2) | Forte | Forte | Exclusividade |
Carne Maronesa | 1994 | Sim | 2000 (6) | Nulo | Nulo | |
Carne Mirandesa | 1994 | Sim | 1996 (2) | Forte | Forte | Exclusividade |
Carne de Bovino Cruz. Lam. de Barroso | 1998 | Sim | 1999 | Forte | Forte | Exclusividade |
Borrego Terrincho | 1994 | Não | —– | Fraco | Fraco | |
Cordeiro Bragançano | 1994 | Sim | 1996 (2) | Médio | Médio | Exclusividade |
Cabrito de Barroso | 1994 | Sim | 1997 (3) | Forte | Forte | Exclusividade |
Cabrito Transmontano | 1994 | Sim | 1998 (4) | Forte | Médio | Exclusividade |
Alheira de Mirandela | 1996 | Sim | 1997 | Médio | Nulo | Facilitador |
Presunto de Barroso | 1995 | Não | —– | Médio | Nulo | |
Salpicão de Vinhais | 1996 | Sim | 2000 (4) | Forte | Nulo | Facilitador |
Linguiça de Vinhais | 1996 | Sim | 2000 (4) | Forte | Nulo | Facilitador |
Mel da Terra Quente | 1994 | Não | —– | Fraco | Nulo | |
Mel de Barroso | 1994 | Sim | 1999 (5) | Médio | Médio | Exclusividade |
Mel do Parque Natural de Montesinho | 1994 | Sim | 1995 | Forte | Forte | Exclusividade |
Queijo Terrincho | 1994 | Sim | 1995 | Médio | Forte | Partilha |
Queijo de Cabra Transmontano | 1994 | Sim | 1999 (5) | Médio | Médio | Partilha |
Azeite de Trás-os-Montes | 1994 | Sim | 1996 (2) | Forte | Médio | Facilitador |
Amêndoa Douro | 1994 | Não | —– | Fraco | Nulo | |
Castanha da Padrela | 1994 | Sim | 2000 (6) | Médio | Nulo | |
Castanha Soutos da Lapa | 1994 | Não | —– | Fraco | Nulo | |
Castanha da Terra Fria | 1994 | Não | —– | Fraco | Nulo | |
Azeitona de conserva negrinha de freixo | 1994 | Não | —– | Nulo | Nulo |
Apesar do fraco desenvolvimento observado e dos obstáculos ao funcionamento apontados, o estudo identifica alguns impactos positivos resultantes da implementação das DOP/IGP na região:
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Melhoria e racionalização de circuitos de comercialização ao nível da produção, sobretudo no sector pecuário;
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Concentração da oferta dos produtos, em particular nas DOP das carnes de bovino e do queijo;
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Passagem de uma lógica de subsistência para uma lógica de mercado ao nível do fumeiro e dos queijos;
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Alargamento e conquista de novos mercados, inclusivamente externos, sobretudo nas fileiras do Azeite de Trás-os-Montes e do Mel do Parque de Montesinho;
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Modernização de unidades de transformação nas fileiras do queijo, fumeiro e azeite;
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Criação de emprego na gestão das protecções e na fileira dos produtos nas DOP/IGP mais desenvolvidas e de maior dimensão (carnes de bovino, azeite e queijos);
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Melhoria da apresentação comercial (carnes de bovino, azeite, queijos, fumeiro e mel) e promoção conjunta dos produtos (azeite);
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Retenção local de valor acrescentado ao nível das fileiras do queijo de ovelha e cabra, azeite e carnes de bovino;
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Melhoria do rendimento dos agricultores, em particular dos produtores de bovinos autóctones;
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Diferenciação e melhoria da qualidade geral das produções agro-alimentares tradicionais da região.
Desempenho dos produtos DOP/IGP no contexto do seu mercado de referência
O Estudo revela que as DOP/IGP de TM possuem, em geral, posição competitiva fraca (52%) ou média (43%). Por sua vez, as DOP/IGP do fumeiro, queijo e azeite são as que revelam mercados de referência mais atractivos (Figura 1).
PROTEGER A POSIÇÃO · Linguiça de Vinhais |
INVESTIR PARA CRESCER
· Salpicão de Vinhais |
CRESCER SELECTIVAMENTE · Presunto de Barroso |
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CRESCER SELECTIVAMENTE |
SELECTIVIDADE: ÊNFASE NO LUCRO · Mel do Parque de Montesinho |
EXPANSÃO LIMITADA OU DESACELERAÇÃO · Castanha da Terra Fria |
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ABANDONAR
· Amêndoa Douro |
Figura 1 – Distribuição dos produtos DOP/IGP de acordo com o modelo Mckinsey
Em geral, os produtos registam posição competitiva inferior à atractividade do mercado de referência em que se inserem. O “sucesso calculado” (organização, motivação, dinamismo) é também, de uma forma geral, inferior ao “sucesso observado” (volumes de produção, nível de preços e evolução do mercado), existindo correlação positiva entre si (Figura 2).
Em síntese, podemos afirmar que a maioria dos produtos DOP/IGP de Trás-os-Montes regista fraco desempenho no contexto dos respectivos mercados, destacando-se pela positiva os produtos de fumeiro, as carnes de bovino, o Mel do Parque de Montesinho e o Cabrito de Barroso e pela negativa a generalidade dos frutos, com particular destaque para a Amêndoa Douro e a Azeitona de Conserva Negrinha de Freixo.
4 | 2 | 1 | 0,5 | 2,5 | ||
3 | Carne Barrosã Carne Mirandesa |
Alheira de Mirandela Cabrito de Barroso Linguiça de Vinhais Salpicão de Vinhais C |
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2 | Mel do P. Montesinho Azeite de Trás-os-Montes Carne Lam. Barroso A |
Queijo Terrincho B |
Queijo de Cabra Transmontano |
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1 | Cabrito Transmontano Carne Maronesa Mel do Barroso Presunto de Barroso |
Borrego Terrincho Cordeiro Bragançano Azeitona de Conserva Negrinha de Freixo Amêndoa Douro Castanha da Padrela Castanha da Terra Fria Castanha Soutos da Lapa Mel da Terra Quente |
Figura 2 – Desempenho dos produtos DOP/IGP
Contudo, numa apreciação global pode concluir-se que, apesar de elevado número de protecções não funcionarem ou registarem fracos níveis de desenvolvimento, a situação não deve ser considerada “dramática”, dado o fraco desempenho se dever, sobretudo, a variáveis relacionadas com a posição competitiva do produto, ou seja, com o dinamismo, a organização e gestão da protecção e não a factores de ambiente externo relacionados com a atractividade dos mercados (preços e evolução do mercado).
Definição da qualidade dos produtos DOP/IGP
A definição da qualidade dos produtos tradicionais foi avaliada recorrendo ao modelo CQFD e à pluralidade das formas de coordenação. Na perspectiva institucional, da produção, distribuição e consumo foram estudados aspectos relacionados com os factores ou a origem da qualidade, as suas dimensões, os mecanismos de garantia da qualidade e as formas de convenção activadas nas transacções dos produtos ao longo da fileira. As principais conclusões estão sintetizadas no Quadro 2.
Quadro 2 – Definição do perfil de qualidades dos produtos tradicionais de Trás-os-Montes
Instituições | Produtores | Distribuição | Consumo | |
Factores de Qualidade | Território/Origem Matérias-primas Produção/Laboração tradicional Tradição, Saber-Fazer Caract. Técnicas |
Matérias-primas Sist. Produção/Laboração tradicional Tradição, Saber-Fazer Território/Origem Caract. Técnicas |
Matérias-primas Território/Origem Produção/Laboração tradicional Caract. Técnicas Tradição, Saber-Fazer |
Território/Origem Produção/Laboração tradicional Matérias-primas Tradição, Saber-Fazer |
Dimensões de Qualidade | Organolética Simbólica Nutricional Tecnológica Comercial Sanitária |
Organolética Simbólica Nutricional Tecnológica Comercial Sanitária |
Comercial Higiénica |
Organolética Simbólica |
Garantia da Qualidade | Qualificação DOP/IGP Controlo |
Relação de confiança Região de origem Marca |
Apresentação comercial Preço País/Região de origem |
Relação de confiança Qualificação DOP/IGP Marca |
Formas de Coordenação | Convenção Industrial Convenção Cívica |
Convenção Doméstica Convenção Mercantil Convenção Industrial |
Convenção Mercantil Convenção Industrial |
Convenção Doméstica Convenção Cívica |
Modelos de Transacção | C-Q-F-D | F-Q; C-Q; C-Q-D; C-Q-F-D | C-QC-Q-F-D | F-QC-Q-F-D |
Factores e dimensões da qualidade dos produtos tradicionais
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Na definição do perfil de qualidades dos produtos tradicionais, produtores e organizações da produção recorrem a elementos como o território, matéria-prima, sistema de produção, formas particulares de laboração, tradição e saber-fazer, de forma a evidenciar as diferentes dimensões da qualidade dos seus produtos, factores que parecem ser valorizados pelos consumidores;
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Os consumidores valorizam positivamente aspectos da dimensão organolética (sabor) e simbólica (valores cívicos, patrimoniais, históricos e culturais): a origem, a raça e as variedades locais, a preservação de formas artesanais de produção, da cultura e do património e a defesa da agricultura tradicional e dos rendimentos dos agricultores são factores considerados no consumo deste tipo de produtos;
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Os agentes de distribuição valorizam essencialmente elementos da dimensão comercial (preços baixos e regularidade de fornecimento) e higiénica (aspecto).
Garantia da qualidade
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As qualificações DOP/IGP assumem um valor reduzido enquanto mecanismos de garantia da qualidade, sendo valorizadas sobretudo pelos responsáveis pela gestão dos nomes protegidos;
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Produtores e transformadores dão preferência às relações de confiança com os clientes ou às marcas próprias;- Os operadores da distribuição consideram as qualificações DOP/IGP um símbolo de garantia e de autenticidade do produto, mas na relação com os fornecedores valorizam elementos da dimensão comercial;
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Os consumidores valorizam sobretudo a confiança no produtor ou vendedor, embora considerem que a qualificação DOP informa que o produto e o seu modo de produção são controlados e certificados por organismo independente.
Formas de coordenação e regulação do mercado
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A coordenação mercantil e o preço não são os principais elementos de regulação do mercado dos produtos tradicionais. A qualidade dos produtos DOP/IGP de TM é negociada e definida de forma endógena pelos actores da fileira, cujo comportamento é regulado pela activação simultânea de diversas formas de coordenação (doméstica, cívica, mercantil, industrial);
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A protecção dos produtos assinala a evolução de formas de convenção doméstica, presente nos processos tradicionais de comercialização, para formas de coordenação mais complexas de tipo mercantil, industrial ou reputação.
O estudo termina com a proposta de quatro grandes linhas de investigação que emergem do estudo realizado e que são consideradas fundamentais para o acompanhamento, avaliação e consolidação das DOP/IGP de Trás-os-Montes enquanto instrumento de desenvolvimento da pequena agricultura e das áreas rurais locais:
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Avaliação continuada do desempenho das DOP/IGP;
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Análise estratégica em cada fileira dos produtos;
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Estudo do contributo dos produtos DOP/IGP para o desenvolvimento local;
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Estudo da sustentabilidade das fileiras DOP/IGP.
Manuel Luis Tibério
Licenciado em Eng. Zootécnica, Mestre em Extensão e Desenvolvimento Rural
UTAD