Produzir em Portugal, para consumir em Portugal deverá ser o lema duma nova estratégia de política agrícola em Portugal, que rompa com anos e anos de políticas erradas, responsáveis pelo acentuado declínio da nossa produção agrícola, pecuária e florestal e do nosso tecido produtivo.
Não obstante os fundos comunitários disponibilizados ao sector desde a pré-adesão de Portugal à então CEE, a realidade mostra uma situação desastrosa, que só pode levar a uma conclusão:
As políticas agrícolas ao longo de mais de 25 anos, dos sucessivos governos (com as mais diversas composições), foram gravosas para o país e arruinaram a agricultura portuguesa.
E a realidade é esta:
Importação de mais de 70% das necessidades alimentares do país;
Deficit alimentar de 4.000.000.000 € / ano (com os zeros todos para se ver bem a dimensão do problema);
Alastramento das regiões desertificadas e em desertificação devido à brutal redução do número de explorações agrícolas – entre 1989 e 2007 – para menos de metade (restam 46%):
Desapareceram 324.179 explorações (de 598.742 para 274.563), a uma média de menos 49 explorações / dia (sendo a situação do sector leiteiro ainda mais dramática onde hoje não existirão 10% das explorações de então) e num ritmo cada vez mais acelerado;
E para o que também tem contribuído o desinvestimento (vejam-se os últimos PIDDAC) que tem levado à degradação e ao encerramento de serviços públicos – saúde, escolas, transportes, vias de comunicação, repartições das finanças, postos da GNR, etc., criando uma situação de “pescadinha com rabo na boca” – fecham serviços e deixa de haver pessoas / não se investe porque não há pessoas / não se fixam lá pessoas porque os serviços fecharam;
Alastramento de monoculturas agrícolas e florestais;
Não aproveitamento das margens de manobra que os regulamentos comunitários permitem (para poupar no Orçamento de Estado);
Política de apoio a quem não precisa e de garrote financeiro e burocrático a quem deve ser apoiado, a Agricultura Familiar;
Cega insistência na teoria da competitividade, para a exportação;
Etc, etc, etc.
Antes que o Governo e os “competitivos” apelidem de isolacionismo o que aqui se defende, reconhece-se e é sabido que Portugal não tem as condições necessárias para produzir tudo o que faz falta para alimentar a nossa população, assim como não se propõe uma política agrícola dirigida exclusivamente à Agricultura Familiar.
Sublinhe-se, entretanto, o entendimento de que todos os que produzem e podem vir a produzir fazem falta, mesmo independentemente da questão da propriedade da terra, a abordar noutro momento.
Portugal precisa:
De grandes explorações, sejam do sector empresarial, dos sectores comunitário ou cooperativo (como tínhamos na Reforma Agrária) que, essencialmente, possam abastecer o País dum conjunto de produtos de grande consumo generalizado e necessários à criação duma reserva alimentar estratégica;
Da propriedade comunitária que são os Baldios, em particular no Norte / Centro, com a importância que têm na preservação e exploração sustentada da floresta, mas também na exploração de outros recursos naturais e potencialidades produtivas, com o papel que pode ter no bem estar e no desenvolvimento socioeconómico das suas comunidades;
Da Pequena Agricultura e da Agricultura Familiar,
Pela importância que já teve, que apesar dos ataques sofridos continua a ter e que o país precisa que venha a ter muito mais no abastecimento ao consumo de proximidade, satisfazendo as populações e os mercados locais com produtos agrícolas e pecuários frescos;
Pela importância que tem na coesão territorial e no combate à desertificação humana, pelo seu papel na preservação do ambiente e dos eco-sistemas, não podendo ignorar-se o seu papel na prevenção e no combate aos fogos florestais (que todos conhecem, mas alguns fingem desconhecer) e que ficou bem evidente em diversas reportagens televisivas neste verão, onde se ouviu, mesmo de autarcas e bombeiros “o que valeu foi não afastar a população e quando cá chegaram, foi só fazer o rescaldo”.
Portugal precisa, pois, duma política agrícola equilibrada, que permita alimentar a população, que tenha como objectivo a defesa da soberania alimentar, que promova a substituição das importações por produção nacional, que apoie a ocupação de mão de obra e do território, que combata a desertificação e preserve o ambiente e que, paralelamente, incentive as produções que (sem prejudicar o abastecimento interno) e sendo, de facto, internacionalmente competitivas, possam contribuir para o equilíbrio da balança alimentar.
O que ninguém precisa é que a produção alimentar, um bem essencial à humanidade, seja hoje um mero negócio deslocalizável (como se fosse o mesmo que fazer roupa, carros ou televisões), na mão de especuladores / banqueiros internacionais e de uns quantos governos pelo mundo fora, que definem preços e permitem a cotação de futuros na bolsa. Os mesmos que fazem da necessidade de alimentar a humanidade uma arma de domínio e escravização de países inteiros, depois de eliminarem o seu potencial de auto-abastecimento (apelidado de subsistência), de espoliarem os agricultores das suas terras e de tornarem a população dependente das “ajudas internacionais”, com a instalação de imensas explorações para produção de transgénicos, de produtos para exportação (inacessíveis aos que trabalham as terras), ou produtos destinados aos agro-combustiveis.
O que não é preciso é que, a propósito da actual crise capitalista e da luta pela supremacia entre os seus blocos, particularmente EUA e UE, a Comissão Europeia advogue uma “segurança alimentar europeia”, no que é fielmente acolitada pelo governo português, quando o que faz falta a Portugal é restabelecer a sua soberania alimentar, o que é do nosso interesse e não a tal “segurança alimentar europeia”, que se traduzirá em dar mais apoios aos países grandes produtores e secundarizar ainda mais a agricultura de alguns países, particularmente os mediterrânicos, entre os quais está o nosso.
O que Portugal não precisa é das políticas de sucessivos governos submetidas / defensoras do agro-negócio internacional da produção e da grande distribuição, que sustentam as teorias das fileiras estratégicas e da chamada “competitividade” internacional.
Como se pode então considerar competitivo quem está no negócio à custa de chorudos apoios pagos por todos nós e que, para não perder “competitividade” é privilegiado com mais apoios? Veja-se a recente alteração legislativa de restringir o apoio ao Aconselhamento Agrícola aos que recebem mais de 15.000 € de ajudas /ano e que não chegam aos 2% do total de beneficiários! Nestas condições é-lhes fácil obter grandes lucros, mas o país perde quando concentra a produção num punhado de empresas e em meia dúzia de produtos para exportação, para depois ter de importar quase tudo.
Demonstrativa da desastrosa orientação do Governo é a baixíssima aprovação de pequenos e médios projectos de investimento agro-pecuários ou florestais desde 2005, enquanto que para projectos gigantescos (alguns estrangeiros) tem havido dinheiro, ou a atenção dada à “internacionalização da empresa agrícola”, cujos beneficiários se contarão pelos dedos.
Como considerar competitivo este governo (assim como os anteriores) que não dá nem reclama para os seus agricultores condições semelhantes às dadas noutros países (da mesma UE): limita as ajudas comunitárias e não aprova projectos de investimento (para cortar na componente nacional); privilegia os grandes recebedores; obriga a impostos e segurança social mais cara; permite juros e preços dos factores de produção mais caros; retarda a implementação dum seguro à exploração; impõe regras desajustadas que impedem os agricultores de manter a sua actividade produtiva; desvirtua objectivos como fez no projecto hidroagrícola do Alqueva.
E como não considerar competitiva a Agricultura Familiar?
Então não são competitivos os agricultores que têm que viver do seu trabalho, que procuram comprar ou arrendar terrenos vizinhos para dimensionar e emparcelar a sua exploração, que procuram novas técnicas e equipamentos, novas culturas para melhorar os seus rendimentos?
A agricultura portuguesa não está condenada à extinção!
Os agricultores, a Agricultura Familiar, proclamam:
Queremos Produzir – Queremos Viver Dignamente do Nosso Trabalho!
Falta mudar de política!
Falta é um governo que em vez do negócio, tenha como objectivo o desenvolvimento socioeconómico de Portugal.
Alfredo Campos
Membro da Direcção Nacional da CNA