1. A actual situação de emergência financeira, devida sobretudo ao excessivo défice público e elevada dívida externa (pública e privada), levou os nossos credores a imporem-nos um ajustamento abrupto, com consequências dramáticas para os Portugueses: mais de um milhão de desempregados, acompanhados por uma corrente emigratória antes inimaginável e talvez já superior à registada na década de 1960, e penalizações salariais severas para funcionários públicos e reformados – tudo reflexos de um País à beira da bancarrota, com falências em cascata e retracção do investimento.
Como cidadão comum, partilho a frustração dos nossos actores políticos, ao observarem esta inesperada (para a generalidade dos Portugueses) e súbita quebra pronunciada do bem-estar e felicidade dos nossos concidadãos. Resta agora aos decisores políticos empenharem-se na criação de um ambiente que permita remediar a presente situação.
2. Todos reconhecemos que para se superar a crise é imperioso relançar o investimento produtivo, gerador de riqueza e emprego. Para isso importa criar condições atractivas, o que passa pela implementação de reformas estruturais, com destaque, a meu ver, para alterações no âmbito do licenciamento das actividades económicas.
Com efeito, num quadro de competitividade global, cada País tem de se esforçar para proporcionar um ambiente apelativo ao investimento, a começar pela remoção de barreiras legislativas e burocráticas complexas ou mesmo impraticáveis ou inúteis. No mundo global em que vivemos, torna-se cada vez mais difícil atrair um investidor, nacional ou estrangeiro, se o licenciamento demorar vários anos, implicar exigências inúteis e custos elevados. No meu modesto entendimento, este tipo de obstáculos é mais inibitório do que o eventual acesso ao financiamento, pois até temos bancos com rácio de transformação, de depósitos em crédito, inferior a 120 por cento.
3. No Sector Agrícola, que conheço mais de perto, todos reconhecemos a possibilidade de reduzir o défice da balança agro-alimentar (em 2011 rondou quatro mil milhões de euros), sendo que um dos entraves mais relevantes reside no licenciamento das explorações pecuárias. Esta dificuldade inibe novos investimentos e desincentiva a modernização das actuais explorações, o que está em parte na base da presente crise do sector dos ovos de consumo e, dentro de alguns meses, afectará a suinicultura – onde cumpre também investir na adaptação das instalações às novas regras do bem-estar animal, o que só será efectuado na certeza que o licenciamento será concedido ou renovado.
Ora, a legislação aplicável ao licenciamento das explorações pecuárias é reconhecidamente desadequada, quando não mesmo inexequível. Esta situação tem conduzido os governantes a tomarem dois tipos de decisões: sucessivos adiamentos dos prazos de licenciamento e nomeação de sucessivos grupos de trabalho para melhorarem os diplomas legais. Isto significa que a problemática mantém-se, não obstante virem sendo concedidas algumas licenças, por regra acompanhadas por múltiplas condicionantes, cuja observância é mais ou menos dispendiosa e não raras vezes desajustada.
4. A presente situação de emergência financeira tem conduzido à adopção de medidas extraordinárias, que arrastam consigo um cortejo de consequências dramáticas: desemprego, emigração, empobrecimento das famílias, do estado social e das empresas.
Na minha humilde opinião, conviria também tomar medidas extraordinárias, sem dispêndio para os cofres públicos, em ordem a facilitar o investimento, nomeadamente no âmbito do licenciamento das actividades económicas.
Relativamente ao licenciamento das explorações pecuárias e com base na minha experiência nesta matéria, sugiro a adopção das seguintes medidas:
i) isenção de licença de utilização, para as explorações pecuárias em funcionamento antes da publicação do correspondente Plano Director Municipal (PDM);
ii) reconhecimento dos projectos agro-pecuários como Projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN);
iii) implementação do licenciamento zero, conforme preconizado pelo Senhor Ministro da Economia e do Emprego;
iv) melhoria imediata da legislação aplicável ao licenciamento das explorações pecuárias, considerando nomeadamente:
– prazos para todas as entidades oficiais se pronunciarem, estabelecendo a figura do despacho tácito (extensível à renovação das licenças, onde se chega a esperar mais de 6 anos sem que o organismo oficial responsável se digne dar qualquer satisfação, sujeitando o empresário ao risco de sofrer pesadas coimas e desincentivando qualquer investimento com vista à modernização ou à expansão das instalações pecuárias);
– no que respeita ao Plano de Gestão de Efluentes Pecuários (PGEP), adoptar a interpretação dado pelo Gabinete de Planeamento e Políticas (vidé Perguntas mais Frequentes) ao estabelecido no artigo 4º da Portaria nº 631/2009, de 9 de Junho, a saber: a elaboração do PGEP é exigida apenas aos agentes que procedam à valorização agrícola de quantidades de efluentes pecuários (chorumes e estrumes) superiores a 200m3 ou 200 t por ano;
– ainda no que ao PGEP diz respeito, rever o artigo 3º da aludida Portaria nº 631/2009, designadamente no que concerne ao armazenamento de efluentes pecuários junto das explorações pecuárias, porque nalgumas situações (e.g. galinhas reprodutoras pesadas e frangos de carne) tal prática viola as regras de biosegurança e prejudica o Plano Nacional de Controlo de Salmonelas (que, por sinal, tem constituído um êxito em Portugal);
– não abrangência de procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA), para as explorações pecuárias existentes antes da publicação do Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, que pela primeira vez consagrou tal obrigatoriedade.
Adicionalmente, importa motivar os agentes da Administração Pública – que também são pesadamente penalizados até a economia animar – para assumirem uma atitude facilitadora, sem exigências burocráticas que Portugal, ainda em crescente endividamento externo, deve minimizar.
A actual situação do nosso País tem exigido medidas extraordinárias que muito têm penalizado os Portugueses, não havendo razão, a meu ver, para não se tomarem medidas também extraordinárias que tragam esperança aos que ainda cá estão e se mostram entusiasmados para alcançar a meta proposta pelo Governo para 2020: a auto-suficiência (em valor) de produtos agrícolas e alimentares.
Manuel Chaveiro Soares
Engenheiro Agrónomo, Doutorado e Agregado pela Universidade Técnica de Lisboa, Gestor (Grupo Valouro, Crédito Agrícola), Empresário Agrícola.
Sobre as dificuldades de licenciamento das explorações pecuárias – Manuel Chaveiro Soares