Em 2010 os Europeus vão discutir a próxima PAC, Política Agrícola Comum da União Europeia. Em Portugal, o Presidente da República apelou recentemente a esse debate e surgiram já alguns contributos importantes, aos quais gostaria de acrescentar algumas considerações. Antes de mais, três pontos prévios:
1) A PAC tem as costas largas – Sendo fácil bater na PAC e apontar os seus defeitos, a Política Agrícola Comum serve muitas vezes como bode expiatório dos pecados dos governos nacionais, que a usam como desculpa externa para fugir às suas responsabilidades. Ao avaliar o passado da PAC, é preciso ter isto presente para dar um certo desconto a tudo o que se disse.
2) A PAC é vítima do seu sucesso – Os objectivos iniciais da PAC foram atingidos e até ultrapassados: Da fome após a Segunda Guerra Mundial passou-se à dificuldade de lidar com os excedentes. Com excesso de comida, os cidadãos urbanos europeus desvalorizam a agricultura.
3) A PAC tem de gerir invejas e ambições – Muitas vezes se acusa a agricultura por absorver mais de 40% do orçamento comunitário. E quais são as outras políticas comuns da Europa? Na defesa, na saúde, na educação e em quase todas as políticas importantes, cada país define a sua politica e, sobretudo gere o seu orçamento. Por isso, a principal organização de agricultores da Inglaterra afirmou há poucos dias que “A PAC representa uma parte significativa das despesas da UE, embora isso equivalha a menos de 0,5 por cento do PIB e apenas 1,09 por cento das despesas públicas totais da UE. Este parece ser um preço relativamente modesto para pagar a um sector que está no cerne de muitos dos desafios que a sociedade da UE enfrenta em termos de produção de alimentos, meio ambiente e alterações climáticas”1 . Além disso, tenhamos presente que o mercado comunitário é o mercado mais apetecível do mundo para os países emergentes que desejam exportar e, portanto, as suas críticas não são desinteressadas.
Posto isto, antes de propostas afirmativas, tal como disse José Régio, “não sei por onde vou, sei que não vou por aí”, eu começo por dizer o que não quero do futuro da PAC: uma política injusta, que atribua ajudas aos agricultores com base no seu histórico de ajudas, independente da sua produção e do seu trabalho. Essa PAC, com o anúncio repetido de “euromilhões” para a agricultura, desperta a inveja da opinião pública, coloca os agricultores no mesmo patamar dos beneficiários do Rendimento Mínimo e dá desculpas fáceis a ministros que queiram fugir à responsabilidade, fazendo declarações tipo “electricidade verde para piscinas” ou “dinheiro de projectos para apartamentos no Algarve”.
O que desejo e estou disposto a discutir é uma PAC que assegure a alimentação dos europeus, a manutenção da paisagem e a ocupação do território através de uma agricultura sustentável, do ponto de vista económico, social e ecológico. Nessa PAC, os subsídios devem ser atribuídos em situações excepcionais e temporárias, em situação de crise, por exemplo para compensar danos de intempéries.
O rendimento principal do agricultor deve resultar do seu trabalho: primeiro, através do pagamento justo pelo preço dos produtos agrícolas. A agricultura moderna, mecanizada, praticada em bons solos, com bons animais, gerida por empresários competentes, tem de ser rentável pelos que produz. Mas, no preço praticado, é preciso ter em conta os custos europeus dos factores de produção, começando pela mão-de-obra e passando pelas regras ambientais e de bem-estar animal. E isto consegue-se com regulação do mercado e protecção das fronteiras. A segurança alimentar tem de ser estratégica para a Europa. Os produtos agrícolas, sendo necessidades básicas, não podem ser equiparados a outras mercadorias. Já caiu o mito do mercado livre no sector bancário, falta cair o mito de que a Europa pode trocar tecnologia por alimentos baratos: na primeira crise, na primeira fome, os generosos exportadores tratarão de garantir, em primeiro lugar, a alimentação das suas populações (já aconteceu com o arroz). Os produtos agrícolas não devem estar sujeitos a especulações e oscilações que ora levem os produtores à miséria ora deixem os consumidores à fome. Haja coragem política para regular o mercado.
Depois, além dos produtos, é justo que os agricultores sejam pagos pelos serviços que prestam à sociedade: O agricultor da montanha, que ocupa um território inóspito, deve ser pago da mesma forma que pagamos aos vigilantes dos parques nacionais; A conservação de paisagens tradicionais, o cuidar das matas para evitar os fogos florestais, o cultivo adequado dos leitos de cheia e a retenção de carbono nas pastagens são apenas alguns exemplos de serviços que devem ser pagos como serviços a quem efectivamente os presta e não como “subsídios aos pobres agricultores” na hora de anunciar e “subsídios para não produzir” na resposta a quem se queixa do seu atraso.
As ajudas desligadas da produção tinham boas intenções mas foram um presente envenenado que, a manter-se, conduzirá ao fim da PAC e a um futuro sombrio para a agricultura europeia, ainda mais difícil num país periférico como Portugal. É certo que o peso negocial do nosso país também é pequeno, mas uma boa ideia pode ter muita força. É importante que estes assuntos se discutam com todos os contributos possíveis para chegarmos a uma posição de consenso nacional que defenda o futuro do país e da sua agricultura para além dos interesses instalados.
Carlos Neves