floresta

Propriedade florestal: privada, fragmentada e com escassos planos de gestão

Devido sobretudo a fatores históricos, 84% da floresta portuguesa é privada. A falta de cadastro de propriedade florestal impede que se conheça, ao certo, o número de proprietários. Além disso, estima-se que pouco mais de um quinto da floresta tivesse planos de gestão em 2010, uma realidade muito distante do que se verifica na propriedade florestal do resto da Europa.

Portugal é um dos países europeus com maior percentagem de floresta privada, na sua grande maioria pertencente a pequenos proprietários: 84,2% de propriedade florestal privada e 13,8% de terrenos comunitários.

Cerca de 60% da floresta europeia (UE-28) é privada, segundo o Eurostat, incluindo-se neste valor áreas de proprietários privados e comunitários. Portugal lidera este ranking, com cerca de 97% da área privada, seguindo-se a Noruega com 80%, a Dinamarca com 76% e a França, Eslovénia e Suécia com 75%. A tendência é para que as plantações privadas aumentem, em detrimento da floresta pública, com um número crescente de pequenos proprietários, como verifica a Agência Europeia do Ambiente.

Já em termos mundiais, assiste-se a uma lógica inversa. Cerca de 76% da floresta é pública, segundo um relatório da FAO. Na percentagem remanescente (privada e comunitária) tem-se assistido a um decréscimo da área detida por empresas e comunidades a favor da floresta detida por proprietários individuais.

O regime de propriedade em Portugal e o predomínio da floresta privada estão intimamente ligados à sua história, como reforça o artigo Propriedade da Terra e Política Florestal em Portugal (2003). No regime feudal que imperou na Europa, a terra pertencia à realeza, à nobreza e ao clero, enquanto o povo pagava pela utilização das áreas que cultivava. Este regime foi abolido em 1834, com a promulgação da legislação do liberalismo. As propriedades rurais da nobreza e das Ordens religiosas passaram para o Estado, que as vendeu em hasta pública.

Floresta por tipo de propriedade
(percentagem em relação à área florestal total)

Fontes: “Associativismo Florestal”, ICNF; “Agriculture, forestry and fishery statistics” 2017 (Tabela 6.1.1), Eurostat; “The State of the World’s Forest 2018” (Tabela 2), FAO. 

Quantos são os proprietários da floresta nacional?

Não se conhece, ao certo, o número de proprietários florestais em Portugal. A obra “O Futuro da Floresta em Portugal” refere a existência de mais de 400 mil, mas a falta de cadastro florestal à escala nacional impede que se apure, com rigor, o número certo de proprietários.

Uma estimativa do estudo “O Cadastro e a Propriedade Rústica em Portugal” (2013, sobre dados da década anterior), indica que os 10 900 prédios rústicos existentes no território continental (equivalentes a 8,4 milhões de hectares, com uma área média de 0,71 hectares) deverão pertencer a cerca de 550 mil contribuintes. Não se sabe quantos destes estarão dedicados à floresta. No entanto, considerando que as áreas florestais ocupam um terço do território, segundo o 6.º Inventário Florestal Nacional, uma extrapolação grosseira apontaria para perto de 200 mil proprietários.

Por outro lado, o artigo Propriedade da Terra e Política Florestal em Portugal (2003), refere a existência de 22396 proprietários florestais privados no total das regiões Norte, Centro, Ribatejo e Oeste, Alentejo e Algarve. O valor não reflete, no entanto, os proprietários públicos e o território com proprietários desconhecidos.

De acordo com os últimos dados do Perfil Florestal (2018), apenas 46% dos espaços florestais possuem cadastro predial: existem 11,7 milhões de prédios rústicos com uso agroflorestal e 1107 unidades de baldio. Estima-se que mais de 20% do território não possua dono ou que este seja desconhecido, o que dificulta também a necessária gestão florestal.

Na Europa, dos 43% de área florestal, cerca de 60% é privada e detida por aproximadamente 16 milhões de proprietários florestais, segundo a Confederação de Proprietários Florestais Europeus. Embora o tamanho médio da propriedade florestal privada seja de 13 hectares, é de realçar que dois terços das propriedades florestais ocupam menos do que três hectares.

A estrutura da propriedade está ligada às características fisiográficas da região, mas também a fatores históricos, sociais e económicos.
Veja-se a diferença entre o Norte e o Sul de Portugal:

  • Região Norte: o relevo acidentado, a pressão demográfica, o sistema de herança da propriedade (que divide a propriedade por vários herdeiros) e a existência de baldios levou a que mais de metade das propriedades nesta zona tenha menos de cinco hectares.
  • Região Sul: existência de grandes propriedades, associadas à agricultura, silvicultura e pastorícia e onde domina o montado de sobro e azinho. A estrutura da propriedade do Sul está muito ligada à reconquista cristã do território nos séculos XII e XIII. As terras confiscadas aos mouros eram doadas aos nobres e ao clero, em grandes extensões, que se mantiveram até ao liberalismo. Nesta altura, grande parte da propriedade passou para a nobreza que apoiou a revolução, tendo a burguesia urbana adquirido a outra parte.

Compare as diferenças de estrutura da propriedade florestal privada no Norte e Sul de Portugal.

22% de floresta com plano de gestão

Estima-se que pouco mais de um quinto da floresta portuguesa tivesse um plano de gestão (ou equivalente) com objetivos de conservação e/ou produção em 2010. O número nacional fica muito aquém da realidade europeia, cuja média se elevava aos 70%.

Vários países gerem ativamente 100% da sua floresta, como é o caso da Áustria, Bulgária, Finlândia ou República Checa.

Não parece existir uma relação direta entre o tipo de propriedade – floresta pública ou privada – e o facto de esta ser gerida ou não, de acordo com os dados do relatório State of Europe’s Forest 2015 (Tabelas 23 e 42 do Anexo 8). Dos vários países com 100% de floresta sob gestão, alguns têm a propriedade florestal maioritariamente privada, como a Eslovénia e a Finlândia (75% e 70% de floresta privada, respetivamente). Noutros, como a Turquia, a Bulgária ou a República Checa, as florestas são maioritariamente públicas (99,9%, 88% e 77% de floresta pública, respetivamente).

Fonte: State of Europe’s Forest 2015 (indicador 3.5) 

14% de floresta certificada

Mais de 687 mil hectares de floresta em Portugal teriam gestão certificada em finais de 2018. A floresta certificada é, essencialmente, floresta privada sob gestão. Deste total, estima-se que aproximadamente 243 mil hectares tenham dupla certificação (certificação obtida através de dois sistemas de certificação distintos), pelo que a floresta sob certificação se aproximará dos 444 mil hectares. Ou seja, cerca de 14% da floresta continental portuguesa estará certificada (tendo em conta o total de 3,2 milhões de hectares de floresta em Portugal continental, indicado pelo 6.º Inventário Florestal Nacional).

A floresta certificada tem vindo a aumentar em Portugal, na Europa e no mundo. Os dados das entidades certificadoras indicam que cerca de 507 milhões de hectares de floresta mundial estavam certificados em 2018. Este total revela um acréscimo significativo face aos 14 milhões de hectares certificados em 2000 e aos 438 milhões de hectares estimados pela FAO em 2014.

Em termos mundiais e descontando a dupla certificação – estimada em 86 milhões de hectares – a área total sob gestão certificada seria de 424 milhões de hectares (cerca de 10% dos quatro mil milhões de hectares existentes), em meados de 2018.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


por

Etiquetas: