Proteger a carvalhiça: projeto LusoQuercus junta ciência e cidadãos

O projeto LusoQuercus desafia os portugueses a contribuir para o mapeamento colaborativo da carvalhiça (Quercus lusitanica) e para a recolha (e envio à equipa científica) de bolotas desta espécie, também conhecida como carvalho-anão.

Estes passos constituem uma ajuda essencial para apoiar a ciência no seu conhecimento sobre o mais pequeno dos carvalhos portugueses (nomeadamente sobre a sua variedade genética e distribuição em Portugal) e no planeamento de ações que promovam o seu restauro e conservação.

A carvalhiça é uma das 11 espécies de carvalhos nativos em Portugal e encontra-se dispersa, sobretudo, pelo Oeste da Península Ibérica e Norte de Marrocos. A espécie integra um subtipo de habitat prioritário da Rede Natura 2000 (Habitat 5330 – Matos termomediterrânicos pré-desérticos, subtipo 5330pt4 – Matagais de Quercus lusitanica), sendo-lhe reconhecido elevado valor ecológico pela sua capacidade de regeneração por rizomas, ou seja, através de caules que crescem debaixo da terra e conseguem emitir novos rebentos e raízes, mesmo quando a parte aérea (visível) é destruída por corte, pastoreio ou fogo.

Imagem da espécie Quercus lusitanica por Rui Oliveira, do Jardim Botânico UTAD, Flora Digital de Portugal.

Imagem da espécie Quercus lusitanica por Rafael Medina, do Jardim Botânico UTAD, Flora Digital de Portugal.

Como o seu rizoma subterrâneo permanece vivo e consegue regenerar a planta, a presença da carvalhiça é importante na etapa inicial de recuperação de bosques e florestas, que foram, por exemplo, afetados por incêndios.

Contudo, a sua presença é fragmentada e está em declínio por pressões várias, incluindo as relacionadas com as alterações climáticas. Acresce que os cenários futuros projetam uma perda significativa das áreas onde a carvalhiça tem condições climáticas adequadas para crescer, refere o projeto LusoQuercus. Antecipa-se que estas condições se irão deslocar “para o Noroeste, onde as populações se encontram fragmentadas, com baixo grau de conservação e sob ameaça, correndo risco de desaparecimento e de redução da área de ocorrência da espécie a nível nacional”.

É, por isso, necessário saber mais sobre esta espécie, obter bolotas que possam repovoar zonas onde a carvalhiça encontra condições adequadas e reforçar a sua presença em áreas nas quais tem vindo a reduzir-se.

Como reconhecer a carvalhiça, registá-la e enviar as suas bolotas?

A carvalhiça é um arbusto rastejante, que raramente ultrapassa o meio metro de altura (embora possa elevar-se aos três metros) e pode formar pequenas moitas, que aumentam de diâmetro com a idade. Cresce, com frequência, em solos pobres e ácidos (exceto calcários), em matagais, sobreirais, carvalhais e bosques mistos, sob as copas de outras árvores.

Encontra-se até aos 800 metros de altitude, em associação com plantas como o medronheiro (Arbutus unedo), a torga ou urze-roxa (Calluna vulgaris), o tojo-molar (Ulex minor) a torga ou carrasca (Erica umbellata), a arranha-lobo (Genista triacanthos) e a ruiva-brava ou graxa-brava (Rubia peregrina).

Calluna vulgaris

Ulex minor

Erica umbellata

Rubia peregrina

As folhas têm entre 2,15 e 12 centímetros de comprimento e 1,2 e 5 de largura e estão presas aos ramos por um pé curto (pecíolo de apenas 1 a 3,5 milímetros). A parte de trás da folha (chamada página inferior) tem uma cor mais baça e acinzentada, enquanto a parte da frente (página superior) tem um verde escuro mais brilhante.

© LusoQuercus

Uma característica distintiva mais fácil de identificar é o formato da folha na parte que a une ao pecíolo: tem a forma de um cálice, com as margens inteiras (sem recortes). Os “dentes” só começam a recortar a folha depois desta parte inicial, que pode corresponder a cerca de um terço ou metade do seu comprimento.

Em campo, ao encontrar uma carvalhiça, estas medidas e características devem ser confirmadas para evitar identificações erradas. Uma vez confirmada a espécie, é preciso registá-la:

  • Fotografar a planta, as folhas e as bolotas (com um smartphone);
  • Registar as coordenadas geográficas (latitude/longitude WGS84), usando GPS.
  • Registar a observação no iNaturalist associado ao projeto LusoQuercus (em https://www.inaturalist.org/projects/lusoquercus).

Antes de fazer o registo é necessário criar conta no iNaturalist.

As bolotas são frutos que amadurecem ao longo do Outono, o que é facilmente visível pela mudança da sua cor, de verde para acastanhado. Estes frutos guardam a semente no seu interior, o que permite germinar novas carvalhiças por propagação seminal. No caso da carvalhiça, as bolotas têm habitualmente entre 1 e 1,6 centímetros e são suspensas por um pedúnculo rígido de até 1,5 centímetros.

A recolha de sementes deve ser feita de forma moderada, com a consciência de que as bolotas têm importância no local onde se encontram, quer para promover a regeneração natural da espécie, quer para servir de alimento à fauna silvestre, principalmente mamíferos e aves. Assim, contribuir para o projeto LusoQuercus passa por:

  • Recolher bolotas maduras diretamente da planta e limpá-las;
  • Acondicionar as bolotas em sacos de papel ventilados;
  • Etiquetar com data e local de recolha (coordenadas);
  • Enviar prontamente as bolotas acondicionadas (perdem rapidamente a viabilidade se começam a secar), por correio, para: BIOPOLIS/CIBIO – Universidade do Porto, Projeto LusoQuercus, Campus de Vairão, Rua do Crasto, nº 765, 4485-684 Vairão.

Neste processo, devem ser usadas luvas para evitar o contacto com as bolotas.

Refira-se que o projeto LusoQuercus aplica critérios genéticos de conservação para selecionar as bolotas que poderão contribuir para a diversidade e resiliência da espécie.

O projeto LusoQuercus

O “LusoQuercus – Conservação de Quercus lusitanica: restauro de um carvalho arbustivo emblemático e negligenciado” é um projeto do CIBIO-Biopolis que combina ciência, conservação e participação pública para preservar a carvalhiça. Arrancou no final de 2024 e a sua conclusão está prevista para finais de 2027.

Com a ação coordenada de investigadores e cidadãos, o LusoQuercus pretende reforçar a capacidade de sobrevivência da carvalhiça face às mudanças climáticas, restaurar manchas fragmentadas, aumentar as populações e garantir que esta espécie continue a cumprir um papel ecológico vital nos bosques portugueses.

As suas quatro principais linhas de ação são:

  • Investigação: integrar dados genómicos de populações com modelos de distribuição climática, que ajudem a antecipar alterações na área de ocupação natural.
  • Conservação: aprofundar a informação sobre a presença da carvalhiça, melhorando a cartografia e a proteção das populações existentes, e promovendo a propagação vegetativa e seminal (multiplicação por sementes e por rebentamento) da carvalhiça.
  • Restauro: plantação assistida com base nos dados genómicos e nos modelos, seguida de monitorização e intervenções corretivas conforme necessário.
  • Sensibilização e Ciência Cidadã: campanhas de registo de ocorrências, voluntariado, recolha de bolotas e sensibilização da comunidade.

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