Quais são os custos dos incêndios rurais?

Os incêndios rurais implicam elevados custos para Portugal. As estatísticas oficiais não espelham, no entanto, a real dimensão das perdas.

Por cada incêndio que atinge o território, existem custos ambientais e económicos a ter em conta. Segundo o ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, o valor médio anual destas perdas rondou os 153 milhões de euros, no período entre 2006 e 2016.

Esta é uma estimativa baseada na matriz estruturante do valor das florestas da Estratégia Nacional para as Florestas, mas os valores podem ser ainda mais elevados em anos de extensas áreas ardidas. Esse foi o caso de 2003, em que arderam cerca de 440 mil hectares de florestas, matos e terras agrícolas, com perdas que ultrapassaram os 610 milhões de euros.

O ICNF ainda não divulgou estes valores para 2017 e 2018. Contudo, sabendo-se que, em 2017, o fogo consumiu cerca de meio milhão de hectares em Portugal (mais de 50% da área ardida nesse ano nos países do sul da Europa), os custos serão certamente ser superiores.

Os valores do ICNF contabilizam apenas áreas de povoamento e de matos ardidas, não tendo em consideração outros fatores, como as perdas de vidas humanas ou os impactes indiretos. De realçar que, em 2017, morreram 112 pessoas em consequência de incêndios que afetaram áreas de interface urbano-florestal densamente povoadas.

As vidas perdidas em 2017 são incomparavelmente superiores à média, embora em anos de muitos e grandes incêndios em Portugal, como 2003 e 2005, este número se eleve para próximo das duas dezenas.

Em paralelo, torna-se difícil contabilizar os impactes dos processos erosivos resultantes dos incêndios, como a perda de solo, a menor infiltração de água no subsolo e os gastos para repor o equilíbrio do ecossistema (por exemplo, no controlo de plantas invasoras).

Vulnerabilidade da Europa mediterrânica, com destaque para Portugal

Na Europa, os países de clima com influência mediterrânica (Portugal, Espanha, França, Grécia e Itália) são os que apresentam maior área ardida todos os anos.

Num relatório de 2019, a organização ambiental WWF explica que as paisagens mediterrânicas apresentam uma elevada e crescente inflamabilidade.

Área ardida nos países da Europa, 1999 – 2016

A sua complexa situação deve-se ao:

  • abandono e despovoamento de áreas rurais;
  • abandono de práticas tradicionais, como o pastoreio e agricultura, que criavam paisagens em mosaico; ausência de aproveitamento e gestão florestal, que levou ao aumento de quantidade e continuidade de vegetação;
  • caos no interface urbano-florestal, resultante de casas e povoações isoladas no meio de áreas florestadas e urbanizações muito perto de áreas de matos e florestas.

A estes fatores junta-se o número elevado de focos de incêndios em simultâneo, que causam frequentemente o colapso do sistema de emergência.

Neste grupo de países, Portugal e Espanha são os que têm sido mais afectados pelos incêndios, embora a área média ardida em cada década em Espanha (e nos restantes países) tenha vindo a diminuir, enquanto em Portugal a tendência tem sido para aumentar.

O intervalo de retorno do fogo é crítico para a gestão florestal 

O intervalo de tempo que decorre, em média, entre passagens sucessivas do fogo no mesmo local é um fator importante a vários níveis. Intervalos de retorno do fogo curtos podem levar a que os povoamentos florestais ardam antes de atingirem a idade de corte ou impedir que atinjam a idade de produção de sementes. 

Sem sementes, os povoamentos não se regeneram. Se não houver reposição do banco de sementes no solo, o fogo pode levar à substituição de zonas florestadas por matagais, mais suscetíveis a novos incêndios.

Uma análise da cartografia das áreas ardidas entre 1975 e 2005 mostrou que o intervalo médio de retorno do fogo em Portugal continental é de 36 anos. As regiões do norte do país tendem a ter intervalos de retorno menores, enquanto as regiões do sul têm intervalos maiores.   

O intervalo de retorno do fogo tem impacte direto nos ciclos de produção de madeira, que dependem de espécie para espécie:  

  • Pinheiro-bravo (Pinus pinaster), gerido para produção de madeira em ciclos de corte de 35-40 anos; 
  • Pinheiro-manso (Pinus pinea), gerido para produção de pinhões e cortado para produção de madeira com cerca de 80 anos; 
  • Carvalhos (Quercus spp.), castanheiro (Castanea sativa) e cerejeira (Prunus avium), que só começam a produzir madeira de alguma dimensão por volta dos 60 anos, devendo ser cortados entre os 80 e 100 anos; 
  • Eucalipto (Eucalyptus globulus), pode ser cortado ao fim de 8-10 anos. 

Em regiões com intervalos de retorno do fogo abaixo dos 25 anos, até a sustentabilidade das florestas de pinheiro-bravo está comprometida, pois é pouco provável que atinjam a idade de corte recomendada.  

Intervalo de retorno médio de incêndios, em anos

Fonte: Fire frequency analysis in Portugal (1975-2005), using Landsat-based burnt area maps (2012)

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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