Em zonas do globo com clima Mediterrânico, tendo verões quentes e secos e havendo excesso de água na globalidade do ano, faz todo o sentido adotar o regadio como uma componente importante dos sistemas de agricultura. Esse é o caso da generalidade do território português e, em particular, do Alentejo.
Aliás, os números não enganam! Segundo dados do INE, um hectare exclusivamente de sequeiro gera um valor de 829 € contrastando com o valor de 5 188 € criado por um hectare predominantemente de regadio. Regar não aumenta só as produções como também contribui significativamente para a sustentabilidade económica da população que mantêm viva a Agricultura Nacional.
Mas não se fique com a ideia de que quem rega, rega sem método… só porque quanto mais regar mais produzirá! Muito pelo contrário, pois, geralmente, quem rega em excesso produz por defeito. O moderno agricultor regante visa a realização de toda e qualquer tarefa de uma forma otimizada, observando e registando os dados agronómicos, climáticos e pedológicos da exploração, recorrendo a ferramentas de apoio à decisão e a metodologias capazes de orientar e determinar as operações de forma adaptada à variabilidade temporal e espacial das culturas e das parcelas. Tudo isto, permite ao regante aplicar a dose de água estritamente necessária, no local certo e no momento oportuno, tornando-se cada vez mais eficiente.
Mas nem só a Agricultura ganha com a obra de regadio. Num recente artigo da autoria do Presidente do Conselho de Administração da EDIA, Engº José Pedro Salema (o qual subescrevemos na íntegra), fica claro que todo um ecossistema ganha com a existência de uma infraestrutura hidráulica da qual floresce todo um sector pilar da nossa sociedade.
Mas, é claro que há que bem gerir esse recurso cada vez mais escasso. A Diretiva Quadro da Água, entre os seus instrumentos, declara como meta a recuperação total dos custos envolvidos nos serviços de água (retenção, captação, distribuição e uso), incluindo os ambientais. As decisões racionais de apoio ao desenvolvimento, alocação e uso dos recursos hídricos, requerem a adequada quantificação do valor da água. Esse valor económico deverá, também e ainda, medir a contribuição do recurso água para o cumprimento do objetivo do seu utilizador. Podendo, este, ser definido como o valor que esse utilizador, independentemente de ser fornecido por uma entidade/fonte de abastecimento pública ou privada, estará disposto a pagar pelo seu consumo para um uso específico. No fundo, trata-se de encontrar uma solução viável e equilibrada para a razão custos/benefícios, dentro do princípio base de que esse valor deverá, por um lado, cobrir a totalidade dos custos económicos e ambientais de alocação da água, e, por outro lado, estabelecer um valor que meça o benefício da sua utilização racional e específica (permitindo controlar consumos supérfluos). Quer isto dizer que um preço justo e eficiente da água tem de ser tal que permita viabilizar, no longo prazo, quer quem a gere, oferece e cobra quer quem a procura usa e paga.
Daqui decorrem três questões fundamentais:
- qual será o valor que os agricultores estarão dispostos a pagar pela água?;
- será esse valor suficiente para cobrir o preço da água que lhes é cobrado?;
- e se não for suficiente: o que deveria mudar para equilibrar os pratos da balança?
Note-se que o nosso propósito não é o de concluir se a água é cara ou barata, mas sim se a atual conjuntura (2017) permite ao agricultor tirar uma rendabilidade que lhe permita pagar pelo recurso consumido.
Como podemos estimar o valor que os agricultores estarão dispostos a pagar pela água?
O método mais comummente usado para apurar o valor que os agricultores poderão pagar pela utilização dos recursos hídricos é a disposição a pagar pela água (DAP). De uma forma simplificada, a DAP, expressa em €/m3, resulta do quociente entre rendimento da água, ou seja, o resultado obtido quando se subtraem às receitas totais geradas pela produção agrícola em regadio os custos totais associados ao pagamento ou remuneração de todos os fatores de produção, com exceção dos correspondentes à água. Genericamente, a DAP pode exprimir-se por:
Nos custos de produção incluem-se o pagamento dos materiais e equipamentos adquiridos, remunerações dos trabalhadores, remuneração do capital social, custo de oportunidade da terra e do empresário e a taxa de exploração e conservação (se inserido num perímetro de rega, como sucede nos casos aqui analisados).
Para esta reflexão foram escolhidos cinco Perímetros de Rega da região do Alentejo – Campilhas e Alto Sado, Lucefecit, Odivelas, Roxo e Vigia. O texto que aqui se apresenta resulta de uma síntese de um trabalho realizado recentemente publicado na revista Agronomy. A avaliação que foi feita incide, exclusivamente, sobre regantes dentro dos perímetros, deixando de fora os precários. Como culturas, selecionaram-se aquelas mais representativas da região – Milho, Trigo, Girassol, Olival Sebe, Olival Intensivo e Amendoal. A Vinha, apesar da sua importância, foi deixada propositadamente de parte dado que o valor acrescentado da produção pode, em alguns casos, ser resultante da sua transformação e da qualidade de um produto final – o vinho – que varia de produtor para produtor. Também, o Arroz foi desconsiderado por ser marginal (ou inexistente) nos 5 regadios estudados.
Assumiu-se, para determinação da DAP, uma estrutura de produtividade, valor, custos e consumos de referência das culturas, idêntica para todos os Perímetros (Quadro 1). Importa realçar que este quadro é a base de todos os resultados.
Quadro 1. Rendimentos e custos de produção de cada cultura (Fonte: Associações de Regantes). (valores corrigidos às 19:21 de dia 21/01/2021)
Cultura | Produtividade (ton/ha) | Valor da Produção1 (€/ton) | Custos de Produção2 (€/ha) | Volume de água consumido (m3/ha) |
Milho | 15,0 | 190 | 2 434 | 6 500 |
Trigo | 5,0 | 265 | 1 424 | 2 500 |
Girassol | 3,0 | 380 | 1 256 | 4 000 |
Olival Sebe | 12.5 | 300 | 3 267 | 3 000 |
Olival Intensivo | 6,0 | 300 | 1 691 | 2 000 |
Amendoal | 2,5 | 2 550 | 3 167 | 4 000 |
1valores de 2017; 2exceto rega.
É de realçar que, a nível das receitas, não foram considerados quaisquer pagamentos aos produtores ligados à produção, dado que podem variar de caso para caso. Apesar não ser uma situação “real”, conseguimos relativizar a análise, colocando todos os casos de estudo em pé de igualdade.1valores de 2017; 2exceto rega.
Será que a disposição a pagar é suficiente para cobrir o preço da água que é cobrado?
A resposta a esta questão é simples de dar: basta comparar as disposições a pagar pela água (DAP) para cada cultura com o preço de água (PA) cobrado pelas as Associações de Regantes (Quadro 2). Para melhor entender se a DAP é maior ou menor que o preço da água, optou-se por “pintar” o Quadro 2, sendo que quando DAP > PA o valor aparece a verde, e quando DAP < PA o valor surge a vermelho.
Note-se que, face ao anteriormente exposto, a variação da DAP duma mesma cultura resulta apenas da variação das taxas de exploração e conservação cobradas nos diferentes perímetros.
Quadro 2. DAP para todas as culturas e Perímetros de Rega.
Aos valores de produção atuais e sem pagamentos aos produtores ligados à produção, as culturas do trigo e do girassol, não são sequer viáveis (DAP<0). Apesar de ter uma DAP positiva (exceto para o caso do Lucefecit), o olival intensivo, para a estrutura de custos aqui considerada, não gera valor acrescentado suficiente para cobrir os preços de água em vigor. Pelo contrário, o milho, o olival em sebe e o amendoal, são culturas que apresentam DAP suficientemente elevadas para não só cobrir o valor que é cobrado por m3 da água consumida, como para serem rentáveis.1BP – baixa pressão; 2AP – alta pressão.
Dado este cenário, o que deveria ser alterado para equilibrar os pratos da balança?
Na situação “ceteris paribus” (tudo o resto constante) só temos 2 alternativas: ou aumentamos a produtividade ou aumentamos o preço do produto. Dito doutra forma, temos de calcular os limiares de produtividade ou de preço, que correspondem à situação de lucro zero.
Olhemos para primeira opção. Quais seriam as produtividades de cada cultura em cada Perímetro de Rega para que a DAP fosse igual ao preço da água? O Quadro 3 apresenta a resposta a esta questão. A escala de cores tenta facilitar a leitura dos resultados: quanto mais vermelho, maior terá que ser a produtividade; e quanto mais verde, menor poderá ser.
Quadro 3. Produtividade de cada cultura na situação em que a disposição a pagar iguala o preço da água
1BP – baixa pressão; 2AP – alta pressão.
Algumas culturas, como o trigo e o girassol mostram-se um desafio, sendo que a produtividade teria que aumentar em mais de 20% (sem que se aumentasse o consumo de fatores) para que a DAP fosse igual ao preço da água. Já outras, como o amendoal, mostram “folga” suficiente para que, mesmo que tivéssemos perante um cenário levasse a quebras de produção significativas, continuasse a ter uma DAP ≥ que o preço da água.
Vejamos agora a segunda opção. Quais seriam os preços mínimos pago por tonelada de produto para que DAP igualasse o preço da água. O Quadro 4 apresenta esses valores. Novamente, a escala de cores tenta facilitar a leitura dos resultados: quanto mais vermelho, maior terá que ser o valor pago por tonelada de produto; quanto mais verde, menor poderá ser quanto o agricultor receberá pela sua produção.
Quadro 4. Valor por tonelada de produto para cada cultura na situação em que disposição a pagar iguala o preço da água
1BP – baixa pressão; 2AP – alta pressão.
Sem ajudas à produção, o valor pago pelas culturas do trigo e do girassol teria de voltar a montantes que não se vêm há muito tempo para que a DAP igualasse o preço da água. O milho ainda mostra alguma margem; o amendoal apresenta valores suficientemente robustos para que a ameaça dos mercados não nos preocupe (pelo menos para já).
Em tom de conclusão, o que podemos fazer?
As práticas agrícolas atuais visam melhorar as produtividades e, ao mesmo tempo, otimizar o uso dos fatores de produção. Atingir produtividades mais elevadas para as culturas que aqui não se mostraram capazes de cobrir o preço da água (trigo, girassol e olival intensivo) é uma das soluções. Depositamos grandes esperanças nesta opção, sendo que, para isso, precisaríamos de promover a adoção, célere e significativa, de novas e boas práticas (como a Agricultura de Precisão e o benchmarking) que, sem o devido esforço em investimento, conhecimento e acompanhamento, poderão não ser alcançáveis. A abordagem alternativa, teria de passar pelo aumento dos preços dos produtos; no entanto, dentro do atual enquadramento de comércio livre e global, intra e extracomunitário, não nos parece ser de todo realista e viável.
Todavia, a formulação e implementação de uma política nacional de apoio a determinadas culturas anuais, essencialmente justificada pela necessidade de manter a diversidade, resiliência e sustentabilidade dos sistemas e pela limitação da expansão excessiva das culturas permanentes, cuja procura de água é, tendencialmente, “fixa”, pode ser defensável e, mesmo, desejável. De facto, num contexto de alterações climáticas, cada vez mais provável, as culturas anuais podem funcionar como uma espécie de “fusível”, que permite equilibrar a disponibilidade com a procura de água.
Gonçalo Caleia Rodrigues 1, 2
Francisco Gomes da Silva 2
José Pimentel de Castro Coelho 2
1 LEAF—Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food, Instituto Superior de Agronomia Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa, Portugal
2 Instituto Superior de Agronomia Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa, Portugal
Live-stream: Congresso Nacional da Rega e Drenagem 2020 – Dia 3