Pinhal de Leiria

Quase cinco anos depois do fogo, o Pinhal de Leiria mostra sinais de abandono

Os incêndios que devastaram o Pinhal de Leiria em 2017 estão longe de ser algo do passado. Hoje, a maior parte da mata está ainda sem plantação – o que se torna terreno fértil para a proliferação de espécies invasoras. O mato seco vai-se amontoando e há árvores plantadas que morreram.

Há pinheiros altos e robustos de cada lado da estrada de asfalto. Estamos no talhão 215 da Mata Nacional de Leiria, uma das poucas zonas que não arderam nos devastadores incêndios de Outubro de 2017. “Isto é o que era o Pinhal de Leiria”, guia-nos o engenheiro silvicultor Octávio Ferreira. Eram pinheiros com dezenas de anos que se perdiam de vista no horizonte. Mas esta já não é a paisagem no resto da Mata Nacional de Leiria: a mancha verde de árvores que cobria os 11 mil hectares foi reduzida a um descampado gigante. A maior parte do Pinhal de Leiria é agora mato seco que cresce desgovernado.

Quase cinco anos depois do incêndio que varreu o pinhal, há ainda muito por fazer. As opiniões divergem e não há uma única visão para aquilo que se deve fazer no Pinhal de Leiria, mas há uma certeza partilhada por todos os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO: falta acompanhamento das plantações, limpeza nos terrenos, fiscalização e uma gestão eficaz. “Há um abandono da mata”, resume o professor Rui Cortes. Há já zonas com novas árvores a despontarem do chão arenoso – muitas delas surgiram naturalmente –, mas têm de competir com o matagal e com as espécies invasoras, como as acácias.

Do que vemos, muitas das árvores plantadas estão secas. “Há muita plantação por aí que foi feita e depois abandonada”, conta Octávio Ferreira, que esteve anos ligado à gestão da mata. Esta mata, que data de tempos anteriores a D. Dinis (anos 1200), é do domínio do Estado e gerida pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). “Houve um fortíssimo desinvestimento do Estado naquilo que é o nosso património”, observa o engenheiro silvicultor Paulo Pimenta de Castro.

O mato seco crepita a cada passo que se dá. Antigamente, havia mais de uma centena de pessoas que trabalhavam directamente na mata. Agora, são poucas e as chefias estão mais longe. Segundo o ICNF, a gestão dos 11 mil hectares da Mata de Leiria é assegurada por uma técnica superior e 11 assistentes operacionais.

“É como uma fábrica em que o dono não está todos os dias a ver o que se passa e o que é preciso fazer, mas está a 100 quilómetros de distância, sem conhecer a realidade”, compara Octávio Ferreira, de olhos azuis postos no pinhal. “Não havendo capacidade técnica, capacidade orçamental e meios humanos, as coisas não podem funcionar.”

Estão a enterrar 700 anos de história de Portugal. É esta a situação grave que estamos a passar

Gabriel Roldão

A 15 de Outubro de 2017, os incêndios que galgaram o país queimaram também 86% do total da superfície da Mata Nacional de Leiria: dos 11.021 hectares, arderam 9476 – o equivalente a 12 mil campos de futebol. Foi uma série de infortúnios: o que não ficou destruído nessa altura ficou depois, com a passagem da tempestade tropical Leslie, em 2018, que atingiu 1137 hectares. Ainda hoje são visíveis as cicatrizes da passagem das chamas. Há troncos queimados que contrastam com a areia branca onde crescem os novos pinheiros, ainda pequenos.

Até agora, indica o ICNF, a área arborizada representa 46,5% da área total ardida em 2017, havendo 1773 hectares repovoados por via natural e 2652 hectares através de plantação. O ICNF garante que “não se regista atraso na execução das acções e das medidas que foram definidas para o processo de recuperação” do Pinhal de Leiria – e diz que as etapas previstas de 2018 a 2022 “estão praticamente concluídas”. “Além da dimensão da área a recuperar, qualquer processo de recuperação de áreas ardidas depende também de factores que não são controláveis pela vontade humana” e que condicional “o sucesso das actividades realizadas”.

“É como uma fábrica em que o dono não está todos os dias a ver o que se passa e o que é preciso fazer, mas está a 100 quilómetros de distância, sem conhecer a realidade”, compara Octávio Ferreira.

Para quem sempre trabalhou no pinhal, o desgosto foi grande. “Tanto trabalhámos com a foice. Vimos os pinheiros a crescer e depois vimos tudo destruído”, conta Urânia Oliveira, uma das trabalhadoras do Pinhal de Leiria. “Foi um pedaço que saiu de nós”, recorda, com a mão cerrada junto ao peito. Ao lado, Maria Adelina concorda. Tem 59 anos e trabalha há 44 anos na mata de Leiria. “Foi muito difícil. Conhecíamos isto tudo verde”. Enquanto fala, os seus olhos parecem lembrar-se do manto de pinheiro vivo que se estendia no horizonte. Agora, os pinheiros nascediços devolvem-lhe alguma esperança.

O pinhal ficou quase irreconhecível para quem o conhecia antes do incêndio e, agora, teme-se que não volte a ser o que era. “Por este processo, nunca mais na vida vamos ter Pinhal de Leiria neste país”, vinca Gabriel Roldão, que antes de 2017 alertou várias entidades públicas para a iminência de um incêndio por causa do “desleixo atroz”. “Estão a enterrar 700 anos de história de Portugal. É esta a situação grave que estamos a passar”, conta-nos Gabriel Roldão, que passou os seus 87 anos de vida com o pinhal como seu vizinho. “Custa muito.”

É um sentimento partilhado. “Já tenho cabelos brancos, não vou ver pinhal”, admite o presidente da Câmara da Marinha Grande, Aurélio Ferreira. No dia do incêndio, quando ainda era vereador, ficou de lágrimas nos olhos: “O pinhal fazia parte de […]

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