Como escrevia há pouco tempo num outro artigo, a fileira do leite em Portugal e muito especialmente a produção leiteira nacional está autenticamente enfiada numa camisa de sete varas – liberalização comercial internacional, desmantelamento das quotas, ecocondicionalidade, alimentação animal vs biocombustíveis, licenciamento das explorações, PDR, desligamento/RPU – que é essencial desmontar e despir.
Tenho também constatado, de forma crescente, que a forma como estas matérias é tratada é muitíssimo sensível, sendo muito ténue a linha que separa o acto de informar e de contribuir para a reflexão, por parte de quem nos lê ou escuta, da percepção de que, face a tantos constrangimentos e obstáculos, à desmotivação se poderá seguir o abandono.
Contudo e apesar disso, não posso deixar de considerar que qualquer uma das varas [sete] da ‘nossa’ camisa é suficiente, por si só, para nos causar ‘uma carga de trabalhos’ e, obviamente, a combinação de todas elas torna a situação – um sistema de múltiplas equações com múltiplas incógnitas – de elevada complexidade na sua teorização e na definição das eventuais pistas de solução.
Os principais impactos de cada um daqueles factores foram já inúmeras vezes enunciados, muito embora haja uma importante deficiência na sua não quantificação. Mesmo em termos internacionais, a maior parte dos estudos conhecidos geram, pelo menos no meu caso pessoal, muitas desconfianças quanto ao seu efectivo rigor, sendo que a maioria parece ser claramente construída para confirmar determinadas teorias ou posições.
De qualquer forma e de modo telegráfico, poderíamos lembrar que a liberalização que por certo sairá das negociações da OMC fará com que, em simultâneo, o mercado lácteo europeu fique mais exposto às importações provenientes das grandes potências lácteas da Oceânia e da América do Sul e que as exportações europeias, pela via do desmantelamento das restituições, sejam dificultadas
A ecocondicionalidade e o desligamento, em conjunto ou separadamente, poderão funcionar como um convite ao abandono da actividade leiteira (mais exigente do ponto de vista ambiental, com piores condições de trabalho,…) em detrimento de outras actividades agrícolas onde essas dificuldades sejam menos sentidas.
O autêntico ‘boom’ dos biocombustíveis está a gerar um rápido aumento dos custos das principais matérias-primas utilizadas na alimentação animal, com reflexos óbvios e imediatos nos respectivos custos de cedência às explorações. Além disso, a ‘poeira’ está ainda demasiado longe de ter assentado para que se perceba como e quando se obterá um novo equilíbrio e quais as suas consequências na estrutura de custos das explorações leiteiras…
Em relação ao autêntico sarilho em que, à boa maneira portuguesa, se converteu o dossier ‘licenciamento’, com exigências faraónicas ao nível dos investimentos das explorações, com a confrangedora confusão de competências que se gerou em relação a um diploma que (recorde-se) foi publicado em 2004 ou com a perda de ‘tempos infinitos’ porque as entidades envolvidas não se entendem em relação à divisão das receitas que o processo de licenciamento gerará, o que é que se pode dizer de forma séria??…
Também não é fácil tentar ser objectivo no comentário quando se analisa atentamente o Plano de Desenvolvimento Rural – que, lembre-se, é o que de mais próximo se elabora em relação ao que deve ser a Política do Estado para a Agricultura – verificando-se que à fileira do leite não é conferido o estatuto de prioritária e que em relação a soluções para as várias dificuldades que a produção leiteira enfrentará no quadro temporal do PDR se diz… NADA!!…
Apesar de tudo isto, a questão essencial parece ser nesta altura, a de conseguir, de alguma forma, quantificar o impacto que este conjunto de dificuldades poderá ter ao nível do incremento do abandono produtivo e de que forma esse abandono poderá condicionar o abastecimento do conjunto das unidades de transformação espalhadas no nosso país, colocando em causa a fileira do leite no seu todo.
Desde logo duas observações que julgo importantes neste ponto: uma primeira para recordar que nos últimos dez anos abandonaram a produção leiteira mais de 65 mil [!!!] dos cerca de 80 mil produtores registados em meados da década de noventa e tal não teve qualquer consequência (antes pelo contrário) no desenvolvimento da produção leiteira nacional, a qual cresceu 300 mil toneladas, não aumentando mais porque foi entretanto atingida a quota leiteira nacional e houve grande firmeza na forma como a disciplina de produção foi transmitida a todas as explorações.
Uma segunda para constatar que face à organização actual da nossa produção – no final da campanha de 2005/2006, 4.895 dos 14.031 produtores (34,9%) realizaram entregas individuais inferiores a 20.000 kg, sendo as respectivas entregas acumuladas de 33.937 toneladas num total de 1.935.220 toneladas (menos de 1,8%) – e mesmo que todos aqueles constrangimentos não existissem ou se verificassem em simultâneo, certamente muitos produtores iriam ainda abandonar o sector, embora, aparentemente, a respectiva produção/quota fosse facilmente absorvida pelos restantes produtores.
Por mera inferência estatística, se não considerássemos aqueles microprodutores (e as suas entregas) – cujo peso percentual não tem paralelo em nenhum dos nossos parceiros da UE-15 – a dimensão média das nossas explorações subiria dos 135.000 kg de entregas para os quase 210.000 kg, o que nos aproximaria de forma clara dos valores de referência da ‘velha’ Europa.
Assim, uma primeira proposta passa pela importância de monitorizar os contornos de que se revestirá o abandono nas próximas campanhas, para que se possa concluir, de maneira efectiva, de que forma as ‘sete varas’ têm impacto nas saídas do sector e que tipo de medidas adoptar na tentativa de obviar às dificuldades que daí resultarão.
Mas, voltando à questão de fundo das quotas leiteiras, referência ao facto de o Leite ser o único sector que permanece ‘não reformado’; de, no seio da UE, parecer inequívoca uma ameaça genérica sobre todas as “quotas de produção”; de estar marcado para 2008 o denominado Health Check [uma nova avaliação intercalar] da reforma da PAC decidida em 2003, sendo que no mesmo quadro temporal serão revistas as Perspectivas Financeiras de médio/longo prazo.
Referência ainda a estarem a ser desenvolvidos trabalhos visando a criação de uma OCM única, o que motivará uma óbvia perda de preponderância dos diversos sectores, e o leite não será, por certo, excepção. Finalmente, é sabido que a actual Comissão Europeia cessa o seu mandato em 2009 e, tudo indica, não deverá ser reconduzida em funções, pelo que não é de excluir a vontade dos seus elementos em deixarem a ‘sua’ marca.
Com relação à OCM-Leite propriamente dita, lembre-se que a Reforma 2003 definiu como quadro de vigência do sistema de quotas a campanha 2014/15, foram reduzidos os preços de intervenção e criadas limitações tempo/quantidade para a intervenção da manteiga, foi criado o prémio aos produtos lácteos, foram introduzidos mecanismos de redução, quando não mesmo de desmantelamento de várias outras ‘ferramentas’ da OCM.
Olhando, agora, de forma mais atenta para o Sistema de Quotas, parece-me linear constatar que, desde a sua implementação, muito auxiliou à adequação da oferta à procura, contribuindo quer para a desaparição dos volumosos stocks de manteiga e leite em pó quer para uma razoável estabilidade dos preços e sustentabilidade dos rendimentos, criando estabilidade e incentivando investimentos ao nível tanto da produção como da indústria. Possibilitou a redução dos efectivos compensada por ganhos de produtividade e permitiu a manutenção e mesmo o desenvolvimento da produção leiteira na totalidade dos países da UE.
No entanto… permitiu também a cristalização de situações de desequilíbrio no interior da própria UE, com a existência de países em que a produção é altamente excedentária em relação ao consumo dos seus mercados nacionais, casos da Holanda, da Dinamarca ou da Irlanda, enquanto outros, como a Espanha, a Itália ou a Grécia são fortemente deficitários. Por outro lado, deve ser dada grande atenção à ‘avareza’ com que foram atribuídas as quotas aos novos Estados-membro, no que vai constituir-se, seguramente, como mais um factor de tensão sobre o sistema de quotas.
Penso ser relativamente fácil concluir que o desmantelamento do sistema de quotas, a verificar-se, não será a fonte de todos os males, nem o factor único que contribuirá para o desmoronamento da organização actual do sector lácteo, tal como a conhecemos e integramos. Mas até pelo valor simbólico e político que possui e pelo que ao desaparecer deixa de justificar, esse desmantelamento poderá ser a ‘gota que faz transbordar o copo’, justificando e criando condições para uma excessiva liberalização que aparentemente a poucos interessa.
Em cada reforma da PAC a continuidade das quotas leiteiras tem sido questionada. Os opositores têm sido quase sempre os mesmos: ‘exportadores’ e ‘espoliados’, sendo que tem o eixo franco-alemão o mais forte garante da respectiva manutenção. Mas, a Alemanha de Angela Merkel parece ter caído definitivamente para o lado dos opositores do sistema, criando um desequilíbrio (ou um novo equilíbrio) entre as posições em confronto a que se junta a forma como este dossier será encarado pelos novos Estados-membro.
As démarches da Comissão Europeia e de certos Estados-membro (em especial a Holanda e Dinamarca) visam então realmente o quê? Desmantelar já o sistema de quotas ou garantir tão depressa quanto possível (ainda em 2008) o desmantelamento do sistema em 2015? E nesta última opção, há referências a uma ‘aterragem suave’ na perspectiva de 2015, mas essa aterragem suave ocorrerá daqui até 2015 ou terá lugar apenas no pós 2015?
Face às informações disponíveis, mantenho, como já o disse em várias ocasiões anteriores, que se tentará garantir, sem hipótese de renegociação posterior, o desmantelamento do sistema de quotas em 2015, mas que também tudo será feito para antecipar o período de transição, ou seja a tal ‘aterragem suave’, que começará a produzir efeitos logo em 2009 e prolongar-se-à até 2015.
Continuo a ter muitas dúvidas sobre a ‘suavidade’ dessa aterragem e suas consequências imediatas no equilíbrio de mercado!!… Algumas das possibilidades equacionadas passam, por exemplo, pela redução substancial do valor da multa do regime de Imposição Suplementar; pelo aumento gradual percentual das quotas dos vários Estados-membro; pela possibilidade de transacção de quotas entre produtores de diferentes países e/ou pela compensação das ultrapassagens nacionais de quotas entre os vários Estados-membro. Estas possibilidades poderiam ser accionadas de forma isolada ou conjugada.
A concretizarem-se essas propostas – a mais provável das quais a combinação do aumento gradual das quotas nacionais com a redução do valor das multas – e não obstante a respectiva aparente ‘bondade’, parecem ser óbvias várias consequências, como sejam o ‘relaxar’ da disciplina de produção; o aumento substancial dessa mesma produção; a rápida criação de excedentes; a desvalorização do preço do leite; a depreciação do valor da quota; o fomento do abandono da produção e a acentuação rápida dos diferenciais de competitividade entre regiões, entre países…
Qualquer aprendiz de economista não esquece, desde a primeira aula que frequenta, que a mais salutar forma de organização de uma determinada actividade passa pelo livre funcionamento do mercado. E em termos ideais o raciocínio é simples: para quê esbanjar recursos na produção de um determinado bem se outros o produzem mais barato e se podemos aplicar alternativamente a parcela diferencial entre aquilo que pagaríamos por esse bem e o que nos custaria produzi-lo.
A eterna tentação é pensar que não são competitivos aqueles que o não querem ser. Um bom exemplo é ouvir e ler o que se escreve em relação à posição dos empresários portugueses do sector têxtil face ao ‘perigo’ das importações provenientes da China. …Que não, que não podemos fechar as fronteiras, que temos que deixar entrar no nosso mercado os produtos vindos dos países mais pobres, que os empresários não se prepararam para o perigo que todos sabiam que vinha aí, que o têxtil é um sector tradicional e de empresas familiares e pouco preparadas, que… que… que… No entanto, poucos são os que lembram em que condições (quantas horas por dia, que salários, que férias, que segurança social) esses produtos são produzidos na China, que referem as obrigações que as nossas empresas têm que cumprir e que as suas congéneres chinesas nunca ouviram falar, que lembram as economias de escala que podemos ter se o nosso mercado natural é de 10 milhões de habitantes e o deles é mais de cem vezes maior.
Há meses, na sua última visita oficial a Pequim, o presidente americano George W. Bush fez, numa intervenção no Congresso do Povo, ameaças veladas mas muito sérias à China em relação ao dumping implícito no seu modelo de produção e ao modo como essa forma de agir estava a prejudicar a indústria têxtil norte-americana, que, como se sabe, não é sequer (longe disso), um dos sectores mais importantes da economia do tio Sam. E nessa altura, algum dos escribas nacionais se lembrou de questionar a capacidade empresarial do têxtil americano ou os seus problemas de competitividade? Claro que não…
Em relação à fileira do leite, os diferenciais de competitividade provêm de outros factores, mas, na raiz, as questões não são assim tão diferentes. Os maiores defensores da liberalização do mercado lácteo comunitário são, como é sabido, a Holanda e a Dinamarca e, por razões distintas, o Reino Unido.
O objectivo pretendido não está sequer escondido atrás de nenhuma táctica especial. A pretensão é simples: num cenário de rápido desmantelamento das quotas e livre produção, as entregas nesses países tenderão a aumentar e os preços à produção no interior da UE deverão cair para níveis mais próximos dos do mercado mundial. Desta forma, e em face do previsível abandono produtivo que se verificaria nas áreas consideradas menos competitivas (basicamente todo o Sul da Europa), pela respectiva incapacidade de produzir a esse novo nível de preços, os produtos daqueles países encontrariam nos mercados ‘maduros’ da Europa do Sul um espaço natural (e bem remunerado) para a sua comercialização.
No entanto, quando se aborda a questão das negociações OMC verifica-se que a posição europeia (e especialmente das grandes empresas lácteas europeias) aponta no sentido do prolongamento tão amplo quanto possível do regime de restituições à exportação – apesar do seu desmantelamento já haver sido decidido na Cimeira de Hong Kong – ou da limitação da cláusula de acesso de produtos provenientes de países terceiros. A redução dos direitos alfandegários é objecto de ‘éne’ simulações e o recurso à cláusula de produto sensível para a manteiga ou o leite em pó desnatado não está, de forma alguma, colocada de parte.
Daqui se conclui da forte relatividade que incide, em qualquer circunstância, sobre a competitividade, conceito, por definição, comparativo. Se levarmos o conceito ao extremo, Portugal (com excepção provável dos Açores) e muitas outras regiões europeias deveriam abdicar da produção de leite por a mesma ser mais competitiva em países como a Holanda, a Irlanda, a Dinamarca, a Polónia, os Estados Bálticos, algumas zonas da Alemanha ou o Norte de França.
Porém, se a análise extravasar o espaço Europeu, então mesmo esses países deveriam abdicar da produção leiteira por não conseguirem ser competitivos face, por exemplo, à Nova Zelândia e à Austrália, os quais, por seu lado, estão actualmente a desenvolver estudos que demonstram que eles próprios não conseguem ser competitivos face às condições de produção da Argentina, do Uruguai ou do Sul do Brasil…
A competitividade para além do que tem de comparativo dentro de si, é também, por definição, um conceito dinâmico e se factores há que pela sua natureza, dificilmente podem ser invertidos, existem outros em que, com arte e engenho, capacidade e perseverança, se pode ‘correr’ mais depressa que os nossos competidores, queimar etapas que outros fizeram com resultados menos positivos (é a vantagem de partir depois) e, acima de tudo, potenciar os aspectos onde podemos ter ganhos de eficiência mais significativos.
O sector de lacticínios acaba por se constituir como um bom exemplo disso mesmo. Quando em 1986, Portugal adere à então Comunidade Económica Europeia, muito poucos foram os que acreditaram na sobrevivência do sector e menos ainda os que apostaram no seu sucesso. Uma negociação muito positiva em relação à quota leiteira a atribuir a Portugal permitiu um espaço de crescimento que, goste-se ou não, foi positivamente aproveitado por produção e indústria para se redimensionar e melhorar no seu grau de eficiência.
Haverá quem pense que os tempos eram outros e que as questões não eram abordadas de forma tão cuidadosa como hoje a UE faz relativamente aos diversos novos Estados-membro, mas vale a pena lembrar que em 1986 a CEE passou de 12 a 15 membros, sendo que os nossos ‘companheiros de viagem’ foram a Espanha e a Grécia, os quais, vinte anos decorridos continuam a queixar-se da escassa quota que lhe foi atribuída, sendo – para ambos países – o leite um dos dossiers de principal conflitualidade com Bruxelas.
Nestes vinte anos e muito especialmente a partir de meados da década de noventa, todos os indicadores estruturais do sector lácteo nacional apresentaram crescimentos muito rápidos e, saliente-se, muito mais rápidos do que os verificados para o conjunto dos quinze países da ‘velha’ União Europeia. É certo que estamos ainda longe dos valores de referência comunitários, mas é certo também que o sector continua a apresentar – caso lhe sejam dadas condições para isso – espaço para uma estruturação a velocidade mais rápida do que a dos seus parceiros da Europa Ocidental. É a velha teoria do copo meio cheio ou do copo meio vazio…
A indústria, confrontada com uma evolução do mercado muito rápida, com a emergência de uma moderna distribuição organizada, mas agressiva e com uma abertura de fronteiras que retirou quaisquer obstáculos à entrada de produtos europeus nos nossos espaços comerciais, foi obrigada a repensar as suas estratégias, a definir objectivos de mercado, a realizar investimentos criteriosos.
Hoje, a indústria de lacticínios nacional tem no seu seio um razoável conjunto de unidades de bom nível, de apreciável capacidade técnica e bem dimensionadas para os seus mercados de actuação e mesmo, naquele que é de há muito o segmento mais atomizado – o do fabrico de queijo – estão concluídos ou em curso investimentos estruturantes que poderão contribuir, de forma decisiva, para um salto qualitativo (e quantitativo) das respectivas produções.
Do lado da produção leiteira, é inegável a forte evolução verificada na última década, sendo cada vez maior o peso do leite proveniente de explorações profissionais e bem organizadas. Considero haver, contudo, ainda algum déficit ao nível da gestão de algumas dessas mesmas explorações, o que se deve, julgo, quer ao facto de uma parcela significativa dos produtores apresentar uma idade algo avançada, quer, mesmo em relação aos produtores mais jovens, a algumas deficiências ao nível deste tipo de formação mais específica.
Regressando por momentos ao tema da competitividade, convém não esquecer que a fatia maior das chamadas vantagens comparativas resulta da possibilidade de produzir igual ou melhor, mas essencialmente mais barato, do que os nossos mais directos competidores. E deve ser igualmente lembrado, que num cenário de compressão dos preços do leite à produção, a manutenção de margens da actividade terá obrigatoriamente de provir da capacidade de produzir com menos custos.
Penso que haverá aqui uma segunda interessante oportunidade de actuação, com o estudo das estruturas de custos das diversas tipologias de explorações que se espalham pelo nosso território, tentando encontrar algumas alternativas aos procedimentos mais tradicionais de produção, equacionando sem tabus a forma mais económica e eficiente de alimentar os animais, tendo em vista determinado ‘resultado’ produtivo, questionando de forma séria as opções ao nível da aquisição (e ‘durabilidade’) dos animais para produção. Verificando, em síntese, todas as oportunidades de redução de custos na operação da nossa exploração.
Mas esse exercício poderá ir mais longe e tentar construir os diversos modelos de ‘exploração ideal’, mais adequados a cada uma das regiões leiteiras do nosso país, combinando dimensões mínimas com disponibilidades efectivas ao nível do solo ou das reservas alimentares. Os resultados do trabalho efectuado poderão ser da máxima importância no definição de algumas pistas de evolução da estrutura da produção leiteira, muito em especial nas zonas do minifúndio, zonas onde, julgo, apenas uma ‘revolução mental’ que aponte para uma efectiva cooperação empresarial entre os produtores, poderá permitir ultrapassar os obstáculos, aparentemente insanáveis, que actualmente se apresentam.
Posto isto e porque o texto vai já excessivamente longo (e não é minha intenção que substitua os soporíferos), importa perceber quais as posições que no contexto comunitário Portugal deverá, em minha opinião, defender, qual a margem de manobra que um país como o nosso pode ter num sector em que aparentemente o nosso peso é muito diminuto e que cenários se poderão apresentar durante o segundo semestre do corrente ano, período que coincide com a presidência portuguesa da União Europeia
Assim e como julgo se depreenderá do referido atrás, estou convicto que o nosso país deverá defender, sem hesitações, a manutenção do sistema de quotas até 2015 e mesmo, na medida do possível, o prolongamento do sistema para lá dessa data.
Importante seria também – no caso do desmantelamento – adiar, tanto quanto possível e preferencialmente para depois de 2015 a implementação das medidas de transição rumo à total liberalização do sector. Na hipótese do desmantelamento será também importante defender a implementação de mecanismos de resgate/indemnização das quotas atribuídas aos produtores.
Considero ser essa, apesar dos riscos tácticos que eventualmente comporte, a forma mais eficaz de defender um conjunto de interesses básicos da fileira do leite nacional, como sejam o direito à manutenção de uma estrutura produtiva que permita, pelo menos, o abastecimento da nossa estrutura de transformação e o nosso mercado, o direito a alguma dignidade da actividade produtiva, visando a manutenção no activo de um número suficiente de explorações leiteiras e o direito à consolidação dos investimentos feitos no sector transformador, a rentabilização desse ‘património’ industrial e manutenção dos postos de trabalho associados.
Portugal não está isolado nesta luta pela manutenção do sistema de quotas. Países como a Finlândia e a Áustria já se declararam publicamente favoráveis ao prolongamento, para lá de 2015, deste regime. O governo francês, tido como claramente pró-quotas, poderá inflectir, com a eleição do presidente Sarkozy, algumas posições assumidas anteriormente. No entanto, nos meios agrícolas e agro-industriais, o novo líder francês é tido como um defensor da PAC e do meio rural, tendo recebido o apoio expresso de muitas organizações do sector.
No caso espanhol, tivemos a possibilidade de assistir in loco à reunião convocada pelas respectivas autoridades para definir a posição nacional nesta matéria – a Globaláctea – e verificamos, antes de mais, a dificuldade de obter consensos sobre matérias tão básicas quanto a da defesa ou não do sistema de quotas. Foi perfeitamente notória a rejeição do sistema por parte da indústria e as posições totalmente favoráveis ao seu prolongamento por parte da generalidade das organizações agrárias.
No caso de Itália, as mais recentes impressões colhidas referem que o respectivo executivo se mostrará favorável ao desmantelamento do sistema, a não ser que lhe seja atribuída quota adicional que lhes permita ‘tapar’ o diferencial que ano a ano se verifica entre a quota nacional e o volume de entregas dos seus produtores. Ou seja, não estão efectivamente contra o sistema, estão apenas contra o valor da quota que o país detém.
Os dois grandes pontos de interrogação desta equação verificam-se no caso da Alemanha e em relação ao grande grupo dos doze novos Estado-membro (com a Bulgária e Roménia já aqui incluídas). Em relação a estes últimos, é muito difícil prever que posição assumirão. Os contactos que mantemos com algumas das respectivas associações – em especial na Polónia, Rep. Checa, Hungria e estados bálticos – não nos deixam margem para grandes contagens de espingardas. No entanto, o baixo volume das quotas atribuídas a alguns desses países poderá predispô-los para uma posição favorável ao desmantelamento do sistema. Ao invés, esse desmantelamento tenderá a que a vantagem competitiva dos menores preços de leite nesses países rapidamente desapareça, até porque na sua grande maioria, os respectivos tecidos produtivos são compostos por uma enorme percentagem de microexplorações de eficiência mais do que duvidosa.
O caso alemão apresenta contornos ainda algo ‘nebulosos’, pois se as posições públicas do respectivo Ministro da Agricultura, Horst Seehofer, parecem estar claramente do lado do desmantelamento, as organizações representativas quer da produção, quer da transformação láctea, não surgem tão crentes quanto às virtualidades desta liberalização do sector.
De qualquer forma, mesmo que o resultado final seja o efectivo desmantelamento do sistema de quotas leiteiras a partir de 2015, parece claro que a existência de um bloco concertado de países que se manifestem em sentido distinto, no mínimo influenciará todo o processo de transição para o livre mercado, quer no sentido de um maior abrandamento daquele ‘soft landing’, quer no sentido de um maior cuidado com a monitorização dos equilíbrios do mercado lácteo.
Em linguagem futeboleira, “a melhor defesa é o ataque”, pois se é verdade que a Comissária Fischer Boël teve o mérito (do ponto de vista das teses que defende) de conseguir que todo o sector à escala europeia esteja já a discutir os cenários de transição e o pós-quotas, como se houvesse já sido definitivamente decidido que o seu prolongamento não se efectivará, é também verdade que aos Estados-membro cabe desvalorizar essa pretensão e recentrar a discussão no SIM ou NÃO ao prolongamento do sistema de quotas. E a este nível, não nos parece que Portugal possa apenas colocar-se na sombra de posições de outros Estados-membro, esperando para ver o que pode ganhar, quando o que está em causa é o muito que poderá perder…
Em Setembro de 2006, tivemos, em Copenhaga, a oportunidade de ouvir da boca do chefe de Gabinete da Comissária Fischer Böel não apenas a sua cartilha de intenções, como também o cronograma relativo às próximas etapas que o processo seguiria. No entanto, a velocidade actual dos acontecimentos impede que se diga que se vai fazer uma qualquer coisa daqui a 18 meses ou dois anos… De imediato, as coisas começam a borbulhar, a construção de teorias multiplica-se, as universidades e os gabinetes de consultores têm aqui uma boa oportunidade de marcar pontos e a verdade é que os primeiros documentos relativos ao ‘health check’ deverão já estar disponíveis no início do semestre, coincidindo com o início da presidência portuguesa.
Provavelmente de forma contrária ao que seriam as expectativas do nosso Governo, o dossier Agricultura irá assumir um espaço muito relevante no semestre da nossa Presidência e bom seria que usássemos o ‘suplemento’ de influência que a presidência sempre confere para tentar defender a nossa dama. Bom seria também que fosse aproveitado o conhecimento que sobre este dossier foi sendo construído, dentro e fora da administração, não se caindo na tentação de elaborar nos corredores do Ministério uma posição nacional ao arrepio dos interesses do sector e do que vem sendo sucessivamente defendido pelas suas organizações mais representativas.
Um último reparo para afirmar que, apesar de tudo o que foi dito atrás, pouco ou nenhum interesse haverá na defesa das posições nacionais juntos das instâncias comunitárias se, em simultâneo, não se fizer ‘inversão de marcha’ nos principais estrangulamentos domésticos do sector:
- se não se inverter a atitude política de apoio aos biocombustíveis a qualquer preço, não ponderando nem considerando o impacto de tal atitude sobre a estrutura de custos de todas as explorações agro-pecuárias;
- se não se flexibilizar (o que é completamente distinto de facilitar) o processo de licenciamento das explorações, numa perspectiva de melhoria da qualidade da matéria-prima, de melhor adequação ao meio envolvente e de melhor ordenamento do território e não da burocratização de um acto administrativo ou da gestão de pequenos poderes entre as entidades envolvidas. Os produtores também são cidadãos e contribuintes, pelo que têm, obviamente, o direito de reclamar para si uma outra atenção e atitude de um Estado que parece mais preocupado em penalizá-los do que em criar condições (limitando os agora tão falados custos de contexto…) para que desenvolvam a sua actividade de forma condigna;
- se não for reformulado o Plano de Desenvolvimento Rural, criando apoios proporcionados, direccionados e atraentes para os produtores de leite, parcela que, queremos crer, continua a ser considerada importante no seio do sector agrícola nacional e que deveria merecer uma outra atenção da parte de quem se senta nas cadeiras do poder.
Pedro Pimentel
Secretário Geral
ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios