Gonçalo Caleia Rodrigues

Quo Vadis, DGADR? – Gonçalo Caleia Rodrigues

Ouvindo o discurso da Sra. Ministra da Agricultura, Dra. Maria da Céu Antunes, aquando do encerramento do 11º Colóquio Nacional do Milho, declarando que pediu “à EDIA para avaliar as condições edafoclimáticas em cada território para termos um reforço do programa de regadios, baseado na melhoria da eficiência destes recursos, extensão dos regadios existentes ou construção de novos sempre que as condições o permitam”, fico por um lado satisfeito mas, por outro, preocupado.

Agrada-me ver no Ministério vontade de apostar na agricultura de regadio. As obras de regadio em Portugal tiveram, têm e continuarão a ter, um impacto positivo na agricultura nacional. Se compararmos o valor da produção gerado por um hectare exclusivamente de sequeiro com o valor criado por um hectare predominantemente de regadio (respetivamente, em média, 829 € e 5 188 €), é indubitável a externalidade positiva gerada pelas infraestruturas hídricas existentes. Também, em termos globais, a agricultura onde o regadio está presente gera uma riqueza de 66% do Valor de Produção Padrão Total nacional apesar de ocupar apenas 41% da Superfície Agrícola Utilizada. Segundo o Recenseamento Agrícola (RA) de 2009, a área regada que advém de capacidade própria instalada representa cerca de 56% da capacidade instalada total, sendo que os regadios coletivos públicos e privados representam 35 e 9%, respetivamente, da superfície irrigável nacional (os primeiros resultados do RA 2019 apontam para um crescimento desta proporção). Mas, e arrisco dizer, é indubitável que mais infraestruturas públicas trarão idêntico, senão maior, valor acrescentado à produção agrícola nacional. O dinamismo do setor que nasce junto a essas albufeiras permite criar negócio, aumentar produções, fixar populações e combater a desertificação. Não fosse a existência dessas infraestruturas, não haveria forma de conviver com o regime de escassez hídrica característico de algumas regiões (como é o caso do Alentejo) nem como potenciar a agricultura como temos visto nos últimos anos. Regozijo-me com a vontade da Tutela em continuar este caminho.

Contudo, não compreendo o critério da escolha da Sra. Ministra no que toca a entidade que irá produzir tal estudo.

Ora vejamos. A EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, S.A. – tem como missão: a conceção, execução, construção, gestão, exploração, manutenção e conservação das infraestruturas que integram o sistema primário do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA); a conceção, execução e construção, em representação do Estado, das infraestruturas que integram a rede secundária do EFMA; e, a promoção, desenvolvimento e prossecução de outras atividades económicas cujo aproveitamento contribua para a melhoria das condições de utilização dos recursos afetos ao EFMA. É indiscutível que a contribuição desta entidade para o desenvolvimento regional potenciou a criação de riqueza numa região que sem o EFMA estaria muito aquém daquilo que é hoje. É também fruto desse esforço e relevância da obra, que Alqueva é reconhecido como um sucesso ímpar a nível internacional.

Não haveria outra escolha possível?

Já a DGADR – Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural – é, entre outras funções, a Autoridade Nacional do Regadio. A DGADR, entidade que prossegue as competências outrora exercidas pela Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, pelo Instituto de Hidráulica e Engenharia Rural e Ambiente, pela Direcção-Geral de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, e pelo Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica, tem como função contribuir para o planeamento e gestão do regadio e infraestruturas hidráulicas. A DGADR, segundo Decreto Regulamentar, é a entidade que representa o Ministério da Agricultura em matérias relacionadas com a utilização da água na agricultura, participando na definição da política nacional da água e elaborando, coordenando, acompanhando e avaliando a execução do Plano Nacional dos Regadios. Aliás, segundo a Lei Orgânica do XXII Governo Constitucional, é a própria Ministra que exerce a direção sobre a DGADR. Juntando as atuais competências dessa Direção-Geral, com todo o conhecimento e experiência acumulados no desempenho das suas funções, não faria da DGADR a escolha óbvia para o dito exercício pedido à EDIA?

Mesmo que colocássemos de parte a (óbvia) escolha da DGADR para realizar este trabalho, existem outras entidades que, dada a sua abrangência nacional e experiência, poderiam desempenhar esse papel. Unidades de I&D das instituições de ensino superior têm em si um conjunto relevante de recursos humanos com as habilitações necessárias para fazer um levantamento desta natureza. Organizações como o COTR – Centro de Competências para o Regadio Nacional – têm no seu ADN o know-how para desempenhar este papel.

Não posso deixar de ficar preocupado… E essa preocupação prende-se com o facto de ter sido a EDIA e não a DGADR a instituição escolhida para avaliar as condições edafoclimáticas do território, permitindo a escolha das potenciais regiões propícias a ser alvo de extensão de obras em utilização ou de novas empreitadas para a construção de novos perímetros de rega. Temo que este seja o começo de uma jornada sem retorno… Que, à semelhança do que vimos acontecer com a DGAV, seja o início de um processo de tirar competências à Direção-Geral da nossa Agricultura. Direção-Geral essa que deveria continuar a ser aquilo que a caracterizou e ainda continua a caracterizar: um verdadeiro organismo público ao serviço a agricultura e desenvolvimento rural, e a verdadeira Autoridade Nacional do Regadio.

Gonçalo Caleia Rodrigues

Professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia

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